O GATO PRETO Edgar Allan Pöe (1809 - 1849) Tradução: S. de M. (Séc. XIX) Não espero nem peço que acreditem na extraordinária e, contudo, vulgar história que lhe vou narrar. Na realidade, seria um louco se tal esperasse, num caso em que os meus sentidos repelem o seu próprio testemunho. E, todavia, eu não sou um doido —e não estou sonhando, com certeza. Mas, como devo morrer amanhã, quero hoje aliviar a minha alma. O meu fim imediato é apresentar ao mundo —claramente, sucintamente e sem comentários —uma série de simples acontecimentos domésticos. Pelas suas consequências, esses acontecimentos terrificaram-me, torturaram-me, aniquilaram-me. Entretanto, não tentarei aclará-los. Considero-os horríveis, ainda que a muitas pessoas possam parecer menos terríveis do que estranhos. É possível que mais tarde haja uma inteligência mais serena que reduza o meu fantasma à situação comezinha de simples lugar comum —uma inteligência mais serena, mais lógica e muito menos excitável q
O CORAÇÃO DELATOR Edgar Allan Pöe (1809 – 1849) Tradução de S. de M. (Séc. XIX) Sim! Sou muito nervoso, terrivelmente nervoso, mesmo ― e sempre o fui; mas por que me supõem louco? A doença tornou mais aguçados os meus sentidos ― não os destruiu, não os embotou. Mais do que os outros, tenho uma audição aguçadíssima. Ouço admiravelmente bem todos os sons produzidos no céu e na terra. Tenho ouvido até muitas coisas do inferno. Como posso, pois, ser um louco? Atenção! Reparem bem com que perfeita lucidez, com que tranquilidade de espírito eu vou contar-lhes toda a história. Ser-me-ia completamente impossível dizer-lhes como primitivamente a ideia entrou no meu cérebro; mas, uma vez concebida, nunca mais me abandonou, noite e dia. Fim, não tinha algum. A paixão foi estranha ao caso, por completo. Eu estimava deveras o pobre velho, que nunca me fizera o menor mal, que nunca me insultara. Nem mesmo invejava o seu dinheiro. Creio que foi o seu olho! Sim foi isso, decerto! Um d
UMA HISTÓRIA DE BRUXAS Ângelo Brea Aquele ano, como todos os anos, celebramos a noite de consoada em casa dos meus pais, onde acostumava reunir-se toda a família. O nosso filho, que acabava de celebrar o segundo aniversário, foi o centro de atenção de todos. A verdade é que o jantar foi como de costume, agradável e abundante, aproveitando-o para falarmos dos nossos parentes e amigos. Essa foi a primeira ocasião em que meu irmão mais novo falou da doença da nossa prima Maria Teresa (que curiosamente era também a minha afilhada), uma rapariga de dezessete anos cujo aniversário se celebrava em 31 de dezembro. O motivo de que nos referíssemos a ela foi porque se dizia que a sua saúde se tinha vido afetada ultimamente por um forte abalo. Pensei que podia tratar-se de uma gripe, que neste ano tinha sido bastante virulenta, já que eu mesmo a tinha padecido na primeira quinzena de novembro, chegando a guardar um par de dias de repouso. Meu irmão insistiu em que não era uma gripe e que o meu
O SENHOR DA MORTE (Lenda indiana) Flora Annie Steel (1847-1929) Tradução de Paulo Soriano Há muito tempo, havia uma estrada em que todos que por ela transitavam encontravam a morte. Alguns diziam que a morte era causada por uma cobra; outros, atribuíam a fatalidade a um escorpião. Mas uma coisa era certa: todos os que percorriam aquela estrada morriam. Certa feita, um viajante — um homem muito velho — transitava pela estrada. Extenuado, sentou-se em uma pedra para descansar. De repente, bem perto de si, viu um escorpião do tamanho de um galo. Enquanto o homem o olhava, o escorpião transformou-se numa horrenda serpente. O ancião, maravilhado, decidiu acompanhar a criatura, que se afastava, para descobrir o que ela realmente seria. A cobra rastejou dia e noite e, atrás dela, como uma sombra, seguia o velho homem. Certa vez, a serpente penetrou numa estalagem e matou vários viajantes; outra, entrou no palácio do rei e o matou. Em seguida, ele se arrastou pela tromba d&
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