A CARTA - Conto de Terror - Everson Padilha



A CARTA

Everson Padilha

 

30 de outubro de 1988, Wisconsin, EUA.

 

Lá estava eu, preparando os últimos detalhes para a noite mais esperada do ano. Meu marido chegou da delegacia,  da qual era sheriff, e veio até a cozinha, guiado pelo delicioso cheiro da torta de maçã que eu preparava.

Ele adorava me chamar de Ros, afirmando que Rosita me deixa com aparência de velha, mesmo com meus 24 anos. Rick, no entanto, já é mais maduro, mas aquele corpo atlético, seus olhos azuis e a barba grisalha o deixam ainda mais jovem e charmoso. Ele se ajoelhou e beijou minha barriga (estou grávida de 38 semanas de um menino), depois se levantou, me beijou e subiu para o banho.

O vi partindo, e mesmo que tenha sido somente para outro cômodo, sinto um aperto no peito e em tom terno,  e exclamo:

 — Rick, eu te amo!

Ele voltou, olhou nos meus olhos por alguns segundos e, com uma voz doce, respondeu:

— Eu te amo tanto, Ros. Não vejo a hora do Carl nascer para que nossa família esteja ainda mais completa.

—Ah, Amor! Já consigo imaginar o Carl sorrindo com os olhos azuis iguais aos seus.

—Ah! E se puxar esse seu jeito lindo e atraente, vai conquistar vários corações.

Nós rimos, pudemos imaginar vividamente como ele seria, e, então, Rick foi tomar seu banh, e, eu, terminar minha torta de maçã.

 

31 de outubro de 1988, Wisconsin, EUA.

 

 O dia amanheceu nublado. Rick foi para o trabalho e, em seguida, a campainha toca. É manhã de Halloween, então atendi a porta já preparada com vários doces e guloseimas.

Abro a porta e dou de cara com meu vizinho, o Lancy. Lancy era daquele típico vizinho que gostava de se intrometer e observar a vida dos outros. Ele estava fantasiado e  logo disse:

— Gostosuras ou travessuras?

Naquela manhã, como eu estava meio indisposta, nem respondi a ele. Dei tudo o que tinha e fechei a porta. Logo em seguida, voltei para o quarto e dormi.

Quando acordei,  já eram 20 h e Rick ainda não havia voltado do trabalho. Como já estava uma hora atrasado, liguei para ele, mas dava fora de área. Mesmo indisposta, resolvi dar um pulo até a delegacia, só para acalmar os ânimos.

Lembro-me das ruas decoradas com abóboras, caveiras e de  uma neblina densa que as deixava com uma aparência ainda mais macabra.

Pouco antes de chegar na delegacia, sinto um aperto no peito como nunca havia sentido antes. Parei o carro por alguns instantes, olhei pelo retrovisor e vi um homem alto, magro, ele estava fantasiado de carrasco e olhava fixamente em minha direção com uma abóbora na mão. Mesmo sabendo que era Halloween, aquilo me deixou trêmula. Liguei o carro e não parei até chegar no estacionamento da delegacia.

Ao me aproximar da porta, senti meu coração acelerar. Minha respiração ficou pesada e minhas pernas tremiam. Havia sangue para todo lado.

Com uma voz trêmula comecei a chamar pelo Rick:

—Ri..., Rick, Rick? — Mas ninguém respondeu.

Foi quando me aproximei do escritório e abri a porta. Lá estava o guarda Scott, que sempre trabalhou com Rick. Ele estava esquartejado e ao seu lado havia uma abóbora. Nela estava esculpido “eu te amo”.

O meu primeiro instinto foi correr de lá desesperadamente, sem parar; mas ouvi um barulho no corredor e me escondi no armário do escritório. Peguei meu celular: estava sem área.

A cada passo que eu ouvia, sentia meu coração sair pela boca. Foi quando senti algo gelado encostar em meu braço e com a luz do celular iluminei para ver o que estava do meu lado. Lembro-me de gritar e, então, desmaiei.

Quando acordei, estava nesse quarto escuro, gelado e com pouca iluminação. Coloquei as mãos em minha barriga e ela estava costurada: eu já não tinha mais o Carl dentro dela. Não sei quanto tempo faz que estou trancada aqui, já gritei por horas e ninguém me ouviu. Tudo o que tenho é esse papel e essa caneta e o que me lembro, momentos antes de desmaiar, é de ver o Rick; ele estava naquele armário do meu lado, com a boca costurada e seus olhos arrancados.

Nesse momento, já não sinto mais nada, mas sei que estou morta.

 

30 de outubro de 1990, Wisconsin, EUA.

 

— Ei, Carl, o que é isso que você está segurando?

— Não sei, papai. Estava na caixa do correio.


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