O AMIGO DEFUNTO - Conto Clássico de Terror - Antonio de Torquemada
O
AMIGO DEFUNTO
Antonio
de Torquemada
(c. 1507 – 1569)
Certo
homem, de grandes qualidades, padecia há muito tempo de uma séria enfermidade,
que lhe causava muito sofrimento.
Aconselhado,
para recobrar a saúde, a visitar os banhos de Cumas, rogou a seus amigos que o
acompanhassem. E, indo juntos, com tudo o quanto era necessário para obter a
cura com os banhos, ali estiveram por alguns dias, nos quais o doente se sentiu
ainda pior, de forma que deliberam por retornar a Roma, de onde haviam saído.
Voltando
pelo caminho, a enfermidade cresceu e se agravou tanto que o enfermo ainda mais
debilitado ficou, quer em razão da doença, quer por causa do cansaço imposto
pela caminhada. Em uma estalagem, onde por acaso haviam chegado, feneceu seus
dias. Os que vinham com ele, compadecendo-se de sua morte, sepultaram-no com a
maior solenidade possível em uma igreja local, e ali se detiveram por alguns dias,
fazendo as suas honras e sacrifícios, e cumprindo todas as obrigações funerárias.
Feito
isto, retomaram o caminho para Roma. Chegada a noite, recolheram-se a uma
albergaria, na qual um dos amigos do falecido se deitou numa cama isolada do
quarto, que tinha a porta fechada e conservava uma vela acesa.
Estando
completamente acordado, subitamente viu diante de si o amigo falecido, a quem
havia deixado sepultado macilento e amarelo, com os olhos afundados nas
órbitas. Aproximando-se da cama, o defunto contemplou o amigo sem dizer palavra
e começou a tirar as roupas, que pareciam ser as mesmas que trazia em vida. E a
nenhuma coisa das que dizia o que estava na cama o morto respondia.
Estando
desnudo o defunto, o amigo ergueu o lençol e meteu-se no leito por debaixo
dele, porque prostrava-se com o grande medo que tivera, e não tinha forças para
estorvar a aparição.
O
morto aproximava-se dele, dando mostras de querer abraçá-lo. Vendo-se acuado,
postou-se num canto remoto da cama. E, retirando forças da própria fraqueza,
pondo o lençol diante de si para que o defunto não pudesse chegar-se a ele,
começou a resistir-lhe.
O
falecido, vendo aquela resistência, e que o homem se defendia, olhou-o
furiosamente e, mostrando grande ira, tornou a se erguer. Então, vestindo-se e
calçando-se, partiu, sem jamais reaparecer.
Em
razão do grande medo e prostração que passara, uma séria enfermidade acometeu
aquele homem, e aquela doença quase o pôs no último dia de sua vida. Todavia,
escapou da morte e dizia que, quando resistiu à aproximação do defunto, somente
o tocara com o pé, o qual tinha tão frio que geada alguma se lhe podia
comparar.
Versão em português e adaptação textual: Paulo Soriano.
Narrativa constante do Jardín
de Flores Curiosas, 1575.
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