PRÓXIMO AO CADAFALSO - Conto de Horror - Carlos Eduardo Cabral
PRÓXIMO AO CADAFALSO
Carlos Eduardo Cabral
(São Paulo/SP)
(Conto finalista do I Concurso Literário “Contos Grotescos” – Prêmio Edgar Allan Pöe)
(Conto finalista do I Concurso Literário “Contos Grotescos” – Prêmio Edgar Allan Pöe)
Amanhecer, eu saúdo a beleza dos teus raios: tão quentes e afáveis, coisa
que a noite nunca foi. Em prantos eu te vejo pela última vez, me abençoe, pois,
vou de encontro ao meu destino; “O mal não descansará”, Hipnos1 me
recusa acoite nesta que será minha última noite da minha vida malfadada; com a
ajuda vinho eu ponderei sobre meus atos, eu bebo em honra a Mefistófeles2
com seus serviçais, e isso é muito melhor entre amigos, mas, para onde eles
foram?,ninguém para compartilhar comigo meu último cálice! Então, bebo em
homenagem aos que dividem comigo o meu pesar; badale, irmão, badale, por mim o
sino de esperança e fé! Badale o sino da minha danação, estou próximo da forca.
Consternado eu recito este epitáfio, meu canto do cisne3,
minha lápide, o derradeiro adeus do meu coração; nas colinas de Tyburn4,
bem lá no alto está o cadafalso, onde somente os abutres assistirão o findar da
minha vida desregrada; contemplo a bela vista de minha Gólgota5, e
a forca clareada pela lua; o carpinteiro deve estar orgulhoso de sua criação
ser a ferramenta do meu infortúnio. Eu sou o pária, o perdidoso, sou o
subjugado, o escolhido; que viveu uma vida pecaminosa que o tentador6
fez de criado. Logo, não tardará minha hora, e agora a escuridão foge
sorrateiramente e vejo com clareza o lugar do meu triste passamento.
O vigário rezará pela minha alma errante, tenho por certo que ele
perderá seu tempo; eu: um pecador, aparvalhado, um pobre diabo ou ainda, uma
vítima das circunstâncias, que bem sabe que queimar no inferno não é nenhum
contento, mas com certeza eu gozei minha vida. O carrasco aperta o nó em volta
do meu pescoço, sensação arquejante e desconfortável que será a premissa de
minha redenção ou malogro; a barca de Caronte7
aguarda ansiosa esse pagão, que viveu como viveu, e não leva dessa vida senão,
o coração derrotado e cheio de malícia. Vida que não foi vida, foi uma sucessão
de escorregadelas e desgostos. “Vais tarde, sombra de um homem! ser escuso e
vil, não deixarás saudade e nem viúva; nem uma lágrima será derramada em tua
homenagem.” – esta fora minha reflexão final – é dada a ordem para minha
execução e é cumprida, só sinto o ardume e contração de minha traqueia, meu
músculos desordenados debatendo-se rejeitando tal sina; a visão turva que passa
a enegrecer doridas ilusões de árduo porvir, batalhas ainda não travadas, viver
fugitivo, renegado Morro como vivi: abjurando a fé cristã e tudo o que é santo.
“Se existe um Deus... que ele salve minha alma...
se eu possuir uma!”. Foi meu último enunciado expurgado que deixo como um
legado aos seguidores do Pentateuco8.
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3 A expressão o “canto do cisne” é utilizada para classificar os últimos
grandes momentos de alguém. Isto porque durante muito tempo acreditou-se,
erradamente, que os cisnes entoavam o mais belo som produzido à face da Terra
imediatamente antes de morrerem.
5 Calvário (em
aramaico Gólgota ) é o nome dado à colina que onde Jesus foi
crucificado. Calvária em
latim. O termo significa “caveira”, referindo-se a uma colina
ou platô que contém uma pilha de crânios ou a um acidente geográfico que se assemelha
a um crânio.
7 Era uma figura mitológica do mundo inferior que transportava os
recém-mortos na sua barca através do rio Aqueronte até o local no Hades que
lhes era destinado.
8 Do grego, "os cinco rolos", é composto pelos cinco primeiros
livros da Bíblia ou o velho testamento.
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