COMPLEXO DE BONECA - Conto de Terror - Natalia Capi



 COMPLEXO DE BONECA

Natalia Capi

 

    Eu nunca ouvi tamanho desespero no que caía lá fora naquela noite de sexta-feira, quando os venenos da incerteza cegavam-me por completo, me mantinham em falta de caráter e eu nunca sabia ao certo se o que dizia era o real ou apenas a suposição da minha loucura indignada dos meus pequenos pecados e insanidades.

 

    O que eu tinha ou podia fazer era a mesma cena de todas as manhãs, era sentar-me na varanda de frente ao nada, e levantar até os lábios uma xícara de chá e alguns pequenos e velhos biscoitos. Ah! Mas o que me assombrava? O que falava na minha cabeça atormentava!

 

    A culpa soava tão forte e ao mesmo tempo tão fraca. Eu na verdade não me importava muito com o que fizera, eu apenas desejava continuar a fazer. E é o que eu faria. Enquanto eu me mexia de lugar para outro, ouvia barulhos nas escadas e tinha a certeza de que seria ela.

 

    Courtney era minha propriedade, embora ela pensasse que eu era a dela, e na verdade eu sempre, sempre quis torná-la no que realmente era.

 

   Foi quando voltei a ser simples porcelana sem vida.

 

     Ela assustou-se quando a luz acabou em toda a região de Amsterdã, isso era muito comum por aqui, e foi quando se colocou a chorar como uma coisa mimada!

 

    Firmemente recostou-se sobre o galpão de arte, e falei em seu ouvido coisas que nem mesmo eu imaginava vê-la levar tão a sério. Sussurrei:

 

    — Quão tamanha seja aberta às sombras, traga a você o que os medos seriam pesadelos, controle o que seria sua maior franqueza, estoure seu próprio sangue, e amar não é falta de razão se não obtiver apenas um propósito: matá-los.

 

   Então ela dormiu, enquanto eu observava-a calmamente apagada no chão do seu quarto, aos poucos ela se tornava o frio, a falta, a morbidez perfeita, eu a desejava desta forma; e assim ela seria.

 

Logo de manhã sua mãe entrava no quarto do marido e desejava-lhe bom dia, hábito de mulher inútil que vive somente para o que casou e juntou a vida.

 

Courtney levantou-se, seguiu até o quarto do pai quando a mãe o deixara, e disse cautelosamente:

 

— Sinto tanto dizer-lhe que não és mais útil, sinto tanto dizer-lhe... Mas sua face me enoja. E o que posso fazer para tornar-me e fazer-me melhor é enojar a sua própria carne, assim como já há enojo. Você causa-me repulsa.

 

Courtney pegou uma tesoura e esfaqueou-o 13 vezes, e aquilo me deixou tão aliviada, tão satisfeita, como seu eu mesma o fizera.

 

O único problema é que Courtney desmaiava a cada vez que cometia algo tão gratificante como isso, e foi o que aconteceu.

 

Voltando ao quarto, sua mãe e a criada viram a filha no chão, e o marido aos pedaços no leito. O que é o mais perfeito de tudo, morto em seu próprio meio de descanso, o único lugar em que “descansava em paz”, levaram a minha pequena ao seu quarto e em poucos minutos chegavam a polícia local e os legistas da região.

 

 Eles levaram aquele projeto insignificante para algum lugar melhor do que aquela casa. De fato, ali não ficariam fracos, apenas pessoas certas do que faziam, felizes com o que faziam.

      Passada uma semana Courtney era muito aborrecida por sua mãe, e foi quando sussurrei em seu ouvido:

 

— É tão bom mover-se ao prazer de que se sente saciável de todas as formas e maneiras, não seguir nenhuma ordem, fazer apenas o que para você é mais alto do que a própria razão, amar não é falta de compreensão se não for compatível com o que desejas: Mate-a.

 

     A bela garotinha foi ficando cada vez, mas esperta, sabia ao exato o que fazer, e eu quase não precisava mais dar-lhe ordens.  Foi quando ela própria fez com que sua mãe caísse no banheiro e batesse com a cabeça no vaso sanitário.

 

     Infelizmente ficamos sozinhas. Courtney e eu. E ela começou a se tornar um problema para mim. Foi quando a amarrei em uma cadeira e cortei seus braços, suas pernas, seu pescoço, arranquei seu coração e o ouvi pulsar melhor em minhas mãos. Corpo limpo, sem surpresas, um plano infernal, eu apenas queria seu crânio, sangue e ingenuidade.

 

Uma pessoa que rouba tudo que se tem não é uma boa pessoa.

 

Ela de fato não era. Mantinha-me trancada no quarto, e eu não lhe servia ao menos para arrancar um último sorriso de seus dias. Eu deixaria que ela tirasse tudo o que quisesse de mim, e mesmo assim o que restou foram minhas partes jogadas...

 

Comentários

  1. Nossa! este texto possui muitos anos!!! Eu o escrevi com 13 anos!
    Fico feliz que o tenham mantido (apesar dos erros de português) rsrs.
    Obrigada

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