UMA NOITE NO CEMITÉRIO - Conto de Terror - Ricardo R. Gallio
UMA NOITE NO CEMITÉRIO
Ricardo R. Gallio
Em uma noite de lua em quarto minguante, coberta por nuvens, um crime terrível e hediondo foi cometido. Em fuga desesperada, o responsável corria dos braços da lei, já próximos de si. Apenas sua respiração ofegante e seus passos no calçamento ecoavam pelas ruas vazias. Ele se viu diante de um beco sem saída, não conhecia bem a cidade e, em sua ânsia de fugir, se perdeu.
Naquele instante, seus ouvidos captaram o brado dos policiais ao longe, e novas vozes iam somando-se aos poucos. Cidadãos acordados em sobressalto se juntaram na busca pelo criminoso. Havia pouca chance de escapar, mas sua mente sórdida se negava a aceitar essa realidade. Vasculhou apressado ao redor mal iluminado por sua lanterna. Percebeu um muro à sua direita, não tão alto que ele não conseguisse pular com facilidade.
Movido pela urgência e pela adrenalina pulsando em suas veias, se lançou em um salto desesperado. Do outro lado a escuridão o envolveu como um abraço gélido, porém acolhedor, pois agora estava livre de seus perseguidores.
Ele aguardou imóvel e oculto nas sombras, enquanto o volume das vozes crescia. O muro oferecia proteção momentânea, mas se eles também o atravessassem seria pego, pensava ele. Por fim, as vozes chegaram perto o bastante para ele distinguir suas palavras.
— Perdemos o rastro do maldito.
— Ele pode ter ido por ali.
— Dentro do cemitério? Não teria tanta ousadia.
— Foi ousado o bastante para matar e roubar aquela velha senhora.
— Prefiro chamar de covardia, isso sim. Agora se esconder aí dentro, hum, para mim é burrice.
A discussão continuou por mais alguns minutos, enquanto cidadãos e policiais decidiam se procuravam no cemitério ou não. Resolveram prosseguir as buscas em outro local. O eco das vozes se desvaneceu ao longe e o criminoso suspirou aliviado. Agora sabia onde estava, mas, de fato, não tinha medo e nem era burro, como imaginavam os homens da lei. Ignorantes eram eles, pensou. Supersticiosos e covardes, algo que ele julgava ser o oposto.
Reacendeu a lanterna e observou ao redor. O brilho fraco não revelava muito, apenas o suficiente para perceber a profusão de lápides brotando da terra como fungos. Andou em meio às sombras, mergulhado em seus pensamentos. Não tinha medo dos vivos, quem dirá dos mortos.
Convicto de não haver perigo naquele depósito de almas que já partiram, ele ousou desafiar o domínio dos finados. Logo percebeu como o cemitério era pródigo em opulentos mausoléus e jazigos, erguendo-se como testemunhas silenciosas de sua fuga. Parou para examinar uma antiga tumba, adornada com a escultura magnífica de um anjo de mármore. Só pessoas muito ricas poderiam mandar fazer um túmulo assim, refletiu. Seus olhos cobiçosos brilharam, pois uma nova oportunidade surgiu à frente. Saiu em busca de possíveis riquezas ocultas em cada sepulcro.
À luz da lua pálida, ele contemplava a grandiosidade daquele cemitério, onde descansavam os mortos de famílias nobres e abastadas. Cada sepultura representava uma história, um legado de poder e privilégio, e o bandido vislumbrava em cada uma delas a possibilidade de encontrar tesouros há muito esquecidos.
Logo deparou-se diante de um grande mausoléu de pedra cinzenta. À medida que seus olhos se fixaram na construção imponente, sentiu-se atraído por sua majestosa presença, mesmo envolta em uma aura sombria de decadência. Era ricamente esculpido e via-se gravado na fachada o nome de uma família tradicional da qual já ouvira falar. Em seu insaciável desejo por luxo, confiante de que as almas adormecidas não iriam opor resistência, arrombou a entrada com habilidade usual.
O lugar era grande, pois estava repleto de gavetas mortuárias, onde gerações repousavam eternamente. A luz da lanterna pousou sobre um candelabro, apesar de estar coberto de pó e teias de aranha, parecia ser valioso devido ao seu feitio elaborado. Sem hesitar o tomou para si, e no mesmo instante um vento forte e gelado varreu o local, arrepiando-lhe os cabelos da nuca. Sentiu um desconforto, mas não ousou se dominar pelo medo. Apenas uma coincidência, pensou. Mesmo assim, saiu dali sem demora e continuou sua peregrinação entre as sepulturas.
Antes tão silencioso, agora o cemitério parecia ter despertado de um sono secular. Mas não eram vozes sussurrando advertências indistintas, como os policiais e povo daquela cidade atrasada poderiam pensar, era apenas o vento, tentou se convencer. Decidido a saquear mais fortunas ocultas repousando nos jazigos, não deu importância para os supostos murmúrios e prosseguiu vasculhando.
Ao dobrar uma esquina, de canto de olho, pareceu perceber uma figura etérea, meio encoberta por uma lápide esverdeada de limo. Apontou a lanterna para lá, mas nada havia. Quando olhou para frente de novo se deparou com algo indizível, e sentiu-se derretendo como cera frente ao fogo. Um espectro diáfano se delineava logo adiante, uma aparição horrenda flutuando em sua direção. Não pensou duas vezes e saiu em disparada.
Mas o cemitério era enorme, de fato parecia não ter fim. Logo ficou sem fôlego e parou, tentando raciocinar. Se apoiou em uma tumba e tentou atribuir essas manifestações a meras ilusões, fruto de seu cansaço e imaginação fértil. Aguçou os ouvidos a fim de perceber se havia mais alguém ali, um vivo, lhe pregando uma peça. Não havia ninguém, só ele e os mortos. A imagem do ser fantasmagórico lhe veio à mente, e ele parecia lembrar daquela face, mesmo estando desfigurada pela morte. Algum conhecido? Uma antiga vítima talvez? Não tinha certeza.
Agora já não pensava em obter ganhos ali, mas sabia que ao sair poderia ser capturado. O medo da forca era mais forte, portanto continuou sua caminhada, agora à procura de um lugar para pernoitar em paz.
No entanto, aquela noite não estava destinada a calmaria. Mal havia dado mais alguns passos, percebeu visões fugazes, sombras espreitando entre os monumentos funerários. Foi forçado a encarar uma inquietação inexplicável, um medo visceral transcendendo seus conhecimentos e crenças. Aquele refúgio macabro parecia ter aberto um portal para seu passado criminoso. Lembranças horrendas emergiram das sombras de sua mente, desencadeando um confronto angustiante com seus pecados pregressos. Se o cemitério antes parecia ser sua salvação, agora havia se transformado em um pesadelo.
Naquela hora, sentiu, como se estivesse ao seu lado, uma presença ameaçadora; uma sombra do passado pairando sobre as sepulturas, lhe cobrando tributo por sua impertinência de importunar o descanso eterno daquelas almas. Fugiu de novo, entre os corredores sombrios e sinuosos do antigo cemitério. Então, se deu conta de que estava enredado em um labirinto de túmulos arrepiantes, com suas estátuas, aqui e ali, parecendo vivas, lançando-lhe olhares acusadores. Uma nuvem pesada encobriu a fraca luz da lua e uma escuridão cerrada o envolveu, roubando-lhe qualquer esperança de encontrar uma saída.
Assim, ele continuou sua jornada solitária e cambaleante. A cada passo uma crescente agonia o ameaçava levá-lo à beira da insanidade. Parou novamente para respirar. A noite parecia eterna e sentia como se estivesse preso ali há anos. Foi quando a sensação da mesma presença maligna retornou, mas agora acompanhada de um toque; uma mão gélida lhe roçou o pescoço, provocando um arrepio sinistro.
Ele atingiu o limite do suportável, sua mente já abalada chegou a um ponto de ruptura. Largou a lanterna e o candelabro roubado e com o corpo estremecendo, correu desenfreado pela necrópole, tomado pelo desespero e o terror. Nada mais importava, apenas sair dali. Mas mesmo no breu profundo conseguia vislumbrar de relance entre as lápides os espectros soturnos lhe fazendo gestos acusadores, relembrando-lhe as vidas que ele arruinara e os crimes cometidos perversamente. O remorso e o medo o enlaçaram, sufocando sua respiração e tornando cada segundo em uma eternidade aflitiva. As visões assombrosas se multiplicavam, enquanto o criminoso lutava para manter a sanidade diante do eco dos espíritos ao seu redor.
Mas era uma batalha ingrata e já perdida, pois até a noite umbrosa conspirava contra ele. Em um instante fatídico, seu destino cruel se materializou. Enquanto fugia, tropeçou, caindo sobre a cruz de ferro de uma sepultura. O metal frio atravessou-lhe impiedosamente o peito, como um inseto empalado por um alfinete.
Seu destino foi selado na escuridão do cemitério esquecido. Um suspiro final se misturou com os sussurros espectrais do além-túmulo até se perder na atmosfera fria da noite. O único som ecoando foi o gotejar de seu sangue sobre o solo sagrado.
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