CAPIROTO DO AGRESTE - Conto de Terror - Roberto Landulfo
CAPIROTO DO
AGRESTE
Roberto Landulfo
Contam
que lá pelo agreste nordestino tem uma cidade com não mais de 2000 pessoas e
que um dia o Capiroto resolveu aparecer por lá.
Chegou
em um carrão importado, vestindo um terno branco e camisa engomada.
Estacionou
na porta do Boteco do Agenor, desceu e sentou-se em uma das mesas.
Naquele
calor de meio-dia, o danado tirou do bolso um lenço vermelho e enxugou o suor
do rosto.
— Tem alguém aqui, para me servir?
Nisso,
Agenor sai de dentro da cozinha e, olhando o estranho de cima a baixo,
pergunta:
—
Pois não, doutor. O que posso te oferecer?
O
coisa ruim aponta para uma das garrafas de cachaça no bar.
—Me
traz aquela garrafa, fazer um favor, e um ovo cozido.
Agenor,
atendeu ao pedido.
—
O que um homem rico como o Senhor está fazendo aqui?
Enquanto
descascava o ovo, sem desvia o olhar falou:
—
Vim dar uma volta aqui pelo interior.
Abriu
a cachaça lacrada, colocou uma dose no copo e virou num gole só.
Deu
uma mordida no ovo e continuou:
—Já
terminei o meu trabalho lá na capital.
—E
o Sr. trabalha em quê?
Ele
enche mais um copo e o observa levantado para a luz.
—
Ofereço ajuda em troca de prestação de serviços para mim. Sabe aquele agoniado,
que tá no desespero? Tiro ele da lama.
Vê-se
um sorriso, misturado com gema de ovo na boca do Capiroto.
—
Acho que estou com sorte! Desculpe-me, mas ainda não sei seu nome.
—Me
chame de Dr. Luz.
—
Dr. Luz, vê-se que o senhor é um bom homem. Já deu para o senhor notar que
vivemos quase que na miséria, aqui nesta cidade. O Se pode me ajudar?
—Me
traga mais um ovo…. — responde o
Capiroto
Ele
descascou o segundo ovo, pegou a garrafa de cachaça e arrancou o dosador com a
boca. Deu um gole, bochechou e devolveu para a garrafa o líquido.
Agenor
não podia acreditar no que acabara de ver.
Devolveu
o dosador para a garrafa e a colocou no meio da mesa.
—
Quando você estiver agoniado com alguma coisa, tome uma dose. Mas tem de
tomar com fé!!!!
Levantou-se,
deixou muito mais do que devia em cima da mesa e foi- se embora no seu carro
importado.
Agenor
pensou em jogar a garrafa fora. Quem iria beber baba de cachaça? Mas resolveu
deixar na prateleira de onde ela saiu. Sujeito estranho.
Tocou
a vida e a garrafa, já empoeirada, continuava no seu canto.
Certo
dia, Agenor recebeu um telefonema. Era urgente. Seu filho tinha caído do
cavalo.
Fechou
o boteco e correu para casa. Sua mulher, aos prantos ao lado da cama, e o
menino desacordado. Tinha batido a cabeça num cupinzeiro na hora da queda.
Logo
em seguida chegou o médico da cidade.
—
Temos que levar o moleque para a capital. Tem de ser medicado e fazer exames.
Acho que deu hemorragia interna.
Agenor
entrou em pânico.
—
Capital? Está a mais de 700km daqui…
O
médico ficou em silencio.
Em
pleno desespero, tentando achar alguma solução, lembrou-se da cachaça do
Capiroto.
O homem disse que era para entornar uma dose
se precisasse de algo.
Saiu
correndo da sua casa e abriu o bar.
Pegou
a cachaça que de tanto tempo no mesmo lugar,
tinha grudado na prateleira.
Puxou
a danada, abriu a garrafa e colocou no copo. Exatamente uma dose.
Tomou
num gole só. Esperou alguns segundos e fez o pedido: “Salva meu filho!”.
Tinha
quase certeza que não daria certo, mas seguiu as ordens do marvado.
Voltou
para casa, sem pressa e quando adentrou foi recebido pela esposa chorando, mas
de alegria.
—
Onde você foi, homem? Teu filho acordou!!! Está bem! Tanto que pedi para Deus!
Agenor,
incrédulo, entra no quarto e vê o moleque sentado na cama, sendo examinado pelo
médico.
—
Não sei explicar...acordou agora há pouco e levantou-se. Só reclama dos
arranhões. Está bem!!!
Agenor,
entendeu que o que fizera deu certo. A cachaça era milagrosa. Quem o visitou,
aquele dia, era um anjo, assim pensou ele.
Ele
nunca contou nada para ninguém e guardou a garrafa fora da vista de todos. E
assim, qualquer problema que Agenor passava, ele resolvia com uma dose da
cachaça. Mas um dia a garrafa secou.
Agenor
se lembrou que o homem lhe avisara que, quando a garrafa secasse, ele voltaria.
Dito e feito.
Três
dias depois do último gole, o carro importado para na porta do bar. Novamente o
homem muito bem vestido desce do carro.
Sentou-se
na cadeira e chamou:
—Alguém
para me servir????
Agenor
reconheceu a voz e saiu correndo da
cozinha.
—
Dr. Luz!!! Estava à sua espera!
—
Parece que sim... Cadê a garrafa?
Agenor
foi atrás do balcão e trouxe a garrafa vazia.
—É...
Parece que foi todinha!!!!! — e deu
risada enquanto virava a garrafa de ponta cabeça.
Ele
puxa um papel do bolso, surrado e dobrado em seis partes, e o abre.
—
Deixe eu ver... Salvou o filho, ganhou no bicho, conseguiu pegar a filha do
prefeito, matou a sogra; ela está puta com você, as vezes eu falo com ela. Não
era flor que se cheirasse.
E
a lista vai -se embora até a última dose.
—
Aproveitou bem e tudo para si!!!!!
Agenor
estava besta. Como ele sabia de tudo aquilo?
—
Dr. Luz, o senhor falou que eu podia…
-
Sim, sim… Perfeito. Senta aí. A conta é a seguinte: uma boa ação para, deixa eu
ver, 40 duvidosas em seu benefício e, que vergonha, algumas mortes!!!!
Via-se
o pânico no rosto de Agenor.
—Calma,
cabra. Para tudo tem um jeito. Tu sabes quem salvou teu filho, deu cabo da tua
sogra peçonhenta e tudo mais? Eu, Agenor!
Nisso
ele puxa do bolso um papel enrolado e, ao abri-lo, estava todo escrito à mão.
—
Esse é o contrato de prestação de serviços, que você vai assinar para comigo.
Tu vais botar três gotas de sangue do teu dedo anular direito aqui, no final da
página, e eu quero, também, uma gota dessa lágrima, que está escorrendo dos
seus olhos, no meio do documento.
Agenor
já sabia do que e de quem se tratava.
—
E se eu não assinar???
—
No dia que tu me pediste para salvar a vida do seu filho, a alma dele passou a
ser minha. Se você assinar esse contrato haverá uma transferência. A alma dele
fica livre e a sua fica sendo minha. Se você não assinar, pai e filho vão
desfrutar do meu acolhimento em minha casa! Mas eu preciso de muitos pobres de
espírito, que nem você, para levar comigo. O contrato também diz isso. Que tu
vais me ajudar a arrecadar mais almas com esse boteco!!!! O que não falta aqui
são desgraçados precisando de uma ajudinha e de um gole!!!. Assine e comece a
fazer esse boteco a render. Eu sou o gerente agora!!!
A
lágrima pingou primeiro.
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