O ANEL DEMONÍACO - Conto Clássico de Terror - Amédeé de Beaufort
O
ANEL DEMONÍACO
Amédeé
de Beaufort
(Séc.
XIX)
Tradução
de Paulo Soriano
Jeanne
Lambert era uma jovem mulher, nascida na aldeia de Saissac. Ela era querida por
sua inteligência e admirada por sua beleza. Mas foi esta beleza que a levou à
perdição. Frequentemente, passava horas a fio contemplando, no espelho de um riacho,
o seu semblante tão alvo e nobre quanto o de uma castelã. Muitas vezes, admirava
a pequenez e a forma requintada de seus pés e mãos, a delicadeza e elegância de
seu talhe.
Então,
com um suspiro, lamentava-se por vestir-se com simples e grosseira lã, enquanto
ouro e pedras preciosas desciam pelas vestes de brocado da velha senhora de
Saissac, quando, seguida por pajens e jovens cavaleiros, ia à igreja e
ajoelhava-se sobre uma suntuosa almofada de veludo. Pobre Jeanne! Não sabia que,
quando o coração de uma mulher se abre à vaidade, sua inimiga, a Serpente, a observa
e ronda em torno dela.
Certo
dia, ela viu, na igreja da aldeia, o senhor de Saissac rodeado por pajens e cavaleiros.
Ela não conseguiu rezar. Desejos pecaminosos penetraram em seu coração.
—Ah!
— disse ela. — De que me vale ser tão bonita, mas destinada a pastorear ovelhas?
Se eu fosse como as demais camponesas, não seria mais feliz? Oh, como eu
gostaria de tornar-me feia! Ou rica e nobre...
Ela
ainda falava quando um monge de alta estatura assomou em seu pequeno quarto.
—
Vim para satisfazer o teu desejo. Posso torná-la, à tua escolha, feia ou rica.
Jeanne
nada respondeu: o medo a havia petrificado.
—
Pegue este anel — continuou o monge. — Tens apenas que dizer as palavras
gravadas ao longo dele e tudo o que desejas será realizado.
Dizendo
estas palavras, desapareceu.
No
entanto, o anel permanecia em seu dedo. Ela, contudo, hesitava em mantê-lo
consigo. Pensou, primeiro, em jogá-lo fora. Mas estava curiosa. O misterioso
monge não havia imposto qualquer condição ao doar-lhe o anel. Além disto, se o
conservasse, seria obrigada a usá-lo. Assim, resolveu guardá-lo.
Estando
o fatídico anel em seu poder há oito dias, Jeanne já não era a mesma. Antes, os
seus companheiros a amavam porque ela era boa e sabia como compensar a sua
beleza; agora, porém, todos a acusavam de orgulho e altivez. E fugiam dela. E
ela sequer havia usado o seu talismã.
Jeanne
tornou-se sonhadora e distraída. Se alguém lhe falava, não ouvia ou respondia.
O que antes lhe aprazia, agora era motivo de desdém. Pois ela sabia que só
precisaria formular um desejo para desfrutar de todos os prazeres da terra. Ela
nem mesmo notava que os seus amigos a evitavam. O seu anel ocupava todos os
seus pensamentos e ela ansiava por experimentar o seu poder. Mas uma voz
secreta ainda a continha e murmurava-lhe que haveria sofrimento em seu caminho.
Ela lutava contra os seus desejos; mas, a cada dia, mais fascinada ficava pelo
misterioso poder do anel.
Certa
noite, recolhida em seu pequeno quarto, sentada em um banquinho, pôs-se pensar,
examinando, atentamente, aquele presente fatídico. De repente, seus cabelos,
desatados como se por uma mão invisível, inundaram seu pescoço com suas ondas
de seda.
—
Como é lindo o meu cabelo! — chorou, involuntariamente.
Então,
sussurrou:
—
Se eu quisesse, poderia me coroar com um capuz de veludo coberto com um diadema
de condessa. Oh, como eu ficaria linda e como gostaria de me ver assim!
E,
mecanicamente, ela leu as palavras todo-poderosas do anel. Imediatamente, uma
luz brilhante iluminou o seu quarto, e Jeanne viu-se sentada diante de um
espelho curiosamente cinzelado. O seu lindo cabelo escapava de um capuz de
veludo; um vestido, bordado com pérolas e debruado com pele de esquilo,
desenhava os graciosos contornos da sua cintura.
E
uma voz lhe disse:
—
Jeanne, tu és tão bela quanto uma rainha e mais pobre que uma camponesa. É maravilhoso
ser servida, sob um dossel, por pajens brasonados; é encantador, num torneio,
ser saudada como a rainha da beleza. Vê como estes ornamentos combinam com o
teu rosto, como estes ricos adornos parecem feitos para ti. Formula, pois, o
teu desejo e tudo isto será teu.
Então,
teve ela a impressão de que um profundo sono pesava sobre os seus olhos. Aquela
voz tornava-se cada vez mais fraca; por fim, cessou completamente.
No
dia seguinte, a moça acordou bastante abatida; tudo o que restava era uma
confusa recordação de todas essas magnificências e um desejo ardente de tê-las
para si.
Quinze
dias depois, na capela do castelo de Saissac, um velho capelão abençoava o
casamento do jovem conde de Saissac com a bela Jeanne. Ei-la agora: uma
condessa rica e adornada, escondendo sob um antigo brasão de armas o seu
obscuro nascimento e as humildes ocupações de sua infância. Mas a felicidade
não a acompanhou nesta grande fortuna.
Gauthier
de Saissac amava Jeanne com paixão; mas pouco importava a Joana ser amada: a
ambição não deixava espaço para o amor em seu coração. O que ela queria, agora,
não mais era um belo vestido para realçar sua figura: era o poder de uma
castelã, a obediência de muitos vassalos, a admiração de grandes e poderosos
senhores. Ela é, de fato, a condessa de Saissac, mas isso é apenas um título; o
comando pertence ao velho senhor de Saissac. Este pensamento se tornou sua
obsessão, e ela não era uma mulher que se deteria diante de um desejo cuja
satisfação dependia apenas de sua vontade. Que meios ela utilizou para aniquilar
um poder que a ofuscava? Ela empregou a força do anel? Ninguém sabe.
Seis
meses se passaram. No grande pátio do castelo, quatrocentos homens de armas
estavam reunidos. No ousado olhar dos soldados, cuja alegria não se deixava
constranger pela disciplina, era fácil ver que estavam prestes a intentar
alguma expedição aventureira. Finalmente, surgiu o líder. Coberto com uma rica
armadura adamascada de ouro, empunhava uma maça. O seu capacete exibia penachos
nas cores de Saissac. A viseira foi erguida, permitindo o vislumbre do rosto de
Jeanne. O suave semblante da jovem pastora havia dado lugar a uma fisionomia
severa e altiva. Ela montou agilmente em seu palafrém, voltou-se para o castelo
e acenou em despedida para Gauthier de Saissac, que, na sacada, parecia pálido
e sofrido. Então, partiu a galope.
Este
foi apenas o prelúdio de suas incursões guerreiras. Gauthier não tardou a
morrer de uma langorosa enfermidade. Joanna tornou-se a soberana absoluta do
castelo. Para conseguir aquela posição, havia pronunciado mais de uma vez as
palavras mágicas do anel. Mas o sucesso não satisfizera a sua ambição
devoradora. Sentada sozinha e onipotente na sua cadeira senhorial, a orgulhosa
condessa lançava à sua volta olhares aquilinos, parecendo uma águia à procura
da sua presa. A primeira vítima que escolheu foi o senhor de Montolieu, o seu
vizinho. Iniciou uma querela sobre os limites de seus feudos, e mandou intimar o
Barão de Montolieu, exigindo que viesse prestar homenagem à sua suserana.
—
Diga à condessa de Saissac — respondeu o barão — que, na França, a roca jamais
deve colidir com a espada.
Ao
ouvir essa resposta, a orgulhosa castelã respondeu:
—
Isso é bom. A roca de Jeanne de Saissac é mais pesada do que a espada do Senhor
de Montolieu.
E,
de fato, ela armou seus vassalos e, à guisa de maça, ela tomou para si uma roca
de ferro. O poder do anel não deixaria dúvidas quanto ao resultado da luta. O
cavaleiro foi derrotado. Atingido pela formidável arma de Jeanne, o barão ainda
pôde ouvir as palavras zombeteiras, que ela lhe dirigiu, ao aplicar-lhe o
derradeiro golpe com a sua terrível roca.
No
entanto, em meio à turbulência daquela vida de sangue e combates, o coração de
Jeanne empederniu. Tornou-se injusta, feroz, cruel, impiedosa. As suas conquistas
tornaram-na poderosa; a sua bravura, célebre. Mas a felicidade obstinou-se em
fugir dela. Ela era odiada como os tiranos são odiados; somente os seus homens
de armas a amavam pela sua dureza e coragem, que a cingiam a eles.
Certa
noite, estava ela, como sempre, sentada junto à ampla lareira gótica do grande
salão do castelo. A noite estava escura, e a lamparina, pendurada na abóbada,
lançava uma luz incerta à sua volta. A castelã estava triste e circunspecta,
mas seu coração era inacessível ao medo. De repente, o vento redobrou sua
fúria, a armadura produziu um rangido lúgubre, a tempestade esforçava-se por derruir
as revelhas muralhas do castelo. À luz de um relâmpago, Jeanne viu
assomar-se-lhe uma sombra. Ela reconheceu o monge.
—
Quem és tu? — exclama Jeanne, agarrando sua confiável roca.
—
Larga esta arma. Conta mim, ela é inútil! — disse-lhe o terrível espectro.
E,
imediatamente, a maça tombou, destroçada, a seus pés.
—
Não me reconheces? — acrescentou o espectro. — Vim resgatar o anel que te dei
há vinte anos; serviu-te bem, assim espero.
Jeanne,
apavorada, tentou arrancar o anel do dedo. Mas não conseguiu.
—
Oh, não é assim!... — disse o monge. — Este anel é o primeiro elo da corrente
que te liga a mim.
Jeanne
tentou enfrentar a aparição.
—
Que pacto me liga a ti? — gritou ela. — Eu prometi alguma coisa em troca do
anel?
—
Não, certamente — disse o monge. — Eu não te ofereceria um acordo: tu o
rejeitarias. Tu eras uma humilde e simples pastora, mas eu sabia que uso farias
do poder. Por isto, eu te dei o anel. Não é pelo anel que tu és minha. És minha
porque és parricida, porque sugaste o sangue de teus vassalos, porque derramaste
o de teus vizinhos. Tu me pertences pelos crimes que cometeste. Então, eu vim reivindicar
o que é meu.
Dizendo
tais palavras, pôs a mão flamejante no ombro de Jeanne, depois a agarrou nos
braços e, aproveitando o impulso, empurrou com o pé a casa senhorial, que
desabou com esse poderoso esforço. Diz-se em Saissac que o castelo não pôde ser
reconstruído e quando, numa noite sombria de novembro, se ouve o gemido do
vento ao percorrer as ruínas do castelo, os velhos dizem aos netos assustados:
—
Cuidado! É a senhora do castelo brandindo a sua roca!
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