UM FANTASMA À JANELA - Episódio gótico de 'O Morro dos Ventos Uivantes' - Narrativa Clássica Fantástica - Emily Brontë
UM FANTASMA À
JANELA
(Episódio gótico de O Morro dos
Ventos Uivantes)
Emily Brontë
(1818 – 1848)
Tradução de Paulo
Soriano
Virei-me
e dormitei. Sonhei novamente. Era um sonho mais perturbador que o primeiro, se
isto era possível.
Desta
vez, lembrei-me de que estava deitado no closet de carvalho e ouvi
distintamente as rajadas de vento e o cair da neve. Escutei, também, o galho de
abeto repetir seu ruído provocador, cuja causa eu conhecia. Aquele som era tão
desagradável que resolvi silenciá-lo, se pudesse. Então, pensei que me
levantava e me esforçava por abrir a janela. O gancho estava preso ao ferrolho,
circunstância que eu já observara quando acordado, mas que me fugira à
lembrança.
—
Tenho que acabar com isso, de um modo ou de outro! —murmurei, batendo com os
nós dos dedos na vidraça e esticando um braço para agarrar o galho importuno;
em vez disso, meus dedos se fecharam sobre os de uma mãozinha gelada!
O
intenso horror do pesadelo dominou-me: tentei puxar meu braço, mas a mão
agarrou-se a ele, e uma voz — a mais melancólica das vozes — gemeu:
—
Deixe-me entrar! Deixe-me entrar!
—
Quem é você? — perguntei, enquanto lutava por me soltar.
—
Catherine Linton — respondeu a trêmula voz (por que fantasiei Linton? Eu
havia lido Earnshaw vinte vezes mais que Linton). — Voltei para casa: eu
me perdi na charneca!
Enquanto
aquela voz fluía, percebi, na escuridão, um rosto jovem olhando pela janela. O
terror atiçou-me a crueldade; e, achando que seria inútil tentar livrar-me da
criatura, puxei seu pulso para a vidraça quebrada e esfreguei-o de um lado para
outro, até que o sangue escorresse e encharcasse os lençóis. Ainda assim, a
criatura gritava:
—
Deixe-me entrar!
E
continuou a apertar-me o braço tenazmente, a ponto de quase me enlouquecer de pavor.
—
Como posso fazer isto? — eu disse, por fim. — Se quer que eu a deixe entrar, solte-me
primeiro.
Os
dedos afrouxaram e eu puxei o meu braço pela greta. Apressadamente, empilhei os livros numa
pirâmide contra a vidraça partida e tampei meus ouvidos para não mais ouvir
aquela súplica lastimosa.
Creio
que mantive os ouvidos fechados por mais de um quarto de hora. No entanto, no
instante em que liberei os ouvidos, escutei novamente que aquele grito, aquele
gemido doloroso!
—
Vá embora! — gritei. — Jamais a deixarei entrar, ainda que me implore por vinte
anos.
—
Faz vinte anos — disse a voz, num lamento. — Vinte anos. Estou vagando, em
abandono, há vinte anos!
Então,
pelo lado de fora, algo começou a arranhar suavemente e a pilha de livros se
moveu em minha direção, como se tivesse sido empurrada.
Tentei
escapar, mas eu não conseguia mexer um membro. Então, gritei em voz alta, num
frenesi de pavor.
Para
minha perplexidade, descobri que o grito não era imaginário: passos apressados
se aproximaram da porta do meu quarto. Alguém a empurrou com uma mão vigorosa
e uma luz brilhou através das aberturas sobre a minha cama. Ainda a tremer, sentei-me
e enxuguei o suor da testa.
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