O ESPÍRITO DO CASTELO EGMONT - Narrativa Clássica Sobrenatural - Jean Regnalt de Segrais

 


O ESPÍRITO DO CASTELO EGMONT

Jean Regnalt de Segrais

(1624-1701)

Tradução de Paulo Soriano

 

O Sr. Patris havia acompanhado o Sr. Gaston até a Flandres, hospedando-se no castelo de Egmont. A hora do jantar havia chegado e, ao sair do quarto, dirigindo-se à sala de jantar, parou à porta de um oficial amigo seu, para que o acompanhasse. Bateu suficientemente forte. Vendo que o oficial não atendia, bateu pela segunda vez, chamando-o pelo nome. O oficial não respondeu. Como Patris não duvidava que o amigo estivesse no quarto, pois a chave permanecia na porta, abriu e, ao entrar, viu o seu amigo sentado em frente a uma mesa, num estado tal que parecia fora de si.

Aproximou-se bem de perto e perguntou o que lhe acontecia.  O oficial, voltando a si, disse ao seu amigo:

—Se tivesse visto o que acabei de ver, você não ficaria menos surpreso do que eu:  este livro mudou sozinho de lugar e suas páginas passavam por si mesmas.

Era o livro de Cardano[1] sobre a sutileza[2].

 — Ora, ora — disse Patris —, você está brincando! Tem a imaginação impregnada pelo que acabou de ler. Levantou-se de seu lugar, colocou por si mesmo o livro onde agora está, voltou depois para sua cadeira e, ao não encontrar mais o livro junto a si, acreditou que ele tivesse se movido sozinho.

 — O que digo é a mais pura verdade — continuou o oficial. — E como prova de que nada disto é uma visão, veja: a porta se abriu e tornou a se fechar. Foi por ela que se o espírito se retirou.

Patris abriu a porta, que dava para a galeria comprida, ao final da qual havia uma cadeira de madeira tão pesada que dois homens dificilmente poderiam carregá-la.  Observou que a cadeira se agitava, abandonava o seu lugar e se dirigia a ele, deslizando em pleno ar. Patris, um tanto assombrado, exclamou:

— Senhor demônio, à parte os interesses de Deus, eu sou vosso servo, mas vos rogo que não me aterrorizeis mais!

E a cadeira voltou ao mesmo lugar de onde tinha vindo.

Essa aventura impressionou muito Patris e contribuiu muito para torná-lo devoto.

Embora eu não tenha testemunhado nada disto, extraí uma positiva lição desta história. E não acredito que o sr. Patris, que era um homem sincero, e que me contou isso muito seriamente, quisesse inventar uma fábula somente para que eu a tomasse por verdadeira.

 

Fonte: Charles Nodier, Infernalia, e Aimé Leroy, Archives historiques et littéraires du Nord de la France et du Mide de la Belgique.



[1] Girolamo Cardano (1501-1576), erudito italiano.  A obra a que se refere o autor é De subtilitate rerum, publicada em 1550.

[2] Um dos quatro atributos do corpo glorioso, que consiste na aptidão de penetrar e perpassar outro corpo.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A MÃO DO MACACO - Conto Clássico de Terror - W. W. Jacobs

O CORAÇÃO DELATOR. Conto clássico de terror. Edgar Allan Poe

O RETRATO OVAL - Conto Clássico de Terror - Edgar Allan Poe

A MÃO MORENA - Conto Clássico de Terror - Arthur Conan Doyle