CHISS... CHISS... - Conto Humorístico de Terror - Anônimo do Séc. XIX
CHISS...
CHISS...
Anônimo
do séc. XIX
O
velho Peter Risley exercia ao mesmo tempo a função de sacristão, coveiro e
marmorista de túmulos da magnífica paróquia de Wakefield, Yorkshire. Antigo e
mui respeitável habitante daquela cidade, ufanava-se de suas diversas funções permanecia
isento a toda espécie de terrores supersticiosos. Se um dia fora um homem
assustadiço, sua longa permanência entre as pacíficas mansões dos mortos
dissipara todos os seus temores.
Na
noite de um sábado da mais triste e sombria estação do ano, Pedro saiu de casa
para concluir o epitáfio de uma lápide sepulcral que seria fincada na madrugada
seguinte. Chegando à igreja em que, para estar ao abrigo da intempérie, havia
montado a sua oficina, deixa no chão a sua lamparina, acende uma vela que
coloca num traste à guisa de candeeiro e empreende o seu trabalho.
Já
fazia algum tempo que no relógio da igreja havia dado onze horas e ainda
restava-lhe gravar algumas letras. De súbito, um ruído singular detém o cinzel
de nosso honrado artífice. Cheio de cheio de surpresa, o artesão dá uma olhada
ao redor. Não podemos expressar melhor aquela espécie de ruído senão pela
palavra chiss, mas um pouco prolongada. Voltando a si de sua surpresa, o
bom Peter achou que certamente o ruído era uma ilusão, cônscio de que o seu
sentido audição era precário. Assim, retoma as suas ferramentas e, com a maior
tranquilidade, volta ao trabalho. Mas, decorridos alguns minutos, o terrível chiss
fere de novo o seu tímpano.
Pedro
levanta-se e, depois de acender a lamparina, busca, em vão, a causa do
extraordinário ruído. Houvera deixado a igreja, mas a lembrança de sua promessa
e a imperiosa necessidade o detiveram, animando-o a continuar o seu trabalho.
Naquele instante, ouviram-se as doze badaladas.
Faltava-lhe
apenas retocar algumas letras e, com a cabeça baixa, ocupava-se cuidadosamente
deste mister, quando um silvo muito mais forte que os anteriores — o chiss
aterrador — fere pela terceira vez o seu ouvido.
Desta
feita, experimentou uma terrível comoção. À dúvida sucede o temor; a este, o assombro.
Havia profanado a aurora do domingo e o ruído era uma advertência a que não
prosseguisse no que fazia. Talvez acabasse de ser pronunciado o fatal decreto de sua condenação; talvez fosse ele mesmo colocado entre aquela
fileira de amigos e conhecidos que lhe haviam precedido. Dominado por tais pensamentos, retorna para casa com passo
vacilante, e, adoecido, ocupa o leito em que sua esposa o esperava. O sono foge
de suas pálpebras. Em vão, a mulher trata de indagar a causa de sua doentia inquietação. Em vão lhe prediz quantos
cuidados podem ser tomados, mas nada adianta.
Na
manhã seguinte, a boa mulher olha casualmente para a cadeira, onde o marido
havia pendurado a peruca, e exclama:
—
Peter, o que você fez para queimar assim a sua peruca?
—
A sua pergunta acaba de me curar!— responde
Peter, pulando da cama.
Os
misteriosos chiados eram produzidos pela peruca de Peter, que se abrasava
quando ele abaixava a cabeça. Esta descoberta e os pormenores com que Peter
contava a sua aventura noturna foram por muito tempo objeto de diversão dos
habitantes de Wekefield.
Tradução de Paulo
Soriano
Fonte: “Semanario
Pintoresco Español”, edição de 26 de junho de 1936, nº 13.
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