AS MACABRAS TRAVESSURAS DE UM LOUCO - Narrativa Fúnebre Verídica - Anônimo do Séc. XIX
O
“Corriere della Sera”, de Milão, em sua edição de 19 de março último, publicou
um telegrama de Constantinopla dizendo ser assunto de todas as conversas na
capital do Império Otomano, provocando hilaridade irrepressível, um fato
ocorrido no Hospital Armênio de Taksim, pelo modo extraordinário com se
desenrolou. Se bem que, no fundo, seja tristemente macabro.
No
referido hospital, há uma divisão destinada aos loucos considerados pacíficos,
que não têm acessos violentos e sobre os quais não se exerce vigilância
especial. Esses pobres seres podem, por isso, passear livremente no jardim do
hospital, sem que ninguém com eles preocupe. Há poucos dias, tendo falecido um
enfermo, foi o corpo colocado numa padiola e conduzido à câmara mortuária do
hospital, de onde, no dia seguinte, seria transportado para o cemitério. O
cadáver foi coberto por um lençol, e quatro círios a arder foram colocados aos
lados do féretro.
Aconteceu
que, ao cair da noite, um dos loucos, vagando pelos salões, como de costume,
passou em frente à câmara mortuária.
Movido
pela curiosidade, abriu a porta, entrou e viu que ali se achava um cadáver.
Aproximou-se da padiola e levantou o lençol. Logo uma ideia de louco
atravessou-lhe o cérebro.
Olhou
em torno e viu encostado à parede um grande armário, que servia para guardar desinfetantes,
remédios, telas encarnadas, fios etc.
Então,
retirou da padiola o morto, abriu o armário e lá colocou ereto o cadáver, como
melhor pôde, fechando logo a porta, para que não caísse. Em seguida, deitou-se
na padiola, cobriu-se com o lençol da cabeça aos pés e esperou os
acontecimentos.
Poucos
momentos depois, o velho capelão do hospital, tendo sido avisado de que havia
um morto na câmara, tomou o seu breviário e para lá se dirigiu a fim de rezar a
oração dos mortos. Mal tinha ele começado as suas preces, sentiu que o lençol
se agitava; ergueu os olhos e viu que a cabeça do suposto morto se erguia e
dois olhos ardentes o fitavam. O pobre padre tomou tal susto que caiu fulminado
por uma síncope. O louco puxou novamente o lençol e cobriu a cabeça.
A
esse tempo, dois enfermeiros que por ali passavam, lançando para dentro um
olhar, viram o capelão estendido no chão. Logo correram em seu socorro e,
julgando que se tratava de um simples desmaio, dirigiram-se ao armário a fim de
se munirem de sais e panos, e lhe prestarem os primeiros cuidados. Mas, ao
abrirem o armário, eis que o morto cai pesadamente sobre eles. Lançaram um
grito e voltaram-se, possuídos de terror, para fugirem. Este foi o primeiro
movimento dos dois pobres diabos. Nesse momento, porém, o lençol saltou da
liteira.
Já
impressionados pela vista do cadáver que estava dentro do armário e que sobre
eles se precipitara, os dois enfermeiros, vendo surgir da liteira outro
cadáver, perderam a cabeça e dispararam numa corrida vertiginosa, aos gritos,
seguidos de perto pelo louco, que os acompanhava com igual velocidade.
Tudo
tem um termo. O equívoco foi esclarecido; mas já era tarde, porque o pobre
capelão estava morto e o os dois enfermeiros foram recolhidos ao leito, com
alta febre e delírio, não havendo esperanças de salvá-los. O louco foi
recolhido a uma célula.
Em
toda a cidade de Constantinopla, não se fala de outra coisa, pois dificilmente
se pode encontrar fato semelhante nos anais das aventuras extraordinárias.
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