O CADÁVER DEAMBULANTE DE BUCKINGHAM - Narrativa Clássica de Terror - William of Newburgh
O CADÁVER DEAMBULANTE
DE BUCKINGHAM
William of Newburgh
(1136 – 1198)
Nestes
dias, um evento maravilhoso aconteceu no condado de Buckingham, que eu, em
primeira instância, ouvi parcialmente de certos amigos, e depois fui mais
detalhadamente informado por Stephen, o venerável arquidiácono daquela
província.
Um
certo homem morreu e, de acordo com o costume, pelo honroso esforço de sua
esposa e parentela, foi sepultado na véspera da Ascensão do Senhor.
Na
noite seguinte, porém, tendo subido ao leito onde repousava sua esposa, não só
a aterrorizou ao acordá-la, mas quase a esmagou com o peso insuportável de seu
corpo.
Tendo
voltado na noite subsequente, o cadáver voltou a afligir, da mesma maneira, a
atônita mulher que, assustada com o perigo, à medida que se aproximava a peleja
da terceira noite, cuidou de permanecer acordada e cercar-se de companheiros
vigilantes.
Mesmo
assim, ele veio. Mas, sendo repelido pelos gritos dos presentes, e vendo que
fora impedido de operar os seus malefícios, o cadáver partiu.
Uma
vez enxotado pela esposa, passou a perseguir, com semelhantes expedientes, seus
próprios irmãos, que moravam na mesma rua. Estes, porém, seguindo o cauteloso
exemplo da mulher, passaram as noites acordados com seus companheiros, prontos
para enfrentar e repelir o esperado perigo.
O
cadáver apareceu, no entanto, como se tivesse a esperança de surpreendê-los,
subjugados pela sonolência. Como,
todavia, restou repelido pela cautela e coragem dos vigilantes, o cadáver
causou tumulto entre os animais, tanto dentro como fora de casa, como sua
selvageria e movimentos incomuns testemunhavam.
Tendo,
assim, se tornado sério inconveniente para seus amigos e vizinhos, impôs a
todos a mesma necessidade de vigilância noturna. Naquela mesma rua, uma vigília
geral era mantida em cada casa, cada uma temendo sua súbita aproximação.
Depois
de assim provocar, por uns tempos, sozinho, semelhantes tumultos, ele começou a
vaguear, ao ar livre, à luz do dia, o que, de fato, parecia formidável para
todos, embora só fosse visível a apenas algumas pessoas. Com efeito, muitas
vezes, ao deparar-se com várias pessoas, ele aparecia apenas para uma ou duas,
embora, ao mesmo tempo, sua presença fosse notada pelos demais.
Por
fim, os habitantes, alarmados além da conta, julgaram conveniente buscar o
conselho da Igreja. Assim, em plangentes lamentos, detalharam todo o caso ao
arquidiácono acima mencionado, em uma reunião do clero que ele solenemente
presidia. Imediatamente, aquele clérigo relatou, por escrito, todas as
circunstâncias do caso ao venerável bispo de Lincoln, que então residia em
Londres, cujo apropriado parecer sobre um assunto tão pouco esclarecido deveria
ser aguardado. Mas o bispo, espantado
com o teor daquele relatório, realizou uma investigação minuciosa com seus
companheiros.
Alguns
testemunhos diziam que tais coisas aconteciam amiúde na Inglaterra, e citavam
outros frequentes exemplos, para evidenciar que a tranquilidade não poderia ser
restaurada ao povo até que o corpo daquele homem miserável fosse desenterrado e
queimado.
Este
procedimento, no entanto, pareceu indecente e impróprio, em último grau, ao
reverendo bispo que, logo depois, dirigiu uma carta de absolvição, escrita de
próprio punho, ao arquidiácono, a fim de que pudesse ser demonstrado, por meio
de inspeção, em que estado o corpo daquele homem realmente se encontrava.
Ordenou, assim, que seu túmulo fosse aberto e que, uma vez colocada a carta
sobre o peito, fosse novamente fechado.
Aberto
o sepulcro, encontraram o cadáver como lá havia sido encerrado. Depois, a carta
de absolvição foi depositada sobre seu peito e o sepulcro novamente fechado.
Desde então, o cadáver nunca mais foi visto vagando, nem lhe foi permitido
infligir aborrecimento ou terror a quem quer que seja.
Versão em português de
Paulo Soriano, a partir da tradução de Joseph Stevenson (1806 – 1895).
Genial. Adorei.
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