VAMPIROS - Narrativa Clássica Sobrenatural - Pedro Norberto de Aucourt e Padilha
Pedro Norberto de Aucourt e Padilha
(1704 – 1759)
Em toda a Antiguidade se não acha caso mágico tão admirável como é o dos vampiros1 em Alemanha.
Esta palavra na língua esclavônia significa sanguessugas, razão por que dão este nome a certos defuntos que foram acusados de virem chupar o sangue dos vivos e matá-los por este modo.
E correndo a fama de semelhantes casos no distrito da Gradisch, na Esclavônia, por ordem do magistrado se mandou desenterrar o corpo de um destes vampiros, que diziam ter morto nove pessoas, a quem apareceu à noite e chupou o sangue. Desenterrado o seu corpo, o acharam inteiro com os cabelos e unhas crescidas, a pele branca e na boca sangue fresco. O carrasco lhe atravessou o coração com um pau agudo, do qual saiu muito sangue, e depois lhe cortaram a cabeça e queimaram o corpo.
De outros muitos vampiros, que apareceram em diversos lugares de Hungria, se dá conta no Mercúrio político do mês de outubro de 1736; e, dos que apareceram em Belgrado, o atestam dois oficiais daquele tribunal, e um das tropas do imperador, como testemunhas oculares.
De infinitos outros vampiros, a quem igualmente desenterraram, cortaram a cabeça e queimaram, se fez uma informação exata e jurídica de sua execução, atestada por muitos oficiais e cirurgião dos regimentos, e pelos balios e principais pessoas do distrito, que se remeteu em janeiro de 1732 ao Conselho de Guerra Imperial em Viena, que havia dado a comissão ao militar para examinar a verdade desses sucessos. E na dita relação se individuava que as pessoas, que morriam chupadas pelos vampiros, depois de sua morte também se faziam vampiros.
Chegando à França a fama dos vampiros, ordenou Luís XV ao Duque de Richelieu, que então estava por embaixador na corte de Viena, se informasse do que havia na matéria. E, depois de haver preguntado a várias pessoas, respondeu ao seu amo que tudo o que se dizia dos vampiros de Hungria era certíssimo.
Esta resposta não logrou aprovação dos muitos e judiciosos críticos que há em Paris, pelo que o mesmo soberano lhe ordenou segunda vez que fizesse novas e mais exatas diligências para assegurar-se daquela realidade. E delas resultou que a segunda informação, que deu a el-rei cristianíssimo, foi mui diferente da primeira e inteiramente concordou com o padre Calmet de que tudo é um terror pânico, ajudado, talvez, de algum embusteiro.
Quanto a mim, vampiros em Alemanha, brucolacos na Polônia é, com pouca diferença, o mesmo que bruxas em Portugal. Os franceses lhe chamam revevans, que quer dizer tornam a vir. Parece que no vampirismo da Colônia assim o creem, pois vemos da relação, que agora saiu, ensinavam àqueles povos ignorantes a que, quando matassem os espanhóis e portugueses, lhes cortassem a cabeça, porque sem isso tornariam a viver.
Feijó doutamente trata esta matéria na Carta 2.a do Tomo 4º, concluindo que, suposto que Deus algumas vezes permite ao diabo tomar a aparência de um defunto, sempre é repugnante crermos tantas patranhas quantas são as que aquelas nações contam do vampirismo, sem embargo, que se acham autorizadas com tão solenes atos de seu exame; e que só se pode tolerar ser certo que houvesse alguns vampiros; isto é, que o demônio tomasse aquela forma alguma vez. Mas que a multidão deles, que referem aqueles povos, é pura fábula e mera imaginação.
O que se diz dos vampiros, e o que se deve julgar deles, se pode ver na Dissertação do padre Calmet2 sobre as aparições, impressa em Paris no ano de 1746, e no tratado de Monsieur Ranft3, De Masticatione Mortuorum.
Dizem que o famoso território de Touchai abunda em vampiros, e eu digo que ainda são mais as sanguessugas que chupam o seu delicioso licor, que também é sangue de Cristo.
Fonte: Raridades da Natureza, Oficina Patriarcal de Francisco Luiz Amado, 1759, Lisboa, páginas 498/503.
Notas:
1 O autor grifa vampires.
2Antoine Agustín Calmet (1672 – 1757), frade beneditino francês, autor da célebre obra “Dissertações sobre as Aparições de Anjos, de Demônios e de Espíritos, e sobre os Mortos-vivos ou Vampiros da Hungria, da Boêmia, da Morávia e da Silésia”.
3Michael Ranft (1700 – 1774), pastor luterano, escritor e historiador alemão, conhecido por seus escritos sobre vampiros na Alemanha.
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