O ÍNCUBO E A DAMA INVICTA - Narrativa Clássica Sobrenatural - Ludovico Sinistrari
O ÍNCUBO E A
DAMA INVICTA
Ludovico Sinistrari
(1622 – 1701)
Há
cerca de vinte e cinco anos, quando eu era professor de Teologia Sagrada no
convento da Santa Cruz, em Pávia, vivia naquela cidade uma mulher casada de
moral irrepreensível e que era muito bem falada por todos os que a conheciam,
especialmente pelos frades. Chamava-se Hieronyma e morava na paróquia de São
Michael.
Um
dia, tendo amassado em o pão em casa, levou-o ao forneiro para assar. O forneiro trouxe-lhe os pães assados e,
entre eles, havia um grande bolo de formato peculiar, feito com manteiga e
pasta veneziana, como é comum naquela cidade.
Ela
se recusou a aceitá-lo, dizendo que não havia preparado bolo algum.
—
Mas — disse o homem do forno —, como eu só tinha esta encomenda, este bolo
seguramente veio de sua casa. A senhora provavelmente esqueceu-se dele.
A
boa senhora deixou-se persuadir e compartilhou o bolo com o marido, a filha de
três anos e a criada.
Na
noite seguinte, quando dormia com o marido, foi, de repente, despertada por uma
voz muito aguda, semelhante a um sibilo estridente, que sussurrava claramente em
seus ouvidos:
—
Gostou do bolo? — perguntava a voz.
A
boa senhora, assustada, começou a proteger-se com um sinal da cruz, chamando repetidamente
pelos nomes de Jesus e Maria.
—
Não tenha medo — disse a voz. — Não lhe quero fazer mal. Muito pelo contrário,
farei qualquer coisa para agradá-la. Estou cativado pela sua beleza e nada
desejo mais do que desfrutar dos seus abraços.
Ela
sentiu, então, que alguém beijava as suas bochechas. Fazia-o tão leve e
suavemente que o beijo parecia à dama uma carícia feita com a mais delicada pluma.
Todavia,
a dama, sem dar qualquer resposta, resistiu, repetindo continuamente os nomes
de Jesus e Maria e persignando-se. O tentador continuou por quase por quase
meia hora; depois, retirou-se.
Na
manhã seguinte, a senhora chamou o seu padre confessor, um homem discreto e
culto, que a confirmou na sua fé, exortou-a a manter a sua enérgica resistência
e a munir-se de algumas relíquias sagradas.
Nas
noites seguintes, prosseguiu o íncubo com as suas palavras e beijos tentadores,
ao passo que a mulher permanecia firme em sua constância.
Todavia,
cansada de tão doloroso e persistente assédio, seguindo o conselho de seu
confessor e de outros homens sérios, ela se submeteu ao exame de exorcistas experientes,
a fim de verificar se, por acaso, não estaria possuída. Não tendo encontrado
nela nenhum vestígio do espírito maligno, os exorcistas abençoaram a casa, o
quarto, a cama e ordenaram ao íncubo que cessasse os seus molestamentos. Tudo
em vão: ele continuou pior do que nunca, simulando estar enfermo de amor,
chorando e gemendo para derreter o coração da senhora, que, no entanto, pela
graça de Deus, permaneceu invicta.
O
íncubo, então, procurou agir por outros meios. Apareceu à senhora na forma de
um rapaz ou pequeno homem de grande beleza, que, vestido em elegantes trajes
espanhóis, tinha cachos dourados, barba de fios que que brilhavam como ouro,
olhos verdes, da cor do mar, que lembravam a flor de linho. Além disso,
aparecia para a dama mesmo quando esta estava acompanhada, choramingando como os
amantes, beijando-lhe a mão, e se esforçando por todos os meios para lograr os
seus abraços. Só ela o via e ouvia; para todas as outras pessoas, ele era
invisível.
A
boa senhora continuou a perseverar na sua admirável constância até que,
finalmente, depois de alguns meses de cortejo, o íncubo, indignado com o seu
desdém, recorreu a um novo tipo de perseguição. Primeiro, subtraiu-lhe uma cruz
de prata cheia de relíquias sagradas e uma cera sagrada ou cordeiro papal do
beato Pontífice Pio V, que ela sempre levava consigo. Então, deixando as
fechaduras intocadas, o íncubo furtou-lhe os anéis, e outras joias de ouro e
prata, do cofre onde estavam guardados. Em seguida, ele começou a golpeá-la
cruelmente, e, após cada surra, hematomas e marcas podiam ser vistos em seu
rosto, seus braços ou outras partes do corpo, que duravam um ou dois dias, e
depois desapareciam repentinamente, ao contrário dos hematomas naturais, que
desaparecem lenta e gradualmente.
Às
vezes, enquanto amamentava a filhinha, o demônio arrancava a criança de seu
seio e a colocava no telhado, na beirada da sarjeta, ou a escondia, mas sem
jamais machucá-la. Às vezes, revirava todos os móveis, ou reduzia em pedaços
panelas, pratos e outras louças de barro que, num piscar de olhos, restaurava
ao seu estado anterior.
Uma
noite em que ela estava deitada com o marido, o íncubo, aparecendo em sua forma
costumeira, insistiu com veemência em seu pedido, ao qual ela resistiu como
sempre. O íncubo se retirou em fúria, mas logo retornou com uma grande carga
daquelas telhas de que os genoveses e os habitantes da Ligúria em geral usam
para cobrir suas casas. Com essas pedras, ele construiu, ao redor da cama, uma
parede tão alta que chegava ao dossel, de molde que o casal não podia sair da
cama sem usar uma escada. Esta parede, entretanto, foi construída sem cal;
assim, ao serem retiradas, as telhas foram recolhidas em um canto onde, durante
dois dias, foram vistas por muitos que vieram contemplá-las; depois, desapareceram.
No
dia de Santo Estêvão, o marido convidou alguns amigos militares para jantar e,
para homenagear seus convivas, providenciou um repasto substancial. Enquanto
estavam, como de costume, lavando as mãos antes de se sentar, de repente a mesa
coberta desapareceu na sala de jantar. Todos os pratos, panelas, chaleiras,
pratos e louças da cozinha desapareceram da mesma forma, assim como os jarros, as
garrafas e os copos. É possível imaginar a surpresa, o estupor dos oito convidados.
Entre eles estava um capitão de
infantaria espanhol que, dirigindo-se aos presentes, disse-lhes:
—
Não tenham medo: é apenas um truque. Com certeza, a mesa está onde sempre
esteve. Em breve, tocando-a, eu a sentirei pelo tato.
Tendo
assim falado, o capitão avançou pela sala com os braços estendidos, esforçando-se
por segurar a mesa. Todavia, depois de muitas perambulações tortuosas, ficou
claro que ele labutava em vão, já que não agarrava senão o ar, o que extraiu o
riso de seus companheiros.
Sendo
já hora de jantar, cada convidado pegou sua capa e se preparou para voltar para
casa. Já tinham chegado à porta da rua, acompanhados pelo marido que, por
educação, os atendia, quando ouviram um grande barulho na sala de jantar. Puseram-se
a averiguar a causa do estrépito, e logo a criada subiu para anunciar que a
cozinha estava abastecida com novos recipientes cheios de comida, e que a mesa voltara
à antiga posição.
Tendo
retornado à sala de jantar, ficaram estupefatos ao ver que a mesa estava posta,
com toalhas, guardanapos, saleiros e bandejas, que não eram da casa, e com
alimentos que não haviam sido preparados ali. Estava tudo disposto num grande
aparador, em perfeita ordem de cálices de cristal, prata e ouro, com todos os
tipos de ânforas, decantadores e taças cheias de vinhos estrangeiros, da Ilha
de Creta, Campânia, Canárias, Reno etc. Na cozinha, havia também uma abundante
variedade de carnes em panelas e pratos, que nunca haviam sido vistos antes.
A
princípio, alguns dos convidados hesitaram se deviam provar aquela comida. No
entanto, encorajados por outros, eles se sentaram e logo participaram da
refeição, que consideram requintada. Imediatamente depois, enquanto permaneciam
sentados diante de um fogo tépido, os pratos, as sobras, tudo desapareceu, e em
seu lugar reapareceu o pano da casa e o alimento que havia sido anteriormente
cozido. Mas, por incrível que pareça, todos os convidados ficaram satisfeitos,
de modo que ninguém pensou em provar daquela comida depois de um jantar tão
magnífico. Uma prova clara de que as viandas substituídas eram reais e nada
fictícias.
Não
fosse enfadonho, eu poderia contar muitos outros truques ainda mais
surpreendentes que íncubo pregou na senhora. Basta dizer que, por vários anos, o
demônio perseverou em tentá-la; contudo, ao descobrir que pelejava em vão, desistiu
daquelas importunações vexatórias.
Versão em português de
Paulo Soriano, a partir da tradução inglesa, de autor não creditado (1879), da
tradução francesa de Isidore Liseux (1875).
Adorei
ResponderExcluiroi aqui é o Roger, muito bom esse conto, me fez lembrar que os íncubos e súcubos podem ser algo como os Djinn ou Djinni no plural. Aliás tenho em papel o livro OS VINGATIVOS DJINN, que não é ficção mas um brilhante estudo sobre eles.Na minha opinião, os habitantes das dimensões invisíveis, alguns deles, digo, podem descer a nossa dimensão de algum modo. Do mesmo modo que nós humanos , alguns, podemos subir pra dimensão seguinte através da projeção astral.
ResponderExcluirtem um site que explica bem esse negócio de íncubo e súcubo, clica no link
ResponderExcluirhttps://www.penumbralivros.com.br/2016/10/incubos-e-sucubos/