DEIXA OS MORTOS EM PAZ - Conto Clássico de Terror - Ernst Raupach
DEIXA OS MORTOS EM PAZ
Ernst
Raupach
(1784-1852)
Walter
suspirava dolorosamente pelo falecimento de sua amada esposa Brunilda. Era
meia-noite e ele estava junto ao túmulo, no momento em que o espírito que urra
nas tempestades lança suas malditas legiões de monstros. Lamenta-se todas as
noites junto à cripta, sob as árvores geladas, apoiando a cabeça na lápide de
sua esposa.
Walter
era um poderoso cavaleiro da Burgúndia. Havia-se casado com Brunilda em sua juventude,
quando os dois se amavam loucamente, mas a morte a arrebatou de seus braços.
Ele ainda sofria, apesar de estar novamente casado com uma linda mulher chamada
Swanhilde, que era o oposto de sua mulher: dama loira, de olhos verdes e de
faces rosadas, e que lhe legara um filho homem e uma menina.
Walter
não encontrava descanso: ainda amava Brunilda e desejava com toda a alma tê-la junto
a si. Ele constantemente comparava sua esposa viva com a morta. Swanhilde notou
a mudança no marido e se desesperava para cumprir a sua vontade. Mas nada
adiantava, já que a obsessão de Walter era ter Brunilda novamente, e essa ideia
fixa, constante, apoderara-se de sua alma. Toda noite, visitava ele o túmulo de
sua linda esposa e perguntava, com tristeza:
—
Irás dormir eternamente?
Lá
estava Walter, estendido sobre o túmulo.
Soava
meia-noite quando um feiticeiro das montanhas entrou no cemitério para colher
as ervas que só crescem nas sepulturas e que são dotadas de um terrível poder. Aproximou-se
daquele sepulcro em que Walter chorava e perguntou:
—
Por que, infeliz, estás atormentado assim? Não te deves atormentar pelos
mortos, pois também morrerás um dia. Quando tu choras por eles, não os deixa
descansar.
—
O amor é a maior força do universo e eu amei aquela que aqui agora apodrece.
Quisera que ela voltasse para mim — respondeu Walter, com pesar e loucura.
—
Acreditas que irás despertá-la com teus lamentos? Não vês que estás a
perturbar-lhe o repouso?
—
Vai-te daqui, ancião! Tu não conheces o amor! Se eu pudesse abrir a terra com
minhas mãos e trazer minha querida Brunilda de volta à vida, eu o faria a
qualquer preço! — Walter gritou.
—
Ignorante! Não sabes o que dizes. Tu estremecerias de horror ante a
ressuscitada. Não sabes que o tempo degrada os corpos? Teu amor se converteria
em ódio.
—Antes
caíssem as estrelas do firmamento. Eu arrebentaria meus músculos e ossos se ela
ressuscitasse. Jamais poderia odiá-la.
—Tu
falas com o coração aquecido e a cabeça fervente. Não te quero desafiar a devolvê-la:
logo verias que eu não estou mentindo — disse o velho.
—Ressuscitá-la?
— Walter gritou, jogando-se aos pés do mago. — Se és capaz de tal maravilha,
faça-o! Faça-o por essas lágrimas, pelo amor que quase não vive mais sobre a
Terra. Farias a melhor obra de bem em tua vida.
—Calma!
Se decidires que assim há de ser, volta à meia-noite. Mas eu te aviso: deixa os mortos em paz!
Walter
voltou para casa, mas não pôde conciliar o sono. No dia seguinte, em plena
meia-noite, esperava o feiticeiro junto à sepultura.
—
Meditaste sobre o que eu te disse? — perguntou ancião.
—
Sim, eu pensei sobre isso. Devolve-me a dona de meu coração, eu imploro. Poderei
morrer esta noite se não cumprires a tua promessa.
—
Bem — disse o velho —, continua meditando e volta aqui amanhã à meia-noite. Eu
te darei o que pedes, mas lembra-te: deixa
os mortos em paz!
Na
noite seguinte, o feiticeiro apareceu e disse:
—
Espero que tenhas pensado bem sobre a situação. Devolver uma pessoa morta à
vida não é uma brincadeira. Será a última vez que te digo: deixa os mortos em paz!
—
Chega! Minha amada não terá paz nessa cova gelada. Tens que devolvê-la para mim.
Assim me prometeste! — Walter gritou cheio de ansiedade.
—Lembra-te:
não poderás separar-te dela até a morte, mesmo que a repugnância e o ódio se
apoderem de teu coração! Só haveria um meio assustador de alcançá-lo, mas não
creio que tu queiras ouvir falar disto.
—
Velho tolo, devolve-me Brunhilda! Como eu poderia odiar o que eu mais amava? —
Walter uivou desesperadamente.
—Está
bem. Já que assim queres, assim será! Afasta-te!
O
feiticeiro fez um círculo ao redor do túmulo e uma tempestade eclodiu. Levantou
os braços para o céu e começou a gritar frases em uma língua que não era humana.
As corujas começaram a voar das árvores. As estrelas se ocultaram atrás das
nuvens. A lápide que cobria o túmulo começou a se mover e alcançou a superfície.
No buraco, o velho atitou várias ervas, enquanto continuava a murmurar com os
olhos vazios. Um vento rápido e gelado emergiu do sepulcro ao mesmo tempo em
que centenas de vermes escalavam a terra. De repente, as nuvens se abriram e a
lua banhou a sepultura vazia. Sobre ela, o feiticeiro derramou sangue fresco
contido em uma caveira e exclamou:
—Bebe,
tu que dormes, esse sangue quente para que o teu coração possa bater novamente.
Como
um vulcão em erupção, Brunilda se levantou, empurrada por uma força invisível
da noite eterna em que foi enterrada. Tinha os cabelos negros como a
tempestade, olhos azuis e uma pele muito branca. O velho feiticeiro a tomou
pelas mãos e a conduziu a Walter.
—Recebe
de volta a tua amada! Espero que nunca voltes a precisar de minha ajuda! Mas,
caso precises, me encontrarás nas noites de lua cheia nas montanhas, onde os caminhos
se cruzam.
Dizendo
isto, afastou-se a passo lento.
—Walter
—exclamou Brunilda—, leva-me logo ao castelo nas montanhas!
Walter
saltou sobre o cavalo e, tomando a sua amada, galopou em direção às montanhas
solitárias, onde tinha m castelo oculto. Ali havia vivido com Brunilda. Só o
velho criado os viu chegar. Foi ameaçado de imediato pelo patrão, o qual lhe
ordenou guardar silêncio.
—Aqui
ficaremos bem —dsse Brunilda—, até que meus olhos possam ver a luz novamente.
Enquanto
residiam no castelo, os poucos criados ignoravam por completo que sua antiga
ama houvesse ressuscitado. Só o velho serviçal sabia a verdade e era quem lhes levava
água e comida. Nos primeiros sete dias, viveram à luz das velas, com todas as
cortinas cerradas. Nos sete seguintes, abriram as janelas mais altas, de modo
que só entrava a tênue claridade do amanhecer ou do anoitecer. Walter nunca se
apartava de sua querida Brunilda. Não obstante, sentia um calafrio que o
impedia de tocá-la, cuja origem desconhecia. Tão grande, todavia, era o seu amor,
que não se importava com isto. Estava certo de que assim era melhor que
outrora. A sua esposa ainda era mais bela do que quando estava viva pela
primeira vez, sua voz era mais doce, as suas palavras fluíam com emoção e toda
ela o fascinava até a loucura.
Brunilda
constantemente falava dos amores que tiveram no passado, fazendo a Walter
emocionantes promessas que prontamente se realizariam: seu amor seria o mais
profundo amor que o mundo já conhecera. Assim, embriagava seu amado de esperanças
para o futuro. Somente quando falava do afeto que sentia por ele deixava que
transparecesse o aspecto terreno das coisas; amiúde, discorria sem cessar sobre
assuntos espirituais, eternos e proféticos.
Todos
os dias dormiam juntos. Walter sentia a necessidade de abraçar a sua esposa, a
ela unir-se em carne como antigamente, mas Brunilda se afastava bruscamente da
cama e lhe explicava:
—Não
querido, assim não! Como poderia eu, que regressei da morte para estar contigo,
ser tua amante enquanto tens uma torpe mulher, que se faz chamar por tua
esposa?
Walter
havia enlouquecido e estava disposto a tudo. Um dia, arrebatado pela paixão,
abandonou o castelo e cavalgou furiosamente por entre os bosques e as
montanhas, até que chegou a sua casa, onde sua esposa Swanhilde e os seus
filhos o receberam com carinhos e lindas palavras. Mas nada pôde acalmá-lo nem
reprimir a sua cólera. Disse à sua esposa que o melhor era que se separassem,
para que cada um ponderasse as coisas com calma e constatasse se havia
realmente amor recíproco ou não. Swanhilde, cheia de compreensão, concordou.
No
dia seguinte, Walter havia obtido a escritura de separação, cujos termos diziam
que a mulher deveria regressar à casa de sus pais. As crianças ficariam no
castelo. Então, Swanhilde lhe disse:
—
Suspeito que me deixas pelo amor de Brunilda, de quem não podes esquecer. Eu te
vi ir ao cemitério e rondar o seu sepulcro. Não me digas, Walter, que ousaste
juntar os mortos com os vivos. Isto causaria a tua destruição!
Walter
rememorou que fora aquilo mesmo o que lhe havia sentenciado o feiticeiro, mas
não o percebera. Fez redecorar o palácio ao gosto de sua nova dona. A
ressuscitada ingressou pela segunda vez em sua mansão como esposa. Walter disse
a todos os criados do palácio que era uma nova noiva que trouxera de terras
distantes, mas os moradores do castelo notavam a estranha semelhança que havia
entre a senhora e a sua antiga ama Brunilda. Suas almas se encheram de
assombro, pois esperavam o pior e, entre os serviçais, corria o rumor de que
seu amo havia exumado a antiga esposa de sua tumba e com poderes mágicos a
fizera viver novamente.
A
nova senhora nunca usava outro vestido que não fosse a sua túnica cinza pálida;
nunca usava joias de ouro, como as outras grandes damas, mas turvos adornos de
prata — à guisa de cinturão — e brincos; pérolas opacas cobriam o seu peito. Brunilda
só saía ao anoitecer, e tratava com severidade todos os criados que a rodeavam.
Era uma mulher cruel, que castigava sem pretexto e por prazer. Tinha o poder de
vida e morte sobre todos.
Outrora,
o castelo estava repleto de alegria. Agora, porém, seus moradores tinham a face
emaciada pelo medo. Estremeciam cada vez que cruzavam com Brunilda. Muitos
criados caíram enfermos e morreram. Os que a miravam nos olhos se convertiam em
escravos de seus caprichos. A maioria tentou fugir do castelo. Somente alguns poucos
eram poupados, os idosos.
Os
poderes que o feiticeiro conferira a Brunilda com o alimento humano recompuseram
o seu corpo putrefeito. Apenas uma mágica bebida podia conservá-la com vida,
uma maldita opção: sangue humano, bebido ainda quente de veias jovens.
Brunilda
já nutria o desejo de beber o sangue de Walter, mas teria de esperar a noite de
lua cheia. Uma tarde, repleta de ansiedade, vagava pelo bosque e se encontrou
com um pequerrucho de faces rosadas. Com carícias e presentes, atraiu a criança
e a levou a um sítio distante da vista humana para sugar o sangue de seu peito.
Depois desta atitude hedionda, ninguém mais permaneceu a salvo de seus ataques.
Todo humano que se aproximava dela era narcotizado com a fragrância de seu
hálito. Crianças, jovens e donzelas murchavam como flores. Os pais ficaram
aterrorizados diante daquela praga que arruinava a vida de seus filhos.
Logo
começaram a circular rumores. Acreditavam que era ela a causadora da peste
mortífera, mas nas vítimas não havia indício algum que a incriminasse, e
ninguém a tinha visto produzindo aquelas aberrações. Veio, então, o remédio
radical: os pais abandonaram a vila, deixando as suas casas vazias e as terras
incultas. O castelo ficou desolado e a vila também: somente permaneciam os
anciãos decrépitos e suas esposas.
Somente
Walter não via a morte a seu redor. Estava entregue à sua paixão, acima de
todas as coisas, por Brunilda, que o amava com uma ternura que nunca antes
havia demonstrado. Até agora não havia precisado de seu sangue. Mas ela não
deixava de notar, com pesar, que suas fontes de vida agora se esgotavam. Logo
já não mais haveria sangue fresco e jovem, salvo o de Walter e seus filhos. Ao
regressar ao castelo, Brunilda sentira aversão pelas crianças — porque gerados
por uma estranha — e os relegara aos cuidados de uma velha serviçal. Mas a
necessidade logo fez com que conquistasse o amor dos infantes. Deixava-os
dormir em seu peito; contava-lhes histórias, brincava com eles e os fazia
dormir com o olhar e o hálito.
Lentamente
ia extraindo das crianças o fluxo vital que a mantinha bela e viva. Pouco a
pouco, as forças dos pequenos iam desaparecendo, seus risos alegres haviam-se transformado
em sorrisos débeis. As amas estavam preocupadas e temiam que todos os rumores
fossem verdade. Não se atreviam a dizer nada ao patrão. O filho homem morreu
primeiro. Depois, sua irmãzinha o acompanhou à sepultura. Walter se encheu de
pesar pela morte de seus filhos, e a sua tristeza irritou extremamente
Brunilda, que o repreendia, dizendo:
—Por
que se lamentar tanto? Seguramente, tu te recordas da mãe das crianças. Ou já
estás farto de mim? — dizia-lhe a bela mulher, com os olhos injetados de ódio.
Walter
era um escravo. Perdoou as ofensas de sua esposa e lhe pediu desculpas. Logo
voltavam a viver a loucura do amor da morte. Contudo, somente ele restara para
saciar a sede daquela besta infernal. As criadas eram demasiadamente velhas e o
seu sangue não lhe servia aos propósitos. Brunilda sabia disto, mas não se
importava. Sabia que, morto Walter, conquistaria outros homens e iria a novas
vilas em busca de sangue jovem.
À
noite, enquanto Walter dormia profundamente, ela mergulhava os caninos em seu
peito. Walter ressentia-se da falta de sangue e saía para longos passeios nas
montanhas procurando recompor a sua saúde. Atribuía aquela debilidade à falta
de alimentação. De nada suspeitava. Um dia, estava caído à sombra de uma árvore
e um pássaro estranho passou voando, deixando cair uma raiz seca, rosácea, a
seus pés. Tinha um aroma delicioso e irresistível. Mastigou-a. Sentindo que sua
boca se enchia de amargo fel, lançou fora a raiz que poderia tê-lo salvado do
feitiço em que o mergulhara a esposa.
Nesta
mesma tarde, Walter regressou ao castelo. O mágico perfume de Brunilda não
surtiu efeito algum sobre o homem e pela primeira vez em muitos meses dormiu um
sono natural. Começou a sentir uma aguda dor no peito, abriu os olhos e viu a
mais horrenda e aterradora imagem de sua vida: os lábios de Brunilda sugando o
sangue quente que saía de seu peito. Gritou de horror e Brunilda se afastou com
o sangue a escorrer-lhe da boca.
—Demônio!
É assim como me amas? — rugiu Walter.
—
Te amo como amam os mortos — respondeu, com frieza, a mulher.
—Monstro
sanguinário, agora entendo tudo! Tu mataste os meus filhos! Tu és a peste de
que o povo falava!
—Eu
não os assassinei. Tive que sacrificar suas vidas para satisfazer teus prazeres.
És tu o assassino! — gritou Brunilda com os olhos gelados.
As
sombras ameaçadoras de todos os mortos foram convocadas ante os olhos de Walter
pelas terríveis e verdadeiras palavras de Brunilda.
—
Querias amar uma morta, deitar-te com ela. Que esperavas?
—Maldita!
— gritou e correu para fora do quarto enquanto se maldizia.
Ao
amanhecer, Walter despertou nos braços de Brunilda. Uma longa cabeleira negra
envolvia seu corpo, a fragrância de seu hálito o condenava ao estupor. Em
seguida, esqueceu-se de tudo e se dedicou ao prazer com a morta em vida. Quando
o efeito do feitiço passou, o terror era dez vezes mais forte. Como era dia,
Brunilda dormia. O homem se refugiou nas montanhas, longe da vampira. Mas era
em vão! Quando acordou, estava nos braços de Brunilda, compreendendo que assim
seria para sempre.
Todavia,
intentava fugir todos os dias, lutando contra a morte. Walter se refugiou em um
dos recantos mais sombrios do bosque, onde a luz nunca chega. Escalou uma rocha
enquanto chovia intensamente, e, no formamento, as nuvens formavam os rostos
das vítimas de sua esposa. Neste instante, a lua emergiu das altas montanhas e
aquela visão lhe trouxe à memória o feiticeiro. Dirigiu-se resoluto ao lugar
onde os caminhos se juntam. Não estava longe. Quando chegou, encontrou o ancião
sentado numa rocha, cheio de paz. Walter gritou, atirando-se ao chão:
—Salva-me,
por piedade, desse monstro que só sabe semear a morte!
—
Compreendes agora o quão era importante a minha advertência de deixar os mortos
descansar? — disse-lhe o ancião.
—Por
que não impuseste aos meus olhos todos os horrores que iriam suceder, todos os
assassínios e a maldades que se estariam desencadeando? — perguntou Walter,
soluçando.
—Por
acaso escutavas algo que não fosse a tua própria voz, tua paixão desmedida?
—
É verdade. Mas agora te peço, pelo que mais prezas, que me ajudes — suplicava
Walter, agonizando.
—
Bem, direi o que deves fazer. É terrível. Somente nas noites de lua cheia um
vampiro dorme um sono humano. Neste momento, perde todos os seus poderes e
nessa noite... deverás matá-la! Empregarás uma afiada estaca que eu mesmo te
darei. Renunciarás para sempre a ela, jurando não voltar a invocar novamente a
sua lembrança, nem mencionar o seu nome. Do contrário, a maldição se repetirá,
está claro? — perguntou o ancião, falando com autoridade.
—
Assim o farei, nobre feiticeiro. Farei tudo o que me disseres para livrar-me
deste monstro. Mas quando será lua cheia?
—
Faltam 15 dias.
—
Oh, impossível! Os poderes da vampira me arrastarão até ela e ela me matará.
—
Eu te esconderei nesta gruta. Aqui ficarás os quinze dias. Neste tempo, terás
teto e comida. Por nenhum motivo deves assomar-te fora daqui. Voltarei na noite
de lua cheia.
Walter
passou o tempo combinado na gruta, sem sair do lugar, pois o imenso temor que
sentia paralisava seus membros. Todas as noites Brunilda aparecia em sonhos,
chamando por seu nome, prometendo-lhe que tudo ia mudar, pedindo-lhe que
voltasse. Desse modo, assombrava-o, mergulhando Walter na loucura. Até que,
enfim, chegou a lua cheia.
O
feiticeiro entrou na caverna iluminado pelo astro e tomou Walter pelo braço.
Caminharam ao castelo no meio da noite. Todas as portas do palácio se abriram
sem que fosse preciso tocá-las, tal era a magia do feiticeiro. Chegaram ao
aposento de Brunilda. Ela dormia, bela, formosa, com um sono leve. Quem poderia
pensar que aquela adorável criatura era um pavoroso vampiro?
Walter
tinha os olhos cheios de amor. Levantou a estaca por sobre a cabeça e,
desferindo um tremendo golpe, mergulhou-a no peito da vampira, atravessando-a
completamente, enquanto gritava:
—
Condeno-te para sempre!
Brunilda
abriu os olhos e lhe disse:
—
Comigo te condenas.
O
homem colocou a mão sobre o peito da mulher, pronunciando o que lhe havia dito
o ancião:
—
Jamais evocarei o teu amor; jamais pronunciarei o teu nome... eu te condeno.
—
Muito bem — disse o feiticeiro —, tudo acabou. Agora devemos devolvê-la ao
lugar que lhe pertence e de onde nunca deveria ter saído. Jamais esqueças de
teu juramento. Não voltarás a me ver — e, dizendo isto, desapareceu, num átimo,
ante os olhos do homem.
A
terrível defunta estava outra vez em sua tumba, mas a sua imagem perseguia
Walter sem descanso, convertendo a sua vida em uma eterna luta. A morta lhe
dizia o tempo todo:
—
Perturbaste o meu sono eterno para assassinar-me?
Walter
deveria sempre responder: “Condeno-te para sempre”. Mas a imagem não se ia e
aquele esconjuro permanecia sempre retido em seus lábios. Vivia afligido pelo
medo de despertar um dia e ver-se nos braços da vampira. Além disto, as imagens
das vítimas de Brunilda se lhe apareciam, gritando-lhe:
—
Comigo te condenas.
O
castelo de Walter estava deserto e em ruínas, como se a guerra e a peste
houvessem passado por ele. Em meio à sua solidão, quis pedir perdão a Swanhilde
e voltar com ela, mas a bela dama sabia que seus filhos haviam morrido e desprezava
o antigo marido com rancor. Assim, Walter, acompanhado somente por um cão,
vagava dia e noite pelos arredores do castelo.
Certa
manhã, viu passar vários corcéis cavalgando. À frente ia uma mulher montada num
cavalo negro. Atrás dela vinham, alegremente, damas e cavalheiros. Walter os
chamou e, depois de saudá-los com cortesia, os convidou a almoçar no castelo.
Com gosto, aceitaram. Parecia que a vida havia retornado ao castelo. Tudo era
júbilo e prazer. Walter insistiu para que ficassem com ele uma semana. Já havia
contratado um exército de criados que atendia a todos os caprichos de cada um
dos convidados, e estes não hesitaram a dizer-lhe que sim. Walter sentia tanta
confiança na mulher do cavalo negro que lhe participara a experiência que
tivera com Brunilda. Ela o consolou com todas as espécies de palavras e frases
de afeto. Assim transcorreram os dias, até que pediu a estranha em casamento.
Ela aceitou imediatamente. Sete dias depois, celebrou-se a boda com uma grande
festa, que durou quatro dias e noites.
O
castelo se viu envolto em um selvagem desenfreio de álcool e luxúria. Parecia
que o demônio em pessoa assistia àquela celebração orgíaca. Quando a deitou
sobre o leito, ela transformou os próprios braços em uma gigantesca serpente.
Com os seus sete anéis, a víbora envolveu o corpo do pobre homem,
triturando-lhe os ossos, enquanto um incêndio deflagrava-se na alcova.
Logo
o castelo ficou em chamas, a torre desmoronou, sepultando sob os seus escombros
o agonizante Walter e, quanto estava ele a ponto de morrer, uma voz estrondeante
gritou:
— Deixa os mortos em paz!
Versão em português, a
partir de uma tradução condensada do espanhol, de Paulo Soriano.
Ha! Ha! Muito bom! Tem ex que é melhor esquecer mesmo. Esse aí aprendeu isso da pior forma possível. O conto tem uma moral no final, mas isso não lhe tira as boas e terríveis imagens que ele invoca. Gostei. :)
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