PRESENTE A UM ENFORCAMENTO - Conto Classico Sobrenatural - Ambrose Bierce
PRESENTE
A UM ENFORCAMENTO
Por
Ambrose Bierce
(1842
- 1914?)
Tradução de Paulo Soriano
Um
velho homem chamado Daniel Baker, que vivia em Lebanon, Iowa, era suspeito, por
seus conterrâneos, de haver assassinado um vendedor ambulante que obtivera
permissão para passar a noite em sua casa.
Isto
aconteceu em 1853, quando tal espécie de mercancia era mais comum no Oeste do
que hoje, e cercava-se de um perigo considerável. O vendedor atravessava, com a
sua maleta, por todo tipo de estradas solitárias, e era obrigado a confiar nas
pessoas do campo para ganhar hospitalidade.
Isto o levava a interagir com tipos estranhos,
alguns dos quais não eram de todo escrupulosos em seus métodos de ganhar a
vida, sendo o assassinato um meio aceitável a tal escopo. Ocasionalmente,
acontecia de um vendedor ambulante, com a maleta diminuída e a bolsa acrescida,
acorrer à solitária habitação de algum biltre e depois jamais se ter notícias
de seu paradeiro.
Assim
foi o caso do “velho Baker”, como ele sempre era chamado. (Esses nomes são
dados nos povoados do Oeste apenas a pessoas idosas que não são estimadas; para
o descrédito geral nas sociedades locais, agrega-se uma reprovação especial,
alusiva à idade.) Um vendedor ambulante chegou à casa dele e jamais foi visto
novamente — isto era tudo o que se sabia.
Sete
anos depois, o Reverendo Cummings, ministro batista bastante conhecido naquela
parte do País, passava, certa noite, pela fazenda de Baker. Não estava muito
escuro: havia um resquício de lua em algum lugar acima do véu luminoso da
neblina que se estendia sobre a terra. Sempre de bom humor, o Sr. Cummings
estava a assoviar uma canção, que ele ocasionalmente interrompia para uma
amigável palavra de encorajamento a seu cavalo.
Quando
chegou a uma pequena ponte que cruzava uma ravina seca, notou que sobre ela havia
um homem de pé, claramente delineado sobre o fundo cinza de uma floresta
enevoada. O homem levava alguma coisa atada às costas e portava um pesado
cajado: era, obviamente, um vendedor ambulante. Havia em sua postura um quê
abstração, como ocorre nos sonâmbulos. O Sr. Cummings deteve o cavalo ao chegar
diante dele. Cumprimentou-o com cortesia e o convidou a subir na carroça — “se
estiver indo na mesma direção que a minha” —, acrescentou. O homem ergueu a
cabeça, olhou-o diretamente no rosto, mas não respondeu e nem esboçou qualquer
movimento. O ministro, com uma amável persistência, repetiu o convite. Então o
homem estendeu a mão direita e apontou para baixo, enquanto permanecia de pé no
limite extremo da ponte. O Sr. Cummings olhou em direção à ravina, que era para
onde o homem apontava; mas, nada vislumbrando de especial, voltou a olhar para
ele. O homem havia desaparecido.
O
cavalo, que durante todo o tempo estivera extraordinariamente inquieto, emitiu
nesse instante um relincho de terror, e pôs-se a fugir em disparada. Quando
conseguiu recuperar o controle do animal, o ministro já estava no topo da
colina, cem jardas adiante. Olhou para trás e viu novamente a figura, no mesmo
lugar, conservando a mesma atitude que antes observara. Então, pela primeira
vez, foi dominado pela sensação do sobrenatural, e fugiu para casa a toda
velocidade, conforme queria o seu cavalo.
Ao
chegar em casa, contou sua aventura à família e, na manhã seguinte, acompanhado
por dois vizinhos, John White Corwell e Abner Raiser, retornou ao local. Eles
encontraram o corpo do velho Baker pendurado pelo pescoço numa das vigas da
ponte, exatamente embaixo do local onde estivera a aparição. Uma espessa camada
de poeira, levemente umedecida pela névoa, cobria o chão da ponte, mas se viam apenas as pegadas do cavalo do Sr.
Cummings.
Ao
descer o corpo, os homens deslocaram a terra fofa e quebradiça da encosta, com
o que revelaram ossos humanos que já estavam quase descobertos pela ação da
água e do gelo. Os ossos foram identificados como pertencentes ao vendedor
ambulante desaparecido. No duplo inquérito instaurado pelo júri, constatou-se
que Daniel Baker morreu pelas próprias mãos, quando acometido por insanidade
temporária, e que Samuel Morritz fora assassinado por uma pessoa – ou pessoas –
cuja identidade era desconhecida.
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