A VELHA - Conto Clássico de Horror - Ivan Tourgueniev
A VELHA
Ivan Tourgueniev
(1818 – 1883)
Tradução de Tibullo
(Séc. XIX)
Caminhava sozinho numa vasta planície. E, de repente, pareceu-me ouvir atrás de mim uns passos ligeiros e furtivos. Alguém seguia as minhas pegadas com precaução.
Voltei-me e vi uma pobre velhinha toda encarquilhada, toda envolvida em farrapos esquálidos. Apenas se lhe distinguia o rosto através desses farrapos: um rosto sombrio, enrugado, desdentado, de nariz pontudo.
Aproximei-me dela; ela parou.
—Quem és? Que queres? És uma mendiga? Esperas uma esmola?
A velha não respondeu. Inclinei-me para ela e percebi que os seus olhos estavam encobertos por uma dessas membranas esbranquiçadas que se veem em certos pássaros e que os preservam da luz demasiado viva do sol.
Porém, na velha, essa membrana não se mexia, não descobria as pupilas. Donde conclui que era cega.
—Queres uma esmola? — repeti eu. — Por que me segues?
A velha não respondeu nada desta vez ainda, e não fez senão engelhar-se mais.
Desviei-me dela e continuei o meu caminho.
E eis que ouço de novo atrás de mim esses passos ligeiros, cadenciados e furtivos.
—Ainda essa mulher? — pensei eu. — Que diabo fará ela para porfiar assim no meu encalço?
Mas logo me veio esta reflexão:
— É provável que, sendo cega, tenha perdido o seu caminho, e que siga os meus passos pelo ouvido, a fim de chegar atrás de mim a algum lugar habitado. Não ha duvida, é isso mesmo!
Mas uma inquietação estranha apoderou-se a pouco e pouco de mim.
Afigurou-se-me que, na realidade, a velha não me seguia, mas que me dirigia, que me empurrava, ora à direita, ora à esquerda, e que eu lhe obedecia involuntariamente.
Eu continuo, no entanto, a andar, senão quando, no meu caminho, alguma coisa negreja, se alarga, como um grande buraco na terra. É o túmulo! Esta ideia me atravessou como um raio: eis para onde ela me empurra.
— Volto-me bruscamente. A velha ali está, diante de mim, e ela vê! Põe-me uns olhos redondos, maus e ameaçadores — olhos de ave de rapina. Debruço-me sobre o seu rosto, sobre os seus olhos.... De novo, a mesma membrana embaciada, o mesmo rosto cego e obtuso.
— Ah! — pensei. —Esta velha é o meu destino, este destino ao qual nenhum homem pode escapar! Não, não, não, que pusilanimidade! É preciso, ao menos, tentar.
Eu ando depressa… Mas ouço, de novo, atrás de mim passos leves… perto… bem perto… E, diante de mim, na estrada, escancara-se de novo o buraco negro.
Mudo ainda de direção… E sempre o mesmo roçar furtivo atrás de mim, adiante de mim a mesma mancha terrível…
E aí começo eu a quebrar cantos como uma lebre diante dos cães… Em vão! Sempre, sempre a mesma coisa!
— Espera! — disse eu de mim comigo. — Vou te enganar. Não irei a parte alguma!
E me sento no chão.
A velha está atrás de mim, a uns dois passos. Eu não ouço, mas sinto que ela está ali mesmo. E, de repente, que vejo? Essa mancha que negrejava diante de mim, ei-la, que desliza, que rasteja, que avança e se aproxima de mim!…
Virgem Maria!
Volto-me, olho. A velha fixa em mim os seus dous olhos, e um mau sorriso lhe torce a boca desdentada:
— Tu não escaparás!
Fonte: “O Mequetrefe”/RJ, edição de 10 de maio de 1885.
Fizeram-se breves adaptações textuais.


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