O ESTATUÁRIO - Conto Clássico Fúnebre - Venceslau de Queiroz
Venceslau de Queiroz
(1963 – 1921)
O leiloeiro apregoava…
Depois de terem sido arrematados quase todos os trabalhos de mármore, como lousas tumulares, urnas e estátuas, quando chegara a vez de ser apregoada uma destas, o artista, sacudido de uma dor profunda, humilhado, sem se poder conter, ajoelhou-se ante o miserável argentário, a quem devia, suplicando que, ao menos, lhe deixasse aquela, que o não largara durante toda sua vida artística.
Nada conseguira.
O último lance fora de uma mulher, moça e viúva que, logo depois, mandou conduzi-la para ser colocada no túmulo de seu esposo.
A estátua figurava também uma mulher triste e desolada, chorando, apoiada nos braços de uma cruz tosca, em cujo supedâneo jazia uma coroa de perpétuas murchas, esmaecidas..
Dolorosa e pungitiva era a expressão do seu rosto!
Parecia que lhe arfava o seio, estalando dó sob um pesar crudelíssimo…
As pregas do seu vestido eram tão primorosamente cinzeladas que enganavam o olhar mais perspicaz e observador.
Sem dúvida, fora a melhor concepção deste estatuário.
Escoaram-se os meses e os anos.
Numa tarde de inverno em que os cirros brancos, como esgarçados flocos de algodão, corriam nos céus, batidos pelo vento agudíssimo do nordeste, que mordia as carnes, como mil bocas geladas de vampiros invisíveis, o artista, sentindo-se desfalecer, ralado por essa paixão incompreensível, quis despedir-se, ainda uma vez, para todo o sempre, do seu ídolo de pedra... E fora ao cemitério.
*
O coveiro, ao apontar a manhã, encontrou-o morto, de bruços, nas lájeas de um sepulcro…
Tinta de uma golfada de sangue, estava a coroa de perpétuas murchas, feita na base da cruz de mármore.
Semelhava um buquê de frescas e encarnadas rosas que desabotoaram sob essa noite frigidíssima de inverno.
Pelo marmóreo rosto da estátua escorriam duas gotas de orvalho…
Parecia que ela chorava.
Fonte: “O Mequetrefe”/RJ, edição de 30 de abril de 1885.
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