A PINTURA EQUESTRE - Conto Clássico Sobrenatural - Pu Songling

A PINTURA EQUESTRE

Pu Songling

(1640 – 1715)



Cui Sheng, de Linqing, Shandong, vivia em uma casa modesta, com um muro arruinado circundando o pátio. Nele, todas as manhãs, ao acordar, vislumbrava um cavalo deitado à relva. O animal tinha o pelo preto, rajado de manchas brancas; os da cauda, todavia, pareciam chamuscados. Sheng, insciente da procedência do cavalo, afugentava-o, mas, à noite, o corcel ao pátio retornava.

Querendo visitar um amigo, funcionário público em Shanxui, mas ressentindo-se de montaria, Cui Sheng tomou o cavalo, pôs-lhe rédeas e partiu.

Antes, contudo, disse à família:

— Se alguém reivindicar o cavalo, diga-lhe que eu o montei até Shanxui.

Saindo caminho afora, o cavalo galopou o percurso quase inteiro: percorrera, veloz, mais de trinta milhas.

Porque, à noite, pouco se alimentou a montaria, suspeitou Cui Sheng que ela estivesse doente. No dia seguinte, apertou o freio do cavalo, para impedi-lo de correr com tanto ímpeto. Indômito, o corcel relinchou, escoiceou e espumou. Resignado, Sheng o deixou prosseguir tão livre e vigorosamente quanto na véspera.

Deixando o animal correr livremente, Sheng chegou a Shanxi ao meio-dia. Seguiu à feira e, lá, encantados, todos elogiaram o corcel.

Sabendo disto, o rei Jin quis comprar o cavalo, ofertando por ele um alto preço.

Contudo, temeroso de que a pessoa que o perdera viesse procurá-lo, Cui Sheng não ousou vendê-lo.

Passados seis meses, sem que ninguém viesse procurar o animal, Cui Sheng o alienou por oitocentos taéis de prata à família real e, para voltar à casa, comprou, na feira, uma robusta mula.

Mais tarde, por conta de um assunto urgente, o rei Jin enviou um oficial, montado naquele mesmo corcel,  para Linqing. Todavia, assim que chegou ao seu destino, o animal fugiu. O oficial lançou-se ao seu encalço até deparar-se com casa de um vizinho de Cui Sheng. Quando atravessou os portões da vivenda, o oficial já não viu o cavalo e o exigiu do proprietário. Este, de nome Zhao Zeng, afirmou que nunca o tinha visto.

Ao entrar na sala da casa, o oficial contemplou, pendurada na parede, uma pintura equestre. Um dos cavalos conservava uma pelagem muito parecida com a do cavalo procurado; e, ademais, tinha a penugem da cauda levemente tisnada pela fuligem dos incensos que à imagem ascendia.

O oficial percebeu que o animal procurado era o cavalo da pintura, que se havia transformado numa entidade sobrenatural.

O oficial Zeng, já que lhe era impraticável o cumprimento da ordem do rei, estava prestes a denunciar o Sr. Zeng.

Ora, Cui Sheng não apenas conservara o dinheiro da venda do cavalo, como, por conta dele, já acumulara uma boa riqueza. Sheng, em nome e por conta de Zeng, entregou ao oficial o montante devido, instando a este que, retornando à corte, relatasse ao rei o pagamento realizado.

Malgrado muito agradecido pela gentileza, Zeng não sabia que fora Cui Sheng quem vendera ao rei aquele cavalo. 


Versão em português de Paulo Soriano.

Ilustração: Han Gan (c. 706 - 783).




 

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