O SOFÁ - Conto Clássico de Mistério - Charles Dickens
O SOFÁ
Charles Dickens
(1812 – 1870)
Tradução de Paulo Soriano
—
O que essa gente jovem faz, às vezes, para arruinar-se e partir o coração de
seus amigos — disse o sargento Dornton — é surpreendente! No Hospital Saint
Blank, aconteceu-me um caso dessa espécie. Um caso nada agradável, de fato, e com
um terrível desfecho!
“O
secretário, o cirurgião-geral e o tesoureiro do Hospital Saint Blank foram à
Scotland Yard para denunciar vários roubos cometidos contra os seus alunos. Os
estudantes não podiam deixar nada nos bolsos de seus casacos, quando pendurados
nos cabides do hospital, pois era quase certo que seriam furtados. Pertences de
toda classe desapareciam constantemente e, porque o ladrão ou ladrões ainda não
haviam sido descobertos, os cavalheiros estavam naturalmente preocupados com os
furtos e com a reputação da instituição. Encarregado do caso, segui para hospital.
—
Pois bem, senhores — disse eu, depois de termos debatido o assunto —, suponho
que os pertences geralmente desaparecem num mesmo cômodo.
Eles
disseram que era mesmo assim.
—
Se me permitem — prossegui —, eu gostaria de examinar aquele cômodo.
O
cômodo era uma ampla sala do térreo, com algumas mesas e cadeiras, rodeada por
uma fileira de cabides para chapéus e casacos.
—
Agora, senhores — disse —, peço-lhes que me digam se suspeitam de alguém.
Disseram-me
que sim. Suspeitavam de um dos porteiros.
—
Eu queria — prossegui — que me dissessem quem é essa pessoa, pois gostaria de
ter uma conversa com ela.
Indicaram-me
a pessoa e eu me encarreguei dela. Depois, voltando ao hospital, disse-lhes:
—
Bem, senhores, digo-lhes que o ladrão não é o porteiro. Para a sua desgraça,
aprecia a bebida em demasia, e isto é bastante. Suspeito que esses roubos sejam
cometidos por um dos alunos. E se colocarem um sofá na sala onde estão os cabides
— já que nela não há armários —, creio que poderei descobrir o ladrão. Gostaria que me fizessem o favor de cobrir o
sofá com chita, ou coisa do gênero, para que eu possa me deitar de bruços,
debaixo dele, sem ser visto.
Providenciaram
o sofá e, no dia seguinte, às onze horas, antes que os alunos chegassem, eu
estava lá, acompanhado daqueles senhores, para me enfiar debaixo da mobília.
Acontece que era um daqueles sofás antiquados, com uma grande viga transversal
no fundo, que rebentaria prontamente as minhas costas se eu me metesse sob ele.
Teríamos um trabalho e tanto pela frente se quiséssemos contornar o empecilho a
tempo. No entanto, atirei-me àquela faina e, ajudado pelos cavalheiros,
consegui remover a barra e arranjar um lugar onde esconder-me. Enfiei-me debaixo
do sofá, debrucei-me, tomei o meu canivete e fiz um buraco na chita que me
permitiria espreitar convenientemente. Eu havia acertado com os cavalheiros
que, quando todos os alunos já estivessem nas enfermarias, um dos senhores deveria
entrar e pendurar um casaco em um dos cabides. E que essa peça deveria conter, em
um dos bolsos, uma carteira de dinheiro com notas marcadas.
Depois
de algum tempo, os alunos começaram a entrar na sala, de um em um, de dois em
dois e de três em três, conversando sobre todo tipo de coisa, sem imaginar que
havia alguém escondido sob o sofá. Depois, subiram as escadas. Por fim, entrou um estudante que esperou até
estar sozinho na sala. Era um jovem alto e formoso, de vinte e um ou vinte e
dois anos, com um bigodinho. Ele foi até um cabide específico, dele retirou um chapéu
excelente, ali mesmo o experimentou, pendurou o seu próprio chapéu no lugar do
que tirara e depositou o chapéu alheio no cabide onde estivera o seu, que
estava quase à minha frente. Tive então
certeza de que ele era o ladrão e que voltaria mais tarde.
Quando
todos já estavam no andar superior, o cavalheiro entrou com o casaco.
Mostrei-lhe onde pendurá-lo, para que eu pudesse ter dele uma boa visão, e
cavalheiro partiu. Debrucei-me sob o sofá por um par de horas, ou mais,
esperando.
Por
fim, aquele mesmo jovem desceu. Atravessou a sala assobiando — parou e escutou —,
deu outra caminhada e assobiou — parou novamente e escutou. Depois, começou a
contornar regularmente os cabides, apalpando os bolsos de todos os casacos.
Quando chegou ao casaco do cavalheiro e apalpou a carteira, pôs-se tão impaciente
e apressado que lhe rompeu a capa quando violentamente a abriu. Quando ele já
estava preses a enfiar o dinheiro no bolso, rastejei para fora do sofá e seus
olhos encontraram os meus.
Como
você pode ver, sou moreno. Mas, na época, eu estava pálido, porque a minha
saúde não ia bem e eu tinha a cara comprida como a de um cavalo. Além disso, uma
grande lufada de ar vinha da porta, passando por sob o sofá, e eu havia
amarrado um lenço na cabeça; assim, não sei o quão terrível estava a minha
aparência. Ele ficou azul — literalmente azul — quando me viu rastejando para
fora do sofá, e isto não me surpreendeu minimamente.
—
Eu sou detetive do Departamento de Polícia — disse-lhe — e permaneci deitado,
aqui, desde que você entrou na sala pela primeira vez, nesta manhã. Lamento, por
você e por seus amigos, que tenha feito o que fez. Mas este caso está
encerrado. Você tem a carteira na mão e o dinheiro consigo. Assim, devo levá-lo
sob custódia!
Como
era impossível apresentar qualquer argumento em seu favor, o jovem, em seu
julgamento, declarou-se culpado. Como ou quando ele conseguiu os meios, não
sei; mas, enquanto esperava a sentença, o estudante se envenenou na prisão de
Newgate”.
Perguntei
ao oficial, quando este concluiu a sua história, se o tempo lhe pareceu longo
ou curto, enquanto permanecia naquela incômoda posição, sob o sofá.
—
Veja bem, senhor — respondeu —, se ele não tivesse entrado da primeira vez e eu
não tivesse certeza de que ele era o ladrão — e, portanto, que voltaria —, o
tempo me teria parecido bastante longo. Mas, como estava absolutamente certo de
que ele era o criminoso, o tempo me pareceu deveras curto.
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