GÉLIDAS MÃOS - Conto de Terror - Luiz Raimundo
GÉLIDAS MÃOS
Luiz
Raimundo
A
lua cheia iniciava sua trajetória firmamento acima e sua luz chamava a atenção
dos circundantes. Vez por outra uma nuvem densa e negra cobria-lhe o brilho,
dando-lhe um aspecto lúgubre e assustador. Junto ao portão, bem mais alto do
que ela gostaria, Marilu o escalava para ganhar a rua e seguir seu caminho. Com
muito custo transpôs a barreira que lhe impedia a jornada. Ao pular para o lado de
fora, deixou um pedaço do seu
longo vestido verde com estampas floridas preso numa ponta de arame. A blusa de
cetim azul turquesa estava toda suja e desalinhada no corpo. Nas suas longas
mãos de pianista, algumas unhas quebradas e outras trazendo debaixo pequenos
tufos de terra marrom e úmida. Seu rosto, lívido com uma cera, trazia traços de
terra, como uma maquiagem sinistra.
Com
os pés descalços, tinha dificuldade para caminhar rua abaixo, e a fraca
iluminação era mais um complicador. Descia lentamente e com o olhar fixo no
chão, pois o farol dos carros, que eventualmente subiam, lhe ofuscava a visão.
Nas
proximidades da Escola Municipal e da Câmara, o movimento de pessoas era maior. E aqueles que deparavam com a
estranha figura afastavam-se assustadas. Ao atravessar a ponte da Barrinha
causou ainda mais espanto, fazendo com que os pedestres, que vinham no sentido
contrário, ou voltassem apavorados ou mudassem de lado, com passo apressado, para se
esquivar daquele ser estranho.
Subiu
a avenida Caetano Marinho parecendo um personagem do seriado de TV “The
Walking Dead”, deixando atrás de si um forte cheiro de flores. Quanto melhor
a luz da rua, mais se acentuava o seu aspecto tenebroso. Ao se aproximar da
Casa de Chopp, não foi diferente: as pessoas das mesas se levantavam apavoradas
e debandavam aturdidas, tombando cadeiras e derrubando copos, o mesmo
acontecendo próximo ao Garfield´s...
Marilu,
de olhos fixos na rua, não entendia nada, não compreendia o comportamento das
pessoas, muitas delas suas conhecidas de longa data. Mas seguia o seu caminho,
percebendo pessoas que se ajoelhavam com as mãos no rosto e rezavam em voz alta
o Credo; outras simplesmente paravam embasbacadas, petrificadas...
Ao
chegar à porta de sua casa, bateu duas vezes, e mais duas, até a que a porta se abriu. Sua
mãe, Leonice, eriçou os cabelos, não disse nada, e desmaiou, estatelando-se no
piso da sala. Maricler, sua irmã, saindo do quarto e deparando com aquela
assustadora imagem, soltou um grito excruciante e também foi ao chão. Seu pai,
assustado com grito de Maricler, vindo da cozinha, encontrou a moça parada no
meio da sala. Sua boca se abriu, seus olhos arregalaram e não conseguiu dizer
uma palavra sequer...
Dos
fundos olhos azuis duas lagrimas rolaram, marcando sua trajetória no rosto sujo
de Marilu. Com uma voz fraca e sentida, perguntou: “O que está acontecendo,
papai? Por que as pessoas estão agindo assim? Até você, meu pai, fica aí a me
olhar sem dizer nada!”
Olhou para o lado e deixou seu corpo cair sobre o sofá da
sala, cerrou os olhos, e adormeceu cansada.
O
pai, se recompondo, com um soluço sentido, ajoelhou-se ao lado da filha, tomou
nas suas as mãos gélidas de Marilu, e rezou baixinho. Como poderia estar ali a
sua filha, cujo sepultamento se dera há três dias, como? ...
Enquanto
isso, no Cemitério Mirante da Paz, uma sepultura jazia, inexplicavelmente,
aberta e sem um corpo...
Mineiro
de Jequeri, Luiz
Raimundo de Oliveira, há muito radicado na vizinha Ponte
Nova, é advogado, jornalista, divulgador cultural e escritor. Foi diretor da
Faculdade de Ciências Humanas do Vale do Piranga e Secretário Municipal de
Cultura da cidade que adotou. Publicou “Páginas de Prosa” (2007) e Reencarnação
(2009). Tem preparada uma nova antologia de contos e crônicas —“Vagalume” —, em vias de publicação.
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