A PUNIÇÃO DE MADAME LAPOOKIN PELO KNOUT - Narrativa Clássica de Horror - W. Keene
A
PUNIÇÃO DE MADAME LAPOOKIN PELO KNOUT
W.
Keene
(Séc.
XIX)
De
todos os castigos que se podem infligir à espécie humana, o knout russo
é o mais severo e sanguinário. Felizmente, raras vezes hoje o aplicam, a não
ser por crimes extraordinários. Ainda que, à primeira vista, pareça que um tal
castigo será igual ao das chibatadas dos nossos soldados, ou às disciplinas do
exército inglês, os seus efeitos são tão graves, que muitas vezes dele resulta
a morte. Tais têm sido os esforços das autoridades judiciarias da Rússia no
aperfeiçoamento deste horrível suplício.
O
knout é um chicote da grossura do pulso de um homem, pesa dois ou três libras;
o açoite é de couro cru, composto de várias pernas; o cabo ou punho tem três
palmos.
O
lugar que em S. Petersburgo ordinariamente é destinado para esta espécie de
castigo é um pântano junto ao rio Neva. A execução faz-se sempre na presença de
uma guarda militar de cossacos e outras tropas. Apenas a vítima sobe ao cada
falso ou estrado, lê-se em alta voz um édito que declara o crime, e a sentença
do tribunal em que o réu foi processado.
Em
casos ordinários, o criminoso é amarrado a uma estaca, em cujo cimo está uma
argola, que serve para lhe prenderem e apertarem a cabeça por tal modo, que ao
desgraçado é impossível fazer o menor movimento, ou mesmo soltar um grito.
Amarram-lhe depois as mãos aos lados do corpo, e os pés são igualmente presos a
duas argolas fixas no estrado: despem então o padecente até a cintura, e o
executor começa o seu ofício.
O
Abade Chappe d'Auteroche[1]
refere esta execução que ele presenciou no reinado de Isabel. Madame Lapookin,
que era uma das mais belas senhoras do seu tempo, e pertencia à corte daquela
Imperatriz, teve a indiscrição de publicar algumas das intrigas amorosas da sua
imperial senhora. Em consequência foi por ela condenada ao knout.
A
bela padecente subiu ao cadafalso magnificamente vestida. Em breve, foi cercada
pelos al gozes, para quem olhou admirada, parecendo duvidar de que os
preparativos que se faziam lhe fossem destinados.
Um
dos algozes lhe arrancou o véu que lhe cobria o peito, e foi então que ela recuou
espantada, fez-se pálida, e principiou a derramar lagrimas: em breve ficou nua
até a cintura, à vista de uma multidão imensa, que a contemplava em profundo
silencio.
Dois
executores lhe agarraram os braços e, passando-os sobre os seus ombros, a
levantaram um pouco do chão, inclinando-se para a frente. Isto feito, outro
executor a dispôs na melhor postura para receber o castigo; recuando alguns passos,
mediu a distância necessária e, inclinando-se para trás, descarregou uma
chicotada com tal força que o knout levou consigo um pedaço de pele
desde o pescoço até o fim das costas. Batendo com o pé no chão, repetiu outro
golpe que levou outro pedaço de pele paralelo ao primeiro. E, em breves minutos,
todo dorso da desgraçada vítima se achava retalhado profundamente. Depois, cortaram-lhe e cauterizaram-lhe a língua. Ela
foi desterrada para a Sibéria, aonde não chegou com vida.
No
tempo dos primeiros imperadores, os executores deste terrível castigo eram
tidos em tão grande conta que os admitiam nas melhores sociedades; e até afirmam
alguns escritores que, naqueles tempos, os mercadores, a fim de poderem subir
por aquele degrau às classes superiores, davam grandes somas para obter este
terrível ofício. E, quando pelo seu
desempenho haviam satisfeito sua ambição, tornavam a vender o ofício com enorme
ganho.
Tão
hábeis são, atualmente, os executores, que manejam muito melhor o knout que
os nossos cocheiros o seu chicote. E, para prova da sua destreza, aludimos a
uma aposta entre dois fidalgos russos sobre sua habilidade respectiva ao manejo
do knout.
A
este respeito, uma testemunha ocular conta
que o indivíduo que venceu a aposta houve-se pelo modo seguinte: apresentou
ao seu antagonista a distância de uma vara e se obrigou a dar-lhe vinte
chicotadas com o knout sem fazer-lhe dano, prometendo tirar-lhe de cada
vez uma tira da camisa; o que efetivamente desempenhou, sem arranhar o corpo do
seu contrário.
Para
mostrar a este a sua gratidão pela paciência e sangue frio que havia exibido,
quando acabou de dar-lhe os vinte açoutes, levantou o chicote e, brincando, lhe
assentou uma leve chicotada, que apenas pareceu ter-lhe tocado o corpo. Mas,
pouco depois, se observou um golpe de dois palmos de comprimento, igual ao que
se poderia fazer com uma navalha ou outro instrumento afiado. O sujeito tomou a
coisa em ar de brincadeira, apenas declarando que em breve pagaria com usura o
favor recebido. Estes executores asseguram que, sem grande esforço, se pode
matar o homem mais forte dando-lhe dez chicotadas com este simples — mas terrível
— instrumento: o knout.
Fonte: “Bibliotheca
Familiar e Recreativa”, de Lisboa (PT), ed. nº 14, 1841.
Traduzido, por
autor desconhecido, de “The Portfolio”, de Londres/Inglaterra ( ed. nº 62,
1824).
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