O RETRATO OVAL - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe
O RETRATO OVAL
Edgar Allan Pöe
(1809 – 1849)
O castelo onde o meu criado achara por bem
penetrar à força, em vez de me condenar, deploravelmente ferido como eu estava,
a passar uma noite ao relento, era uma dessas construções, misto de grandeza e
de melancolia, que por longo tempo ergueram a sua fronte orgulhosa no meio dos
Apeninos, tanto na realidade como na imaginação da Sra. Radcliffe. Segundo toda
a aparência, tinha sido temporária e recentemente abandonado.
Instalamo-nos numa das dependências menos
amplas e menos suntuosamente mobiladas, situada numa torre afastada do
edifício. A sua decoração era rica, mas antiquada e em ruínas. As paredes,
ornamentadas com numerosos troféus heráldicos de todas as formas, eram cobertas
de tapeçarias, assim como de uma coleção prodigiosa de pinturas modernas, de
grande estilo, em ricas molduras de ouro ao gosto arabesco.
Tomei profundo interesse — talvez fosse o
meu delírio a causa disso — por esses quadros, suspensos não só nas principais
paredes, mas também nos inúmeros recantos que a extravagante arquitetura do
castelo tornava inevitáveis. E de tal modo que mandei Peter fechar as pesadas
portas das janelas do aposento — pois era já noite —, acender um grande
candelabro de vários braços, colocado junto da minha cabeceira, e abrir de par
em par os reposteiros de veludo preto, guarnecidos de franjas, que cercavam o
leito. Dei estas ordens para que, ao menos, no caso de eu não poder dormir, me
deleitasse alternadamente com a contemplação dessas pinturas e com a leitura de
um pequeno volume que encontrara sobre o travesseiro e que continha a descrição
e a análise dos quadros.
Li durante muito tempo, muito tempo. Contemplei
religiosamente, devotamente. As horas consumiam-se, rápidas e gloriosas, e
chegou a profunda meia-noite. A posição do candelabro não me agradava; por
isso, estendendo a mão com dificuldade, para não incomodar o meu criado que
repousava, coloquei o objeto de maneira que fizesse incidir os seus raios
plenamente sobre o livro.
Mas o efeito produzido foi absolutamente
inesperado. Os raios de luz das numerosas velas (porque eram muitas) caíram
então sobre um recanto do quarto que até aí uma das colunas do leito mergulhara
em sombra densa. Vi à luz viva uma pintura que, a princípio, me tinha passado
despercebida. Era o retrato de uma jovem já amadurecida, quase mulher. Deitei
ao quadro um olhar rápido e fechei os olhos. Por quê? Ao princípio eu próprio
não soube por quê. Mas, enquanto mantinha as pálpebras fechadas, analisei
rapidamente a causa que me obrigara a fechá-las assim. Fora um movimento
voluntário para ganhar tempo e para pensar — para me certificar de que a vista
não me enganara, para acalmar e preparar o espírito para uma contemplação mais
a frio e mais segura. Ao fim de alguns instantes, olhei de novo fixamente para
o quadro.
Não podia duvidar, mesmo que quisesse, de
que via então com toda a nitidez, pois o primeiro fulgor do candelabro sobre
aquela tela dissipara o espanto e o devaneio de que os meus sentidos estavam
possuídos, e chamara-me num instante à vida real.
O retrato, como já disse, era o de uma
jovem mulher. Era simplesmente uma cabeça, com as espáduas, tudo naquele estilo
que se chama, em linguagem técnica, estilo de vinheta, bastante à maneira de
Sully nas suas cabeças prediletas. Os braços, o seio e até a extremidade dos
cabelos radiosos fundiam-se imperceptivelmente na sombra vaga, mas profunda,
que dava contraste ao conjunto. O caixilho era oval, magnificamente dourado e
lavrado em metal, ao gosto mourisco. Como obra de arte, não se podia encontrar
nada mais digno de admiração do que a própria pintura. Mas é possível que não
fosse nem a execução da obra nem a imortal beleza da fisionomia o que tão de
súbito e tão fortemente me impressionou. Ainda menos devo acreditar que a minha
imaginação, saída de uma meia sonolência, tivesse tomado a cabeça pela de uma
pessoa viva. Antes de mais compreendi que os pormenores do desenho, o estilo de
vinheta e o aspeto da moldura teriam imediatamente dissipado tal sortilégio e
me preservariam de qualquer ilusão por momentânea que fosse. Enquanto fazia e
aprofundava estas reflexões, conservei-me meio estendido, meio sentado, uma
hora inteira talvez, com os olhos pregados naquele retrato. Por fim, depois de
ter descoberto o verdadeiro segredo do efeito que ele produzia, deixei-me cair
de novo no leito. Adivinhara que o encanto da pintura residia numa expressão
vital absolutamente adequada à própria vida, que a princípio me fizera
estremecer e, finalmente, me deixara confuso, subjugado, amedrontado. Com
profundo e respeitoso terror, tornei a pôr o candelabro na sua posição
primitiva. Depois de ter assim furtado aos meus olhos a causa de tão grande
perturbação, procurei vivamente o livro que continha a análise dos quadros e a
sua história. Indo direito ao número que designava o retrato oval, li o vago e
singular relato que se segue:
“Era uma jovem de raríssima beleza e não menos gentil que alegre. Maldita foi a hora em que ela viu, amou e desposou o pintor. Este, apaixonado, estudioso, austero, já tinha encontrado esposa na sua Arte; ela, jovem de rara beleza e não menos gentil que alegre, toda luz e sorrisos, com o feitio folgazão duma corça nova, amando com ternura todas as coisas e odiando apenas a Arte, que era sua rival, só temia a paleta e os pincéis, e os outros instrumentos que a privavam da presença do seu bem-amado. Terrível coisa foi para a dama ouvir o pintor exteriorizar o desejo de pintar também a sua jovem esposa. Mas ela, humilde e obediente, posou durante longas semanas, na sombria e alta câmara da torre, onde a luz se filtrava unicamente pelo teto e incidia sobre a desmaiada tela. Ele, porém, o pintor, punha toda a sua glória naquela obra, que progredia de hora para hora. Era um homem apaixonado, estranho, meditabundo, perdido em devaneios. E de tal maneira que não queria ver como a luz que tão lugubremente caía naquela torre isolada ressequia a saúde e o espírito de sua mulher, que definhava visivelmente para toda a gente, menos para ele. E ela sorria sempre, sempre, sem se queixar, pois via que o pintor — de tão grande renome — sentia vivo e ardente prazer na sua tarefa, e trabalhava noite e dia para pintar aquela que tão ternamente amava — mas que enlanguescia, cada vez mais, de dia para dia. E, na verdade, aqueles que contemplavam o retrato falavam em voz baixa da semelhança, como de extrema maravilha, como de uma prova do talento do pintor, não menor que o seu amor profundo por aquela que ele tão miraculosamente pintava.
Um dia, contudo, quando a tarefa estava no
fim, ninguém mais foi admitido na torre. O pintor enlouquecera com o ardor que
punha no seu trabalho e raramente desviava o olhar da tela, mesmo para
contemplar o rosto da mulher. Ele não queria ver que as cores que espalhava na
tela eram tiradas das faces daquela que estava junto de si. E quando muitas
semanas já se tinham passado e muito pouco restava para fazer, nada mais que um
retoque na boca e uns laivos nos olhos, o espírito da retratada ainda palpitou
como a chama viva de uma lâmpada. Foi, então, feito o retoque e postos os
laivos; e, por momentos, o pintor quedou-se em êxtase diante do trabalho
concluído. Mas, um minuto depois, ainda a contemplá-lo, ele estremeceu e,
tomado de assombro, gritou com voz estrepitosa: ‘Mas é a própria Vida’. E, então, bruscamente, voltou-se para contemplar
a sua bem-amada: — Estava morta!”
Conto
traduzido por autor desconhecido, entre o final do séc. XIX e início do séc.
XX. Fizemos brevíssimas adaptações textuais.
um conto de terror bem enteresante :3
ResponderExcluirEU GOSTEI MUITO DESSE CONTO E QUEM GOSTOU COMENTA AI
ExcluirEU TAMBÉM GOSTEI MUITO...
ExcluirMuito bom msm
ExcluirTop
ExcluirConto de terror legalll
ResponderExcluirverdade
ExcluirQual o nome do personagem?
ResponderExcluirVocê se refere ao homem perdido que chega, com o seu criado, ao castelo? Se for este, ele não é nominado pelo autor.
Excluiro nome do criado é Pedro, grafado assim mesmo "Pedro" na versão original. Interessante notar que o "Retrato de Dorian Gray" do Wilde tem a mesma ideia central do conto do Poe.Dizem que o Wilde se inspirou neste conto.
ExcluirObrigado, Roge!!!
ExcluirQual o climax desse conto
ResponderExcluirLer Edgar Allan Poe é sempre um prazer que que se renova. O final é sempre inesperado!
ResponderExcluirele matou ela?
ResponderExcluirnão entendi bem '-'
bem, lê de novo
ExcluirGostei muito do conto
ResponderExcluirmuito bom cara
ResponderExcluirGostei ,legal ,hom ♥️
ResponderExcluirBom♥️🖤🤭🚽
ResponderExcluirmuito bom
ExcluirSer fã do Edgar é uma maravilha
ResponderExcluirbom de mais
ResponderExcluirE uma droga tive que cópia isso na aula de português
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