A PREDIÇÃO - Conto Clássico Sobrenatural - Jean Reibrach
A PREDIÇÃO
Jean Reibrach
(1853 – 1827)
Tradução de autor desconhecido do séc. XIX
—Os fatalistas — disse Paul Ardel — asseguram que ninguém foge a seu destino. Mas força é confessar que, por vezes, ele toma os caminhos mais tortuosos e fantasistas para realizar suas decisões. Haja vista aquele príncipe que, segundo um oráculo famoso, devia ser morto por um leão; morreu em consequência de ferimento recebido de um prego oculto sob um tapete… Mas logo os cabalísticos notaram que o desenho desse tapete representava um leão.
Essa aventura é legendaria, talvez apócrifa, mas a que vou relatar é recente e posso afirmar-lhes a autenticidade.
Eu encontrara por acaso meu amigo Raol Danville e passeava com ele pelas ruas de Paris, quando, ao passar à vista do Sena, notamos um ajuntamento ante a amurada do rio. Interroguei um transeunte e ele nos disse:
—Foi uma mulher que se atirou à água.
Ora, Raol era um nadador perito. Instintivamente fitei-o, esperando um ímpeto de dedicação humanitária. Porém, ele sacudiu a cabeça e, arrastando-me para longe da multidão, explicou:
—Se se tratasse de um homem, eu tentaria salvá-lo… Mas uma mulher!… Céus me livrem! As mulheres são nervosas, agarram-se à gente, prendem-nos os movimentes…
Fitei-o pouco convencido pela explicação. Minha surpresa era tão visível que ele corou um pouco e continuou:
—Não… Vais rir de mim, talvez; mas vou dizer-te a verdade. Imagina que, há dias, tive a tolice de consultar uma cartomante e ela predisse que minha morte seria em breve e causada por uma mulher.
— Oh!… Raol… E tu te deixaste impressionar por uma estupidez tamanha?… — exclamei, assombrado.
—Que quer? É talvez uma questão de nervos. Logicamente, não acredito em cartomantes nem em predições; mas… Não sei… Há tanta coisa que não se explica… Enfim… Prefiro não tentar o destino. Para realizar um ato destes — atirar-se um rio e salvar uma pessoa — é preciso não pensar ou, pelo menos agir, com decisão e confiança em mim mesmo… Ora, eu, a despeito de tudo, não posso esquecer a predição.
E, mal-humorado, talvez envergonhado pela confidência, despediu-se de mim, alegando um vago serviço.
O que não sabia eu — e só devia saber no dia seguinte, justamente com o desenlace da aventura — é que Raol Danville tivera, nesse dia, uma grave discussão com sua esposa, que, irritada, saíra de casa sem fazer sequer toalete e declarando que ia para a casa de sua mãe.
Voltando à sua residência nessa tarde, após o encontro comigo, Danville interrogou a empregada. Lucile não voltara.
Ele deu de ombros. A cólera havia de lhe passar. Saiu de novo, irritado pelo aspecto da casa vazia. Foi jantar em um restaurante e só se recolheu tarde.
Lucile não voltara ainda. Danville deitou-se murmurando:
— Ela quer ver se a vou procurar. Pois que espere… Eu não cederei. E se ela teimar em separação, requererei divórcio. Pela manhã, contente-se para não perguntar aos empregados se sabiam alguma coisa sobre a senhora.
Abriu um jornal e teve a curiosidade de procurar as notícias sobre o incidente da véspera no Sena. Encontrou logo a nota policial em lugar de destaque, como convém a um caso trágico. Uma mulher desconhecida, em cabelos e robe, atirara-se ao rio. Um transeunte lançara-se também para salvá-la e morrera com ela.
Danville sacudiu a cabeça com energia. Veem? Ele tivera um pressentimento feliz afastando-se.
Mas, continuando a leitura, estremeceu ao ler os sinais da morta: vinte e cinco anos mais ou menos, 1 metro e 58 de estatura, sem chapéu, vestida apenas com um robe. Todas esses signais coincidiam com os de Lucile. Cega pela cólera, ela tomara um táxi à porta em robe como estava.
Abriu outros jornais… Um deles trazia um detalhe novo. A roupa íntima da morta era marcada com a inicial “L”. Esse mesmo jornal trazia uma gravura: o retrato da morta no necrotério, uma face deformada e horrenda, com a boca muito aberta… Alucinado, Danville chamou a empregada, explicou-lhe o caso tumultuosamente, em frases entrecortadas.
A moça olhou para o retrato e afirmou sem hesitar:
— É a senhora!
Imagine-se o estado de espírito do pobre homem. Recordou a cena da véspera. Naturalmente, Lucile, correndo para a sua mãe, fora repelida por ela, e intimada a voltar ao lar conjugai. Então, num impulso de despeito, fora atirar-se ao rio. E o acaso cruel fizera-o passar pelo local, frio, indiferente, no momento em que ela morria, desesperada.
Danville começou a se vestir apressadamente para ir ao necrotério…
Nesse momento, a campainha da porta soou. Ele se deteve, trêmulo. Naturalmente, tinham averiguado a identidade da suicida e traziam o corpo.
Ansioso, prestou ouvidos… Um grito de surpresa da criada… A voz de sua sogra…
Provavelmente, fora a ela quem reconhecera o corpo da filha e veio trazê-la.
A porta entreabre-se vagarosamente. Danville recua lívido de horror. Mas quem aparece no limiar é Lucile que, aconselhada por sua mãe, vem acompanhada e lacrimosa propor as pazes. Desta vez, a emoção foi demasiadamente forte. Ao ver a esposa ali, de pé, diante dele, Danville caiu como uma massa.
— Os médicos atestaram congestão, ruptura do aneurisma… sei lá! — concluiu Ardel. — Mas o caso é que, nesse desenlace, como no incidente com o príncipe, a predição se cumpriu. A morte de Danville foi causada por uma mulher.
Fonte: “Eu Sei Tudo”/RJ, edição de abril de 1925.
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