A MORTE DO VELHO MENDIGO - Conto Clássico Cruel - Luis-Gaston de Ségur
A
MORTE DO VELHO MENDIGO
Luis-Gaston de Ségur (1820 - 1881)*
Tradução de autor anônimo
do século XIX
À
porta de uma das igrejas de Paris, um velho mendigo, conhecido pelo nome de Jacques,
vinha todos os dias, há muitos anos, sentar-se em um dos degraus do templo e
receber a esmola.
Era
triste e sombrio, quase nunca falava, e apenas inclinava a cabeça quando lhe
davam alguma coisa. Por entre os andrajos que o cobriam, via-se pendente, ao
peito, uma cruz dourada.
Celebrava habitualmente nesta igreja um jovem
eclesiástico chamado Paulin de ****, que nunca deixava de dar esmola ao pobre Jacques.
Pertencendo a uma rica e nobre família, Paulin consagrara-se a Deus no
sacerdócio, e espalhara todos os seus haveres pela pobreza. O velho Jacques, embora
não o conhecesse, gostava muito dele.
Um
dia, porém, o padre Paulin não viu no local de costume o pobre mendigo e, como
observou que esta ausência se prolongava, começou a inquietar-se com o destino do
seu velho protegido, e tratou de saber onde ele morava para visitá-lo.
Um
dia, depois de haver celebrado a santa missa, dirigiu-se à morada de Jacques.
Subiu
uns poucos de lanços de escada e bateu à porta de uma mansarda. Uma débil voz
lhe respondeu que entrasse.
O
padre deu logo com Jacques. O mendigo estava deitado num pobre colchão de palha,
doente, pálido, e a vista quase apagada...
—
Ah, é o senhor, padre? — disse ele ao bom sacerdote, quando o viu. — É muita
bondade sua visitar um miserável como eu, que não sou digno da sua visita.
—
O que está dizendo, meu bom Jacques? — respondeu o padre. Não sabe que o padre
é o amigo dos desamparados? E, além disto — acrescentou ele, sorrindo —, não
nos conhecemos há tanto tempo?
—
Oh, se o senhor soubesse, padre... Se me conhecesse verdadeiramente, certamente
não me falava assim. Não me fale com bondade. Sou um miserável amaldiçoado de
Deus.
—
Amaldiçoado de Deus?! Está certo disso? Ah, meu pobre Jacques, não fale assim. Se
você tem feito mal, arrependa-se. Confesse. Ao contrário desse pobre pároco, Deus
é a suma bondade. Ele perdoa tudo àquele que se arrepende e lhe pede perdão.
— Mas a mim, não há de perdoar.
—
E por que não? Não se arrepende de seus pecados?
—
Se me arrependo!... — exclamou Jacques, com os olhos esgazeados, fazendo
esforço para se sentar. — Se me arrependo!... Oh, arrependido estou eu há
trinta anos, mas, ainda assim, sou amaldiçoado por Deus.
O
bom padre procurou consolá-lo e animá-lo, mas foi em vão. Um mistério terrível
estava escondido no fundo daquele coração, e a desesperança obstava a que o
criminoso revelasse o seu crime.
O
desgraçado Jacques, vencido finalmente pela doença e pela bondade do padre Paulin,
decidiu revelar-lhe o seu segredo e, meio sufocado, proferiu as seguintes
palavras:
—
Eu era o mordomo do palácio de uma família rica quando rebentou a sanguinolenta
revolução de 1789. Os senhores, a quem eu servia, eram a bondade personificada.
O senhor conde, a senhora condessa, suas duas filhas e seu filho... Devia-lhes
tudo, a minha posição, a minha educação, as comodidades de que eu gozava.
Quando veio essa espantosa revolução, atraiçoei-os a todos. Estavam escondidos,
e eu sabia onde... Denunciei-os para ficar com os seus bens, que eram
prometidos aos denunciantes... Todos foram condenados à morte, exceto Paulin,
que era um dos filhos., ainda muito pequenino...
O
padre soltou, involuntariamente, um grito, e um suor frio lhe cobriu todo o
rosto.
—
Meu padre — continuou o velho mendigo, que não tinha dado pela emoção do seu
confidente —, meu padre, isto é horrível... Ouvi condená-los à morte... Vi
cair-lhes as cabeças sob o cutelo do carrasco. Sou um monstro, meu padre...
Desde então, não tive mais sossego. Tenho passado a vida a chorar e a pedir por
eles... Estou sempre a vê-los ali, diante de mim. Olhe, eles já estão detrás
daquela cortina...
E,
dizendo estas palavras, Jacques apontava com a mão trêmula para a cortina que
ocultava a parede.
—
Esse crucifixo, que aqui vê à minha cabeceira, era o do senhor conde; esta
pequena cruz de ouro, que trago ao peito, era a que a senhora trazia sempre
consigo. Oh, meu Deus, que crime, que horror... que arrependimento! Senhor padre,
tenha compaixão de mim! Não me despreze! Peça a Deus pelo maior dos criminosos e dos desgraçados entre os homens...
O
padre estava de joelhos, junto à cama, pálido como um morto. Conservou-se imóvel
cerca de meia hora. Depois, erguendo-se tranquilamente, fez o sinal da
cruz e, levantando a cortina da parede, deu com dois retratos.
Jacques
deu um grito quando os viu, e caiu desfalecido sobre a cama.
O
padre estava chorando e, com uma voz trêmula, disse para Jacques:
—
Deus está comigo para perdoá-lo.
E,
sentando-se ao pé da cama, confessou o velho Jacques.
Acabada
a confissão, proferiu o sacerdote as seguintes palavras:
—
Jacques, Deus acaba de perdoar-lhe os pecados... Mas... ainda não é tudo... Devo
dizer-lhe que você matou o meu pai, minha mãe e minhas irmãs.
Impossível
descrever a impressão produzida por estas palavras no espírito do velho
mendigo. Devia perdão não apenas a Deus, mas também àquele bom padre. Tentou
articular algumas palavras, mas não conseguiu. Com extremo esforço, implorou o
seu perdão com um olhar ansioso, quase desesperado, e um leve aceno de cabeça.
—
Deus o perdoou; mas eu, não — disse o padre, secamente.
Depois, puxou-lhe o travesseiro puído e, com ele, lentamente o asfixiou.
*Adaptação textual de Paulo Soriano (parte final).
Fontes: “Nouvelles Étrennes Fribourgeoises”,
Fribourg, Suíça, 1869 e “Excelsior”, São Paulo, edição de outubro de 1944.
Esse teve uma reviravolta!
ResponderExcluirvou ler, Barão, quem sabe dá um roteiro de HQ. Este vosso site é fantástico! Deveria ter um site assim de Ficção Científica. Aliás, é uma ideia, heim, já que quase não tem sites de contos de Ficção Científica.
ResponderExcluirbarão, prepare-se porque o roteiro está ficando sensacional e claro você será co-autor, preciso do seu texto-final, roteiro final e aprovação final, assim que eu terminar ele na última versão ou minuta. Está ficando um roteiro cinematográfico, não tenho dúvida alguma de que o projeto será aprovado, impossível de recusa editorial. Agora o Menino que amava uma sepultura é meu sonho roteirizar, quem sabe no futuro realizaremos o projeto.ass. ROGER, arquiduque das sombras nefastas.
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