O MORTO-VIVO DE BERWICK - Narrativa Clássica de Terror - William of Newburgh




O MORTO-VIVO DE BERWICK

William of Newburgh

(1136 – 1198)

 

Também sabemos que outro evento, não muito diferente do que narramos[1], e igualmente extraordinário, aconteceu mais ou menos na mesma época, na região setentrional da Inglaterra.

Na foz do rio Tweed, sob a jurisdição do rei da Escócia, existe uma nobre cidade chamada Berwick.  Nessa cidade, um certo homem, muito rico (mas, como que se veio a saber depois, um grande tratante), havia sido enterrado. Mas, à noite, foi retirado de seu túmulo (em virtude de estratagema, como se crê, de Satanás) e passou a vagar de cá para lá, perseguido por uma matilha de cães que ladrava ruidosamente — despertando, assim, grande terror nos vizinhos —, e regressando ao seu túmulo antes do fim do dia.

Porque essa assombração continuava a se repetir por vários dias, e ninguém ousava pôr os pés fora de casa depois do anoitecer — eis que cada um temia um encontro com este monstro mortal —, as classes alta e média do povo realizaram uma necessária investigação sobre o que deveriam fazer. O povo mais simples temia negligenciar os cuidados e submeter-se a um severo espancamento por arte deste prodígio da sepultura. Mas a conclusão mais sábia era a de que, acaso se demorassem em adotar as providências para remediar aquele mal, o ar infectado e corrompido pelo constante vai-e-vem do cadáver pestilento traria enfermidade e morte em grande escala, o que evidenciava a necessidade de reagir ao malefício, conforme o demonstravam exemplos frequentes de casos semelhantes.  

Assim, eles arregimentaram dez jovens, famosos por sua bravura, para desenterrar a horrível carcaça, e, tendo-a cortado membro a membro, reduzi-la a alimento e combustível para as chamas.

Assim foi feito e o alvoroço cessou.

Além disso, afirma-se que o monstro, enquanto sustentado (como se diz) por Satanás, havia dito a algumas pessoas, com as quais por acaso se encontrara, que, enquanto o seu cadáver não fosse queimado, o povo não encontraria paz; mas, em sendo destruído pelo fogo, a tranquilidade ser-lhes-ia restituída. Mas a peste, que surgiu em consequência do cadáver deambulante, levou a maior parte daquelas testemunhas, já que a epidemia se instalara com um furor tal nunca visto noutros lugares, apesar de, nessa altura, grassar em todas as fronteiras da Inglaterra, como será explicado, mais detalhadamente, no seu devido lugar.

 

Versão em português de Paulo Soriano, a partir da tradução de Joseph Stevenson (1806 – 1895).



[1] Vide a narrativa “O Cadáver Deambulante de Buckingham”.



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