O MONSTO DA FLORESTA DE CONÍFERAS - Narrativa Clássica de Terror - Theodore Roosevelt
O
MONSTO DA FLORESTA DE CONÍFERAS
Theodore
Roosevelt (1858 – 1919)
(Presidente
dos EUA entre 1901 - 1909)
Tradução de Paulo Soriano
Os
homens da fronteira não são costumeiramente
muito supersticiosos, já que levam uma vida muito dura e prática, e têm uma
curta imaginação para coisas espirituais e sobrenaturais. Enquanto vivi na
fronteira, ouvi poucas histórias de fantasmas, e essas poucas narrativas eram
de um tipo perfeitamente comum e convencional. Mas, certa feita, ouvi uma
história sobre uma estranha criatura que
sobremodo me impressionou.
Foi
um velho caçador das montanhas — grisalho e castigado pelo tempo —, chamado
Bauman, que, tendo nascido e passado a vida inteira na fronteira, me contou a
história.
Bauman
devia mesmo acreditar no que me narrou, pois com dificuldade logrou reprimir um
calafrio em certos pontos da história. Todavia, como tinha ascendência alemã,
foi, na infância, sem dúvida alguma, saturado com todos os tipos de tradições
de fantasmas e duendes, razão pela qual trazia, latente em sua mente, aquelas assustadoras
superstições. Além disso, Bauman conhecia bem as histórias, contadas pelos
pajés nos acampamentos de inverno, sobre as entidades que caminham na neve, os espectros e os malignos
seres amorfos dedicados a assombrar as
profundezas das florestas, e a rastrear
e perseguir os andarilhos solitários que, após o anoitecer, transitam pelas regiões
onde se refugiam. É mesmo possível que, vencido pela terrível sina que se abateu sobre
seu amigo, e oprimido pelo terrível pavor do desconhecido, tenha ele passado a atribuir
um caráter sobrenatural ao que seria apenas uma fera selvagem anormalmente
perversa e astuta, de molde que essa atribuição, concebida na época dos
acontecimentos, impregnou as suas lembranças. Mas se realmente foi assim, ninguém
pode dizer.
Quando
o correu o incidente, Bauman ainda era jovem. Fazia, na ocasião, com um companheiro,
uma caçada com o emprego de armadilhas, entre as montanhas que separam a
cabeceira do Rio Wisdon das bifurcações do Salmon. Não tendo tido muita sorte,
ele e o seu companheiro decidiram enveredar por uma passagem particularmente
selvagem e solitária, por onde corria um pequeno riacho em que, dizia-se, havia
muitos castores. A passagem tinha uma má reputação porque, no ano anterior, um
caçador solitário, que havia vagado por ela, foi provavelmente morto por uma
fera. Uns garimpeiros, que haviam passado por seu acampamento na noite anterior,
encontraram seus restos mortais meio devorados.
A
memória desse acontecimento, todavia, pesava muito levemente na mente de dois
caçadores que, como é frequente entre os de sua espécie, eram tão aventureiros
quanto obstinados. Bauman e seu companheiro levaram seus dois mirrados pôneis
montanheses até a abertura da passagem para a floresta, deixando-os num prado
aberto, habitado por castores. A passagem, cujo solo rochoso era forrado de troncos
de madeira morta, era impraticável aos cavalos. Então, partiram a pé através da
vasta e sombria floresta e, cerca de quatro horas depois, alcançaram uma
pequena clareira onde decidiram acampar, pois lá havia muitos sinais de caça.
Faltando
uma ou duas horas para o amanhecer, depois de construírem um abrigo de madeira,
onde deixaram as suas mochilas, os caçadores puseram-se a caminho, margeando o
rio. Dada a quantidade de madeira tombada no caminho, a região, muito densa,
era de difícil trânsito, embora a floresta sombria fosse interrompida
intermitentemente por pequenas clareiras cobertas pela vegetação montanhesa rasteira.
Ao anoitecer, retornaram ao acampamento na clareira. Esta tinha poucas jardas
de largura e os pinheiros e abetos, altos e próximos, erguiam-se em torno dela
como uma parede. De um lado havia um pequeno riacho, para além do qual se
erguiam as encostas íngremes das montanhas, cobertas pela floresta perene, em
contínuo crescimento.
Os
caçadores surpreenderam-se ao descobrir que, durante a sua ausência, algo —
aparentemente um urso — havia visitado o acampamento, vasculhado as suas
coisas, espalhando o conteúdo de suas mochilas e, por pura devassidão,
destruído o abrigo que tinham erigido. As pegadas do animal eram bastante claras,
mas, a princípio, eles não lhe prestaram especial atenção, ocupados que estavam
em reconstruir o abrigo, refazer os leitos, organizar as provisões e acender o
fogo.
Enquanto
Bauman preparava a refeição, já estando escuro, seu companheiro passou a
examinar os rastros mais de perto. Tirou, assim, um graveto do fogo para seguir
a trilha, refazendo o percurso do intruso ao deixar acampamento. Quando o lume
do graveto se apagou, ele voltou e tomou outro, repetindo a inspeção das
pegadas bem de perto. Voltando à fogueira, permaneceu imóvel por um ou dois
minutos, com os olhos fitos na escuridão. De repente, comentou:
—Bauman,
aquele urso andava sobre duas pernas.
Bauman
riu disso, mas seu parceiro insistiu em que estava certo e, examinado novamente
os rastros com uma tocha, os caçadores concluíram que os vestígios pareciam ter
sido feitos, realmente, por duas patas ou pés. No entanto, estava escuro demais
para se ter certeza. Tendo discutido sobre se as pegadas poderiam ser humanas,
os dois homens, chegando a uma conclusão negativa, enrolaram-se em seus
cobertores e foram dormir sob o abrigo. À meia-noite, Bauman, despertado por um
ruído, sentou-se em seus cobertores. Ao fazê-lo, chegou-lhe às narinas um
pungente odor de animal selvagem, e ele captou o movimento de um grande corpo,
na escuridão, à abertura da clareira. Agarrando seu rifle, Bauman disparou
contra aquela vaga e ameaçadora sombra, mas deve ter errado, pois logo depois
ele ouviu o estilhaçar da madeira quando a coisa, ou o que quer que fosse,
correu rumo à escuridão impenetrável da floresta e da noite.
Depois
disso, os dois homens dormiram um pouco, postando-se junto ao fogo reacendido,
mas nada mais ouviram. De manhã, eles examinaram as poucas armadilhas que
haviam armado na noite anterior e puseram outras novas. Num tácito acordo, os
caçadores permaneceram juntos o dia todo e voltaram ao acampamento ao
anoitecer. Ao se aproximarem, eles viram, sem grande surpresa, que o abrigo
havia sido derrubado novamente. O visitante do dia anterior havia retornado e,
com desenfreada malícia, havia revirado os apetrechos de acampamento e os
cobertores, e destruído o abrigo. O chão, marcado pelos seus rastros, permitia
concluir que o visitante, ao deixar o acampamento, percorrera a terra macia
junto ao riacho. Lá, as pegadas eram tão claras que pareciam impressas na neve
e, após um exame cuidadoso, revelaram que o ente que as produziu caminhava
mesmo sobre duas pernas.
Deveras
preocupados, os homens juntaram uma grande pilha de toras de madeira morta e
mantiveram acesa a fogueira durante toda a noite, enquanto, sentados, montavam
guarda, em revezamento, a maior parte do tempo. Por volta da meia-noite, a
coisa desceu a floresta, atravessou do riacho e permaneceu na encosta por quase
uma hora. Os caçadores podiam ouvir os galhos estalando enquanto ela se movia e,
várias vezes, a coisa emitiu um gemido áspero, ríspido e prolongado, produzindo
um som peculiarmente sinistro. No entanto, não se aventurou a aproximar-se da
fogueira. De manhã, os dois caçadores, após discutirem os estranhos
acontecimentos das últimas 36 horas, decidiram que carregariam suas mochilas e
deixariam o vale naquela tarde. Pesava nesta decisão a evidência de que, apesar dos bons sinais de caça, pouquíssima
pele de animais haviam obtido até então. Todavia, era necessário, primeiro,
seguir a linha de suas armadilhas e recolhê-las, e foi o que eles se dispuseram
a fazer. Durante toda a manhã, permaneceram juntos, recolhendo armadilha após
armadilha, todas elas vazias. Assim que deixaram o acampamento, tiveram a
desagradável sensação de que eram seguidos. No denso bosque de abetos, ouviam,
ocasionalmente, o estalido de galhos partindo, já depois de terem passado. E,
de vez em quando, escutavam um ligeiro farfalhar entre os jovens pinheiros a
seu lado.
Ao
meio-dia, estavam de volta, a algumas milhas do acampamento. Sob a luz forte do
Sol, aqueles temores pareciam absurdos a dois homens armados, acostumados, como
estavam, após longos anos de expedições solitárias nas florestas, a enfrentar
todo tipo de perigo humano, animal ou decorrente das intempéries. Havia ainda
três armadilhas de castores para coletar num pequeno lago, situado em uma
grande ravina próxima. Bauman se ofereceu para recolhê-las e trazê-las,
enquanto seu companheiro seguiria ao acampamento e prepararia as mochilas.
Ao
chegar ao lago, Bauman encontrou três castores nas armadilhas, um dos quais se
soltou e correu a uma casa de castores. Levou várias horas para apanhar e
preparar os animais e, quando voltou ao acampamento, notou, com certa
inquietação, o quão baixo o Sol estava. Ao correr ao acampamento, sob as altas
árvores, o silêncio e a desolação da floresta pesavam sobre ele. Seus passos não
ressoavam nas agulhas dos pinheiros e os raios oblíquos de sol, passando em
meio aos troncos eretos, produziam um crepúsculo cinzento, no qual os objetos,
à distância, cintilavam indistintamente. Nada havia para quebrar aquela
taciturna quietude que, quando não há brisa, paira sempre sobre essas sombrias
florestas primitivas. Por fim, Bauman chegou à beira da pequena clareira onde
ficava o acampamento e, acercando-se dela, gritou. Não obteve, contudo,
resposta alguma. A fogueira tinha-se apagado, embora a sutil fumaça azulada
ainda galgasse, em espiral, a atmosfera.
Perto
dele estavam as mochilas embrulhadas e arrumadas. A princípio, Bauman não viu
ninguém; nem recebeu resposta ao seu chamado. Avançando, gritou novamente e, ao
fazê-lo, seus olhos pousaram no corpo do amigo, estendido ao lado do tronco de
um grande abeto caído. Correndo em sua direção, o caçador descobriu,
horrorizado, que, embora ainda conservasse calor, o seu amigo tinha o pescoço
partido. Havia quatro grandes marcas de caninos na garganta do cadáver. As
pegadas da criatura-fera desconhecida, impressas nas profundezas do solo macio,
contavam toda a história. O infeliz, tendo acabado de fazer as malas, sentou-se
no tronco de abeto com o rosto voltado para a fogueira e as costas para a
espessa floresta, esperando pelo companheiro. Enquanto assim aguardava, o seu
monstruoso agressor — que devia estar espreitando na floresta, esperando uma
oportunidade para apanhar desprevenido um dos aventureiros — veio furtivamente por
trás, caminhando com passos longos e silenciosos, provavelmente sobre duas
pernas. Evidentemente inaudito, aproximou-se do homem e, puxando-lhe a cabeça
para trás com os membros dianteiros, quebrou-lhe o pescoço, enquanto enterrava
os dentes em sua garganta. Não tinha devorado o corpo, mas, aparentemente,
brincara e saltitara em torno dele, com uma alegria rude e feroz,
ocasionalmente rolando sobre o cadáver. Depois, fugira para as profundezas
silenciosas da floresta.
Bauman,
tomado de grande nervosismo, acreditando que a criatura com a qual tinha que
lidar era algo meio humano e meio demônio — alguma grande besta sobrenatural —,
largou tudo ali mesmo, exceto o seu rifle, e disparou em alta velocidade pelo
desfiladeiro, sem parar, até chegar ao prado de castores onde os mirrados pôneis
ainda pastavam. Montando, cavalgou durante a noite inteira, até ficar fora do
alcance de seu perseguidor.
Fonte: The
Wilderness Hunter, G. P. Putnam’s Sons, 1893.
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