O FANTASMA DO TEMPLO - Conto Clássico Sobrenatural - Koizumi Yakumo

O FANTASMA DO TEMPLO

Koizumi Yakumo

(Lafcadio Hearn)

(1850 – 1904)

Tradução de Paulo Soriano


Somente uma vez na minha vida tive uma experiência estranha que não consegui explicar facilmente.

Na época, eu estava em Kyushu1 — era então um jovem noviço — e realizava o meu meu gyo — a peregrinação que todo noviço tem que fazer.

Certa noite, enquanto viajava por um distrito montanhoso, cheguei a uma pequena vila onde havia um templo da seita zen. Fui até ele pedir hospedagem, de acordo com nossas regras. Descobri, todavia, que o sacerdote fora a um funeral numa vila a várias milhas de distância, deixando uma velha monja encarregada do templo.

Disse-me ela que não poderia me receber durante a ausência do sacerdote, e que ele não voltaria antes de sete dias…

Naquela parte do país, o costume obriga um sacerdote a recitar os sutras e a realizar os rituais religiosos, diariamente, durante sete dias, na casa de um fiel morto…

Disse-lhe que não queria comida, mas apenas um lugar para dormir; além disso, aleguei que estava muito cansado. Finalmente a velha monja compadeceu-se. Estendeu algumas colchas para mim no templo, perto do altar. Adormeci assim que me deitei.

No meio da noite — uma noite muito fria! — fui acordado pelo bater de um mokugyo2 e a voz de alguém cantando o Nembutsu3 , perto de onde eu estava deitado. Abri os olhos; mas o templo estava completamente escuro, tão escuro que, se um homem me tivesse agarrado pelo nariz, eu não poderia vê-lo; e perguntei a mim mesmo se alguém poderia estar batendo no mokugyo e cantando em tal escuridão. Malgrado os sons parecessem próximos, fluíam débeis. Tentei convencer-me de que deveria estar enganado, de que o sacerdote havia voltado e estaria realizando um ritual em alguma outra parte do templo. Apesar das batidas e dos cânticos, adormeci novamente e dormi até de manhã.

Então, assim que me lavei e me vesti, fui procurar a velha monja e a encontrei. Depois de agradecê-la por sua gentileza, aventurei-me a comentar:

—O sacerdote voltou ontem à noite?

—Ele não voltou —respondeu-me ela, muito irritada. — Eu lhe disse que ele não voltaria em sete dias.

— Por favor, perdoe-me — disse. — Na noite passada, ouvi alguém cantando o Nembutsu e tocando mokugyo; assim, pensei que o sacerdote havia voltado.

— Oh, aquele não era o sacerdote — ela exclamou. — Aquele era o danka4.

— Quem? — perguntei, já que não conseguia entendê-la.

— Ora — ela respondeu —, o homem que morreu, é claro! Isso sempre acontece quando um fiel próximo morre; o seu espírito5 vem para tocar o mokugyo e cantar o Nembutsu

Ela falava como se estivesse acostumada, há tanto tempo, com o fenômeno, que não lhe parecia algo digno de menção.


Notas:


1Kiushu (ou Quiuxu) é a terceira maior ilha do arquipélago japonês.

2 O mokugyo é um instrumento musical de madeira bastante curioso, com a forma de uma cabeça de peixe, e é geralmente lacado a vermelho e dourado. É tocado com uma vareta durante certos cânticos ou recitações budistas, produzindo um som oco e monótono. (N. do A.)

3 A invocação a Amitâbha, Namu Amida Butsu (“Salve o Buda Amitâbha!”), comumente repetida em nome dos mortos, é assim popularmente chamada. (N. do A.)

4 Danka ou danké significa o paroquiano de um templo budista. (N. do A.)

5No original “hotoké”: espírito de uma pessoa falecida.

 

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