A HISTÓRIA DE UM HOMEM SUPERSTICIOSO - Conto Clássico de Terror - Thomas Hardy
A HISTÓRIA DE UM HOMEM SUPERSTICIOSO
Thomas Hardy (1840-1928)
As circunstâncias misteriosas do falecimento
William Privett estão associadas a uma das velhas superstições rurícolas
inglesas - o prenúncio da morte de alguém por indícios ou aparições
sobrenaturais -, e são narradas por Thomas Hardy, autor do clássico
"Judas, o Obscuro".
— Houve algo de muito estranho na morte
de William. Deveras, muito estranho — suspirou com melancolia o homem na parte
de trás do vagão. Era o pai do granjeiro, que até agora havia guardado
silêncio.
— O que pode
haver sido? —perguntou o Sr. Lackland.
— William,
como muitos sabem, era um homem singular, calado. Era possível senti-lo quando
estava próximo. E se estava em casa ou em outro lugar qualquer, próximo a
alguém, algo úmido adensava o ar, como se a porta do porão estivesse aberta de
lado a lado. Bem, era domingo. William estava aparentemente em bom estado de
saúde. O sino chamava os paroquianos à igreja para o primeiro ofício. O
sacristão disse que havia anos não sentia em suas mãos o sino tão pesado e que
ele temia que isso significasse uma morte na paróquia. Era domingo, como disse.
Na semana anterior, numa noite, a senhora de William estivera até tarde
passando roupas, já que havia lavado para o Sr. e para a Sra. Hardcome. O
marido havia terminado o jantar e ido para cama, como de costume, há uma ou
duas horas. Enquanto passava roupas, ela o ouviu descendo a escada. Ele parou
para calçar as botas, que estavam ao pé da escada, onde sempre as deixava, e depois
passou pela sala de estar — onde ela continuava trabalhando —, em direção à
porta. Esta era a única maneira de passar da escada ao exterior da casa. Nenhum
dos dois disse qualquer palavra. William não era homem de falar muito e a
mulher estava ocupada com a sua tarefa. Ela não fez caso disso, achando que o
marido havia saído para fumar o cachimbo ou para uma breve caminhada noturna.
Assim, continuou passando roupas. Pouco depois, concluiu seu trabalho e, dado
que seu marido não regressara ainda, o esperou por um tempo, enquanto guardava
a tábua e outras coisas, e deixava pronta a mesa para o desjejum matinal. O marido demorava a voltar, mas supondo que
ele logo voltaria, ela decidiu deitar-se, cansada que estava. Deixando a porta
sem chave, seguiu em direção à escada, depois de escrever com giz na porta:
“Lembre-se de fechar a porta” (já que ele era um homem muito esquecido).
Para a sua
grande surpresa — e, digamos, alarme —, ao chegar ao pé da escada, deu-se conta
de que as botas de seu marido continuavam ali, onde ele as havia deixado quando
subiu para descansar. Tendo subido e chegado ao dormitório, ela encontrou o
marido na cama, dormindo como uma pedra. Como poderia ter ele voltado sem que
ela não o visse ou escutasse, isto estava além de sua compreensão. Ele deve ter
passado, silenciosamente, por suas costas, enquanto guardava a tábua de passar
roupas. Mas este pensamento não a deixou satisfeita. Era de todo impossível que
ela não o percebesse entrar em uma sala de estar tão pequena. Ela não pôde desenredar
este mistério, e isto a perturbava. Todavia, decidiu não incomodar o marido
para inquiri-lo, e se deitou de vez.
No dia
seguinte, ele se levantou bem mais cedo do que ela e saiu tranquilamente para
trabalhar. Portanto, a mulher aguardou o seu retorno para o almoço com grande
ansiedade para ouvir a explicação. Meditar sobre o assunto durante toda a manhã
a havia deixado ainda mais sobressaltada.
Quando chegou para comer, ele disse, antes que ela pudesse perguntar
qualquer coisa: “Qual é o significado destas palavras escritas com giz na
porta?”. Ela lhe contou tudo e lhe perguntou sobre a noite anterior. William
declarou que jamais saíra da cama depois de deitar-se, tendo tirado a roupa,
deitado e dormido quase instantaneamente, somente se levantando quando o
relógio bateu as cinco. Então, partiu para o trabalho.
Betty Privett
estava tão segura de que ele havia saído quanto de sua própria existência, e
quase certa de que ele não havia retornado. Não gostava de discutir com ele;
assim, deixou o assunto como se um equívoco de sua parte. Quando caminhava,
mais tarde, por Longpuddle Street, encontrou-se com Nany, filha de Jim Weedle.
Disse:
— Bem, Nancy,
vejo que está sonolenta hoje!
— Sim, Mrs.
Privett — disse Nancy. — Não conte a ninguém, mas ontem, como era a Véspera de
Verão, alguns de nós fomos ao pórtico da igreja e só voltamos para casa por
volta de uma hora da madrugada.
— Como? —
disse Mrs. Privett. — Foi ontem? Deus, não me recordava. Tive muito trabalho.
Não posso me lembrar de quando é Véspera de Verão ou quando é Festa de São
Miguel. Sempre tenho muito que fazer.
— Sim, e nós
nos assustamos bastante com o que vimos.
— O que vocês
viram?
— Vocês
certamente não se lembrarão, tendo ido para outros lugares ainda tão jovens,
mas por aqui se crê que, na Véspera do Verão, as formas pálidas de todas as
pessoas da paróquia que estão próximas da morte num prazo de um ano podem ser
vistas entrando na igreja. Os que conseguem vencer a doença ou enfermidade saem
depois de um momento; os que estão condenados a morrer, não voltam a sair.
— E o que foi
que você viu? — perguntou novamente a mulher de William.
— Bem —
começou Nancy, retrocedendo —, não preciso dizer o que vimos ou a quem vimos.
— Você viu o
meu marido — disse Betty Privett, serenamente.
— Bem, já que
você falou — disse Nancy, lentamente —, creio que nós o vimos. Mas estava muito
escuro e estávamos assustados, e certamente pode não ter sido ele.
— Nancy, não
precisa continuar. Ele nunca saiu da igreja: eu sei tão bem quanto você.
Nancy não
disse nem sim nem não àquela firme declaração e se calou. Mas três dias depois,
William Privett estava ceifando com John Chiles os campos de Mr. Hardcome. No
calor do dia, os homens sentaram-se para comer alguma coisa sob uma árvore,
esvaziando uma garrafa de vinho. Depois, ficaram sentados, a dormir. John
Chiles foi o primeiro a acordar, e quando olhou o companheiro de trabalho, viu
um desses grandes e brancos seres que nós chamamos — por assim dizer —
mariposas de moinho, que saiu da boca aberta de William enquanto dormia e
ganhou distância, voando. John achou que isto era muito estranho, já que
William estivera trabalhando num moinho durante vários anos. Depois olhou o céu
e percebeu, pelo andar do Sol, que eles haviam dormido por um longo tempo e,
como William não acordava, John o chamou e disse que era hora de voltar ao
trabalho. Seu amigo permanecia imóvel, e quando John o tocou, percebeu que ele
estava morto.
Mas vejam:
neste mesmo dia, o velho Hookhorn desceu ao Longpuddle para buscar um cântaro
de água. E, quando regressou, a que pessoa disse haver visto descendo o arroio
pela outra margem, senão William, que estava muito pálido e envelhecido? Isto
surpreendeu sobremaneira Philip Hookhorn, já que fazia vários anos que o
pequeno filho de William — seu único filho — havia se afogado enquanto brincava
nesse mesmo lugar... E isto havia atacado o bom juízo de William, eis que nunca
mais foi visto próximo do Longpuddle depois desse fato, e todos sabiam que ele
tomava um caminho que lhe custava meia milha a mais para evitar esse local.
Mais tarde, disse-se que William não poderia ter estado no arroio, já
que se encontrava, nesse momento, a duas milhas de distância; isto sem
contar o fato de que faleceu no mesmo momento em que foi visto.
— Uma
história melancólica — observou o homem, depois de um minuto de silencio.
— Sim, sim.
Bem, a vida tem bons e maus momentos — disse o pai do granjeiro.
Versão em
português de Paulo Soriano.
Ilustração de Charles Green.
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