O DIABO E O SALTEADOR - Conto Clássico Sobrenatural - Daniel Defoe
O
DIABO E O SALTEADOR
Daniel
Deföe
Tradução
de Paulo Soriano
Conta-nos
uma história que Hind, aquele famoso assaltante e procurado da Justiça, o mais famoso
desde Robin Hood, encontrou um espectro no caminho de um lugar chamado
Sangate-Hole, em Huntingdonshire, onde ele costumava cometer seus roubos, e era
famoso por seus numerosos assaltos.
O
espectro apareceu a ele na forma de um simples comerciante de gados local. E
como o Diabo, como é fácil supor, conhecia muito bem os refúgios e esconderijos
frequentados por Hind, chegou assim disfarçado a uma estalagem e, havendo
alugado um quarto, pôs em lugar seguro o seu cavalo, ordenando ao estalajadeiro
que carregasse a sua mala, que era muito pesada, aos seus aposentos. Lá, abriu
a mala, retirou o dinheiro, que estava distribuído em pequenos invólucros, e o
colocou em duas sacolas, que teriam o mesmo peso, em cada flanco do cavalo,
tornando-as tão chamativas quanto possível.
As
estalagens que alojam bandidos raramente estão livres de espias, que àqueles
proporcionam as devidas informações de tudo quanto ali acontece. Hind tomou
conhecimento do dinheiro, olhou o homem, olhou o cavalo, e os memorizou.
Averiguou o caminho que o homem seguiria. Deparou-se com ele em Stangate-Hole,
exatamente no vale entre as colinas, e o deteve, dizendo-lhe que entregasse as
sacolas. Quando indagou sobre o dinheiro, o mercador de gado fingiu
surpreender-se, simulou pânico e tremeu, atemorizado. Com um tom de inspirar
compaixão, disse:
―
Como o senhor pode ver, sou um homem pobre! Em verdade, senhor, não tenho
dinheiro!
(Aí
mostrou o Diabo que podia dizer a verdade quando lhe é conveniente a ocasião.)
―
Ah, velho cão! ― disse o bandido. ― Não tem dinheiro? Vamos, abra seu alforje e
me entregue as duas sacolas, estas que estão de cada lado da sela. O quê? Não
tem dinheiro, mas as suas sacolas são tão pesadas que não viajam em um só lado!
Vamos, passe-me logo as sacolas, senão o cortarei em pedaços agora mesmo!
(Aqui,
Hind estava fora de si e ameaçou o comerciante da pior forma que pôde.)
Bem,
o pobre diabo chorava e dizia que o ladrão devia estar equivocado; que o havia
tomado por outra pessoa, porque realmente não trazia dinheiro consigo.
―
Vamos, vamos! ― disse Hind. ― Venha comigo! A mim ninguém engana!
Então
tomou o cavalo pelas rédeas, tirou-o do caminho, conduzindo-o ao bosque, que é
muito espesso naquele local, porque o negócio seria demorado demais para
levar-se a cabo em plena estrada.
Quando
estava no bosque, ordenou:
―
Vamos, senhor Comerciante, desmonte e dê-me as sacolas imediatamente!
Em
suma, fez o pobre homem descer, cortou as rédeas e as cilhas, e abriu o
alforje, onde encontrou as duas sacolas.
―
Muito bem ― disse ―, aqui estão elas, tão pesadas como antes.
E
as atirou ao chão, cortando-as para abri-las. Numa, encontrou uma corda;
noutra, uma peça de latão maciço com a forma exata de uma forca.
Então
o mercador de gados exclamou, detrás dele:
―
Eis o seu destino, Hind! Tome cuidado!
Se
o salteador se surpreendeu com o que descobriu nas sacolas ― pois não havia
sequer um quarto de penny naquela onde estava a corda ―, mais
surpreso ainda ficou quando ouviu o comerciante chamá-lo pelo nome. Voltou-se,
então, para matá-lo, acreditando que havia sido reconhecido. Mas ficou sem
fôlego quando, virando-se (como já disse) para matar o homem, nada mais viu do
que o pobre cavalo. Caiu por terra e ali ficou um tempo considerável. Quanto
tempo, ele não poderia dizer, porque estava sozinho, mas deve ter sido por
alguns minutos. Voltando a si, fugiu aterrorizado até o último grau,
envergonhado e estupefato com o que vira.
Eu
dei a entender que não havia dinheiro, mas uma peça foi encontrada, e esta,
segundo a história, era escocesa: uma moeda chamada na Escócia “catorze”, que
na Inglaterra equivale a treze pence e meio penny para
pagar o carrasco. De onde é possível supor que vem daí o ditado, corrente até o
dia de hoje, segundo o qual “treze pence e meio penny é
o soldo do carrasco”.
Nota do editor:
O texto acima constitui-se em uma das várias narrativas que ilustram
exemplarmente o extenso ensaio “An Essay on the History and Reality of
Apparitions”, publicado por Deföe em Londres, no ano de 1728.
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