O QUE TIRARAM DE NÓS - Conto de Ficção Científca e Terror - S. S. Rodrigues

O QUE TIRARAM DE NÓS

S. S. Rodrigues


Estava confuso.

O silêncio o envolvia. Tudo ao seu redor era obscuro, como se estivesse em um quarto com a luz apagada. Sua visão não se acostumava com a escuridão, era aquele tipo de ambiente que não permitia distinguir nada. Sentia a pressão do medo crescente, e a angústia se fazia mais forte. O rapaz estava começando a se desesperar. Foi então que uma voz chegou aos seus ouvidos.

Não se agite. Fique calmo.

As palavras ecoavam em sua mente, mas o medo do desconhecido começava a se tornar mais forte que a curiosidade. Ele tentou procurar a voz em meio ao breu. Ofegante. Sentia apenas o movimento de sua cabeça, parecia não existir um corpo, só sua cabeça.

Por que está tão escuro? Eu… eu não vejo nada!

A voz respondeu com um tom enigmático, quase sereno, como se o dono da voz tivesse visto e experimentado tudo aquilo antes.

Isso há de passar… Vai passar, logo — respondeu a voz. Era possível sentir um sentimento triste naquela voz, ao afirmar com entendimento o fim daquele estado.

Quem é você?

Ouviu-se silêncio por alguns segundos, parecia que tinha sumido. Depois, finalmente respondeu.

No momento… apenas um sortudo.

Qual é o seu nome?

Eu… — e demorou mais algum tempo, parecia ponderar o que iria dizer.

Não me lembro do meu nome. Esqueci meu simples nome. — Aquilo soou como algo desolador e deprimente. A resposta era desconcertante.

Estou sonhando?

Quem dera fosse um sonho. Agora, onde estamos… não se permitem sonhos. Só pesadelos.

Do que está falando?

Da espantosa realidade que vivemos agora.

Não é um sonho, mesmo?

Os sonhos acabaram para nós. Esqueça-os. No momento, me alegro por ver mais alguém desperto… vivo… e talvez lúcido da razão.

Quero saber onde estamos! Como vim parar aqui! Não consigo lembrar, minha memória parece falha.

Não pense demais. Se houver um amanhã para nós, será apenas pela sorte de nossas existências. E isso já é uma bênção.

Soava convicto aquela fala.

Os sons… eu não ouço mais aquele barulho terrível… parecia uma bomba.

Ele tentou se lembrar, mas a memória estava turva. Uma sensação de perda quase total, mas não conseguia mais se lembrar do que era.

Sim... você já passou por esse momento. Foi quando aquilo apareceu no céu.

Aquilo? No céu?

Sim, no céu. — A voz soou melancólica, algo que houve naquele dia era doloroso para ele.

Oh, meu Deus... o que aconteceu?

Eu me sinto horrorizado por lembrar de tudo que se seguiu àquela aparição. Recordar o passado antes do que houve acalmaria melhor tua agitação, melhor do que reviver o acontecimento em si e todos os que sofreram…

Fale! Por que tanto mistério?

Ele queria saber mais, entender mais.

Fale sobre isso… Eu não lembro de nada. Só lembro de estar no meio de uma multidão, à noite… Se algo aconteceu depois, não lembro.

Uma hora ou outra você vai saber mesmo — suspirou — qual é o problema de eu te contar agora. Demorou, estava pronto para começar — A destruição… a destruição deixou atrás de si uma nuvem espessa de morte e desolação. E o que nos resta é a melancolia e a saudade. A voz estava agora mais séria.

Aquela catástrofe foi absolutamente inesperada. Mas se pensarmos naqueles loucos das ruas — aqueles que falavam que os céus nos puniriam — se pensarmos nas profecias bíblicas... a destruição final da Terra devia vir pelo fogo. Não preciso dizer mais nada. As escrituras já deixavam isso claro há muito tempo. Mas ainda assim... não era loucura pensar em um asteroide gigantesco, ou numa explosão solar. Essas coisas da ciência, da astronomia. Desastres possíveis, como perturbações geológicas, mudanças climáticas, alteração da vegetação, ou mesmo das forças magnéticas e elétricas... tudo isso era possível — até já estavam acontecendo. Meu irmão era um homem da ciência. Mas também, de certo modo, um louco. Falava sobre um objeto estranho que atravessou as luas de Saturno com uma velocidade absurda. Disse que aquilo parecia parar em cada planeta, como se os visitassem.

Então, esse tal objeto… — falava o rapaz. — Ninguém ficou preocupado com ele, o que as pessoas disseram?

Esse é o pior, esconderam tudo. Não disseram nada ao mundo. — Um tom de indignação acompanhava sua voz. — Houve os que trabalhavam com ele acreditavam que se tratava de uma chegada amigável — outros povos, outras formas de vida, incapazes de nos ferir. Mas meu irmão nunca acreditou nisso. Acreditava que o contato era certo, sim. Mas pacífico? Não.

Então, o que houve depois?

Não lembro exatamente a data, só sei que foi num daqueles dias de calor insuportável. A cidade estava cheia, como sempre, mas a praia... a praia era diferente. Tinha gente demais ali. Uma multidão enorme, aproveitando o dia. O céu azul, com aquelas nuvens brancas se arrastando pelo ar. O vento vinha do mar e, por um momento, parecia tudo normal. Crianças brincando, vendedores gritando, gente tomando banho de sol. Mas, perto do fim da tarde, a coisa mudou… Primeiro, foi uma movimentação esquisita. Sabe quando se sente o perigo antes dele de fato acontecer?

Sei…

E então... ele chegou. Rápido demais. Uma linha vermelha rasgou o céu. Tão veloz quanto qualquer raio. A praia estava cheia de murmúrios. Alguns olhavam para o céu. Outros, com as mãos sobre os olhos, tentavam enxergar melhor o que estava acontecendo. O medo tomava conta do ambiente, misturado com a confusão de não entender o que se passava. Todos começaram a se perguntar, uma sobrepondo a outra:

Você está vendo aquilo? — O que é isso, meu Deus? — Alguém sabe o que está acontecendo?

Ninguém sabia, ninguém podia explicar. Todos pareciam estar tentando processar o que viam. E então, como um grito cortando o ar, uma explosão de pânico se fez ouvir. Era um único grito, mas tão forte que parecia vir de toda a praia. Foi quando algo apareceu. O que surgiu no céu era redondo, imenso, algo que ninguém jamais imaginou ver. Uma nave. Como as naves que tínhamos visto nos filmes. Parecia, de alguma forma, ser uma delas. A nave descia devagar, imensa, pairando sobre o mar, vindo das nuvens. O deslocamento do ar criava um estrondo abafado, mas grave. Maldito som! E tudo parecia muito mais real do que qualquer ficção. Ela não desceu sem deixar marcas. Quando sua base se abriu, um cano gigantesco desceu até tocar a água. O impacto foi imediato, o mar tremeu como se tivesse recebido um golpe, e as ondas começaram a se agitar, mais e mais, até que barcos próximos começaram a balançar descontroladamente. Vi pessoas tentando saltar na água, outros tentando remar para longe, mas muitos não conseguiram. Alguns, desesperados, vi desaparecerem. A lancha que estava mais perto virou, engolida pelas ondas, com um grupo de jovens nela. Um segundo depois, desapareceu. Só vi os corpos por um instante antes de ser engolido pela água turva. Depois, nada. Depois o líquido que escorreu da nave era escuro, oleoso, e logo se espalhou, manchando o mar de um tom denso e sujo. E então, a nave se aproximou da areia. Com uma leveza assustadora, pairou por um momento, como se estivesse nos observando. A areia, antes tão viva, agora se tornava o cenário de um pesadelo. E não foi só a nave. Pedaços enormes dela caíram do céu, uma chuva de blocos verdes, como esmeraldas gigantes, sem rachaduras, perfeitos e imutáveis. Mas, ao invés de beleza, sua presença só aumentou o caos. As pessoas começaram a correr, se empurrando, desesperadas para fugir. E eu... eu estava ali, parado, perdido no meio daquilo tudo, tentando entender. Como alguém poderia entender o que acontecia? Como dar sentido a tudo aquilo? A nave, com sua força esmagadora, havia destruído o que era, até então, uma tranquila praia.

Mas… o que aconteceu em seguida? — arfava, agitado pela história narrada.

E então, ainda mais perturbador, ela se moveu para o centro da cidade. Atravessou os prédios com uma agressividade assustadora, derrubando-os com facilidade, como se os próprios alicerces da cidade não passassem de cartas de baralho. O som do concreto sendo destruído ecoava junto aos gritos dos desesperados que corriam pelas ruas. Tudo ao redor desmoronava, os carros sendo explodidos, os edifícios virando destroços. Por onde passava, tudo era destruído. As ruas, as lojas, os postes de luz… e ainda assim, a nave não parava. Ela não parecia nem mesmo se importar com o que destruía. Sua luz, forte e incansável, tomava a cidade, e as pessoas, que antes tentavam se refugiar, não conseguiam mais escapar. Não havia mais onde esconder.

Ambos ficaram em silêncio, e só após um tempo ele voltou para a história.

E, finalmente, ela parou. Durante um momento, não se viu mais que uma luz estranha, que saía da nave, que nos envolvia por todos os lados. Depois, por um instante, parecia que um fragmento celeste havia se desprendido e mergulhado sobre a Terra. Ouviu-se um som que fez tudo tremer e houve como uma explosão de uma estrela de éter que nos cercava. Flamejou, de repente, numa labareda intensa, cuja luz maravilhosa e devorante calor não tem nome, nem mesmo entre os anjos, no céu.

Foi esse barulho que eu escutei, o que me perturba até hoje.

E outros chegaram, viajante das galáxias, que nos oprimiram como um pesadelo que nos esmagou como uma sombra medonha pairando sobre as nossas cabeças. Eles lançaram um manto gigantesco de chamas vermelhas sobre toda a terra, em todas as direções. Passaram-se dias, mas esses dias levaram consigo a última sombra de esperança! A rápida modificação do ar sufocava-nos; o sangue revolvia-se tumultuosamente nas veias. Não se podia negar que a nossa atmosfera estava radicalmente atacada; a composição da atmosfera e as modificações a que podia estar sujeita. O ar vivido que nos envolvia, tão necessário para nós, agora era impróprio para sustentar a vida, era um terror respirar nesse fim. Foi quando o poder das naves atingiu finalmente uma grandeza que ultrapassava qualquer outra catástrofe dos últimos milênios que se possa pensar. Nenhuma peste ou guerra foi tão grande quanto isso. O mundo, então, perdeu a esperança, sentiu toda a certeza da desgraça. Poucos dias bastaram para converter o mundo em um planeta quase inabitável. Era como se os monumentos que haviam sido construídos ao longo de anos de história, de vidas, fossem agora apagados. Os nossos registros históricos desapareceram; não se podia fazer mais nada aos nossos estrangeiros impiedosos. Assim, acabou o mundo.

E como estamos ainda aqui? Se o mundo acabou, como estamos nos falando?

Logo, logo você irá saber.

Algumas horas mais tarde, a visão do rapaz começa a se recuperar. Aos poucos, vultos e brilhos se transformam em formas. Acima dele, uma grande esfera prateada, adornada com pontas douradas e cintilantes. Logo abaixo, surgindo como em um pesadelo dos condenados, o caos: a ruidosa agitação de seres que se espremem como massas, com líquidos saindo de poros abertos. Uma multidão inquietante que se triturava, ofegante, como se buscasse escapar da própria carne. Ele tenta mover-se, mas não sente o corpo. Está dentro de uma espécie de douma. Mas não completo, não inteiro. Apenas a cabeça, sustentada por suportes translúcidos, cercada por tubos e fios. Ao seu redor, formas esguias, de aspecto extraterrestre, retiram cabeças humanas, ainda vivas, com equipamentos que atravessam o crânio. Um espetáculo de arrepiar.

Está vendo agora, meu rapaz? — falou uma voz. A voz do narrador do fim do mundo.

Mas o quê… — tenta responder, confuso, olhando ao redor com o pouco que lhe resta. — O que isso significa?!

Significa que somos úteis. Mas só assim.

Braços mecânicos finos como agulhas o ergueram levemente. Abaixo, centenas de outras cabeças se agitavam, presas em redomas translúcidas. Umas gritavam. Outras choravam. Algumas apenas olhavam para o nada.

Isso é loucura… — murmurou o rapaz, com sua voz começando a falhar. O medo mais mortífero invadia sua mente. Fios cavaram seu crânio, e o que restou da humanidade nele.

Foi o medo.

 

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