O RETRATO OVAL Edgar Allan Pöe (1809 – 1849) O castelo onde o meu criado achara por bem penetrar à força, em vez de me condenar, deploravelmente ferido como eu estava, a passar uma noite ao relento, era uma dessas construções, misto de grandeza e de melancolia, que por longo tempo ergueram a sua fronte orgulhosa no meio dos Apeninos, tanto na realidade como na imaginação da Sra. Radcliffe. Segundo toda a aparência, tinha sido temporária e recentemente abandonado. Instalamo-nos numa das dependências menos amplas e menos suntuosamente mobiladas, situada numa torre afastada do edifício. A sua decoração era rica, mas antiquada e em ruínas. As paredes, ornamentadas com numerosos troféus heráldicos de todas as formas, eram cobertas de tapeçarias, assim como de uma coleção prodigiosa de pinturas modernas, de grande estilo, em ricas molduras de ouro ao gosto arabesco. Tomei profundo interesse — talvez fosse o meu delírio a causa disso — por esses quadros, suspensos não só
O GATO PRETO Edgar Allan Pöe (1809 - 1849) Tradução: S. de M. (Séc. XIX) Não espero nem peço que acreditem na extraordinária e, contudo, vulgar história que lhe vou narrar. Na realidade, seria um louco se tal esperasse, num caso em que os meus sentidos repelem o seu próprio testemunho. E, todavia, eu não sou um doido —e não estou sonhando, com certeza. Mas, como devo morrer amanhã, quero hoje aliviar a minha alma. O meu fim imediato é apresentar ao mundo —claramente, sucintamente e sem comentários —uma série de simples acontecimentos domésticos. Pelas suas consequências, esses acontecimentos terrificaram-me, torturaram-me, aniquilaram-me. Entretanto, não tentarei aclará-los. Considero-os horríveis, ainda que a muitas pessoas possam parecer menos terríveis do que estranhos. É possível que mais tarde haja uma inteligência mais serena que reduza o meu fantasma à situação comezinha de simples lugar comum —uma inteligência mais serena, mais lógica e muito menos excitável q
O CORAÇÃO DELATOR Edgar Allan Pöe Tradução de S. de M. Sim! Sou muito nervoso, terrivelmente nervoso, mesmo ― e sempre o fui; mas por que me supõem louco? A doença tornou mais aguçados os meus sentidos ― não os destruiu, não os embotou. Mais do que os outros, tenho uma audição aguçadíssima. Ouço admiravelmente bem todos os sons produzidos no céu e na terra. Tenho ouvido até muitas coisas do inferno. Como posso, pois, ser um louco? Atenção! Reparem bem com que perfeita lucidez, com que tranquilidade de espírito eu vou contar-lhes toda a história. Ser-me-ia completamente impossível dizer-lhes como primitivamente a ideia entrou no meu cérebro; mas, uma vez concebida, nunca mais me abandonou, noite e dia. Fim, não tinha algum. A paixão foi estranha ao caso, por completo. Eu estimava deveras o pobre velho, que nunca me fizera o menor mal, que nunca me insultara. Nem mesmo invejava o seu dinheiro. Creio que foi o seu olho! Sim foi isso, decerto! Um dos olhos dele parecia os
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