A HISTÓRIA DE KESSI - Conto Clássico Fantástico - Autor Anônimo Hitita do séc. XX a.C
A
HISTÓRIA DE KESSI
Autor
Anônimo Hitita do séc. XX a.C
“A História de Kessi” é
uma das mais antigas narrativas fantásticas que chegaram aos nossos dias. Narra
a história de um caçador que, enamorado, olvida a mãe e os deuses. Após sete
sonhos premonitórios, adentra o mundo dos mortos, de onde jamais poderá regressar.
A presente tradução radica-se na versão em castelhano de Jorge Luis Borges
(1899 — 1986), que, de sua feita, ampara-se na tradução realizada, ao inglês,
por Theodor H. Gaster (1906 — 1992), a partir de inscrições hititas cuneiformes
e fragmentos de tradução arcádica encontrada no Egito no final do século XIX.
O
pai havia morrido. Kessi vivia com sua mãe e era o melhor caçador. Todos os
dias, trazia à mesa materna o produto de sua caça e alimentava os deuses com
suas oferendas. Kessi enamorou-se de Shintalimeni, a mais nova de sete irmãs.
Esqueceu a caça e entregou-se ao ócio e ao amor. A mãe o admoestou:
—
O melhor caçador, caçado!
O
filho pegou a lança, chamou sua matilha e partiu. Mas o homem que esquece os
deuses é pelos deuses esquecido.
As
presas se haviam escondido; ele vagou durante três meses. Exausto, adormeceu ao
pé de uma árvore. Ali habitavam os duendes do bosque, que decidiram devorar o
jovem. Mas esta era também a terra onde habitavam os espíritos dos mortos, e o
pai de Kessi concebeu um estratagema.
—
Gnomos! Por que ireis matá-lo? Furtai-lhe a capa para que sinta frio e ide
embora!
Os
gnomos são larápios e Kessi despertou com o vento que assoviava nos seus
ouvidos e lhe flagelava as costas. Dirigiu-se encosta abaixo até uma luz que tremeluzia
solitária no meio do vale.
Teve
sete sonhos: viu-se diante de uma enorme porta, que em vão procurou abrir.
Viu-se nos fundos de uma casa, onde trabalhavam as criadas, e uma enorme ave
arrebatou uma delas. Viu-se em uma vasta pradaria que um grupo de homens
percorria placidamente; brilhou o relâmpago, e uma centelha caiu sobre eles. A
cena mudou e, nela, os antepassados de Kessi, reunidos em volta do fogo,
avivavam as chamas. Viu-se com as mãos amarradas e os pés presos com correntes,
como colares de mulher. Estava pronto para a caça e viu em um lado da porta um
dragão, e noutro horrendas harpias.
Contou
à sua mãe o ocorrido. A mãe o animou:
—
O junco inclina-se sob a chuva e o vento; todavia, volta a se erguer.
E
lhe entregou uma meada de lã azul, cor que protege de feitiços e malefícios.
Kessi
partiu para a mata.
Os
deuses continuavam ofendidos: não havia animais para caçar. Kessi vagou sem
rumo até extenuar-se. Achou-se em frente a uma grande porta vigiada por um
dragão e horrendas harpias. Não pôde abrir a porta, ninguém respondeu aos seus
chamados e decidiu esperar. O sono apoderou-se dele. Quando despertou, ao
anoitecer, viu uma luz cintilante que se aproximava e agigantava-se, que
terminou por cegá-lo: era um homem alto e radiante. Disse que aquela era a
porta do ocaso e que detrás dela se achava o reino dos mortos. O mortal que a
atravessasse jamais regressaria.
—
Como podes, então, passar por ela?
—
Eu sou o Sol — respondeu o deus, e entrou.
Do
outro lado, os espíritos dos mortos esperavam para dar as boas-vindas ao deus
Sol em sua visita noturna. Ali estava Udipsharri, pai de Shintalimeni. Ao ouvir
a voz de seu genro, folgou de que fosse ele o primeiro mortal a visitar os
mortos. Suplicou ao Sol que permitisse sua entrada.
—
Muito bem, que ele passe pela porta e me siga pela senda escura; mas não mais
regressará ao reino dos vivos. Atai suas mãos e seus pés para que não possa
escapar. Assim que terminardes, eu o matarei.
Kessi
achou-se em frente a um túnel longo e estreito. O deus Sol se distanciava e se
reduzia a um ponto. Udipcharri atou as mãos e os pés de Kessi e o convidou a
seguir a luz mortiça. Kessi viu os espíritos dos mortos, que avivavam o fogo:
eram os ferreiros do deus, que forjam os raios que ele lança à terra. Notou que
milhares de pássaros revoavam ao redor.
—
Estas — disse Udipcharri — são as aves da morte, que levam ao mundo subterrâneo
as almas dos mortos.
Kessi
reconheceu a ave gigantesca de seus sonhos. Finalmente, chegaram à porta do
amanhecer. Kessi devia morrer, mas pediu perdão. O deus Sol recordou-se de como
Kessi se levantava ao amanhecer, caçava e fazia oferendas aos deuses.
—
Bem — ordenou — , irás junto com tua esposa e suas seis irmãs ao céu, onde
juntos contemplareis as estrelas eternas.
Nas
noites claras se vê, nas pradarias do céu, o Caçador , que tem as mãos atadas e
os pés ligados com cadeias semelhantes a colares de mulher. Junto do caçador,
resplandecem sete estrelas .
—
Tradução indireta de Paulo Soriano.
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