O BRACELETE DE CABELOS CADAVÉRICOS - Conto Clássico de Terror - Alexandre Dumas
O BRACELETE DE CABELOS CADAVÉRICOS
Alexandre Dumas
(1802 - 1870)
Eu
ia de Estrasburgo às caldas de Louesche e passava por Basileia – dizia-nos o
Sr. Alliette –, onde devia largar o coche público e alugar uma carruagem.
Chegando
ao Hotel da Coroa, que me haviam recomendado, procurei uma carruagem e pedi ao
dono do hotel que procurasse saber se alguém da cidade queria fazer a mesma
viagem que eu. Nesse caso, incumbi-lhe propor a essa pessoa uma associação que
tornaria menos dispendiosa e agradável a viagem.
À
noite, ele voltou, tendo achado o que lhe havia eu pedido. A mulher de um
comerciante, que acabava de perder um filhinho de três meses, a quem ela
própria amamentava, tinha, em consequência dessa perda, adoecido, e haviam-lhe
aconselhado as caldas de Louesche. Era seu primeiro filho e estava casada havia
um ano.
Muito
lhe tinha custado resolver-se a separar-se de seu marido. Venceram-na, porém,
as exigências da sua saúde, que a obrigavam a ir às caldas, e as necessidades
do comércio, que exigiam a presença do marido em Basileia. Partiu, pois, comigo
no dia seguinte, acompanhada só por uma criada.
Um
padre católico, cura de uma aldeola vizinha, tomou o quarto lugar.
No
dia seguinte, pelas oito horas da manhã, a carruagem veio receber-me. O padre
já se achava nela. Entrei, e fomos receber a senhora e sua criada.
Do
interior da carruagem assistimos à despedida do casal que, começada no interior
da casa, continuou na loja e só acabou na rua. Sem dúvida tinha a mulher algum
pressentimento, pois não podia consolar-se. Parecia que, em vez de partir para
uma viagem de cinquenta léguas, partia para dar a volta ao mundo.
O
marido parecia mais calmo do que ela. Todavia, estava mais taciturno do seria
razoável em uma separação como aquela.
Partimos,
por fim.
Eu
e o padre tínhamos cedido os dois melhores lugares à senhora e à sua criada;
estávamos, pois, na frente, e elas no fundo.
Tomamos
a estrada de Soleure, e no primeiro dia fomos dormir em Mundischwyll. Durante
todo o dia, a nossa companheira havia-se mostrado inquieta e atormentada. À
noite, vendo um coche que voltava para Basileia, queria tomá-lo e retornar para
casa. Sua criada conseguiu convencê-la a continuar a viagem.
No
dia seguinte, pusemo-nos a caminho pelas nove horas da manhã. A jornada seria
pequena, pois só devíamos ir a Soleure.
Pela
tarde, quando íamos avistando a cidade, a nossa enferma estremeceu.
–
Ah! – disse. – Pare! Estão nos perseguindo!
Inclinando-me,
olhei por fora da portinhola.
–
A senhora está enganada – disse. – A estrada está perfeitamente desocupada.
–
É estranho – insistiu. – Estou ouvindo o galope de um cavalo.
Julguei
não ter olhado bem. Debrucei-me mais para fora da carruagem.
–
Ninguém, senhora – disse-lhe.
Ela
mesma quis olhar e viu, como eu, que a estrada estava deserta.
–
Eu me enganei – disse-me ela, recostando-se no fundo da carruagem e fechando os
olhos, como uma mulher deseja concentrar em si mesma toda a sua reflexão.
Pusemo-nos
a caminho na manhã seguinte, bem cedo, pois devíamos ir a Berna. À mesma hora
que na véspera – isto é, pela volta das cinco horas –, nossa companheira saiu
da sonolência em que estava sepultada e, estendendo os braços para o cocheiro,
exclamou:
–
Pare! Desta vez eu estou certa que alguém está nos perseguindo.
–
Está enganada, senhora – respondeu esse homem. – Só vejo três camponeses que
acabam de cruzar-se conosco, e que vão seguindo o seu caminho.
–
Ora, estou ouvindo o galope de um cavalo!
Essas
palavras eram proferidas com tanta convicção que não pude deixar de olhar para
trás da carruagem.
Como
na véspera, a estrada estava de todo deserta.
–
É impossível, senhora – respondi. – Não vejo cavaleiro algum.
–
Como o senhor não vê o cavaleiro, se eu vejo a sombra de um homem e de um
cavalo?
Olhei
na direção da sua mão e, com efeito, vi a sombra de um homem e de um cavalo. Em
vão, porém, procurei pelos corpos que projetavam essas sombras.
Fiz
com que o padre reparasse nesse singular fenômeno. O clérigo persignou-se.
Pouco
a pouco essa sombra foi-se esvaecendo, tornando-se menos visível. Finalmente,
desapareceu completamente.
Entramos
em Berna. Todos esses presságios pareciam fatais à pobre mulher. Dizia
continuamente que queria voltar; todavia, continuava o seu caminho.
Como
resultado da inquietação do seu espírito, ou do progresso natural de sua
enfermidade, ao chegar a Thun, ela, de tão debilitada que estava, somente pôde
continuar a sua viagem de liteira. Assim atravessou o Kander-Thal e o Gemmi. Ao
chegar a Louesche, irrompeu uma erisipela e, por mais de um mês, ela permaneceu
cega e surda.
De
toda sorte, os seus pressentimentos não a tinham enganado. Mal havíamos caminhado
vinte léguas, o seu marido, em Basileia, fora acometido de uma febre cerebral.
Tão
rápidos progressos fez a doença que, sentindo nesse mesmo dia a gravidade de
seu estado, o marido mandou um homem a cavalo dar a notícia à sua mulher,
pedindo-lhe que voltasse. Mas, entre Lauffen e Breinteinbach, o cavalo
tropeçou, derrubando o cavaleiro, que, na queda, bateu com a cabeça numa pedra
e ficara recolhido em uma estalagem, sem nada poder fazer por quem o enviara, a
não ser adverti-lo do acidente que sofrera.
Então
o marido despachou outro mensageiro. Sem dúvida, porém, sobre eles pesava
alguma fatalidade. Na extremidade de Kander-Thal o emissário deixou a montaria
e tomou um guia para subir o Schwalbach, que separa Oberland do Valais. Mas, em
meio-caminho, uma massa de neve, desprendendo-se da montanha, o soterrara.
Neste ínterim, a enfermidade do marido fazia terríveis progressos. Haviam-lhe
raspado a cabeça, que tinha bastos e compridos cabelos, para aplicar-lhe gelo
no crânio. Daí por diante, o moribundo não mais conservou qualquer esperança.
Em um momento de tranquilidade, escrevera à mulher:
“Querida Bertha.
Estou
morrendo; não quero, porém, separar-me de todo de ti. Manda fazer um bracelete
com os cabelos que me acabam de cortar. Nunca o tires do braço; parece-me que
assim sempre estaremos juntos.
Teu
Frédérick.”
Depois
entregara essa carta a outro emissário, a quem ordenara que partisse logo que o
visse morto.
Isso
aconteceu nessa mesma tarde, e uma hora depois, o mensageiro partiu. Mais feliz
do que os seus predecessores, em cinco dias chegou a Louesche.
Porém,
encontrou a mulher cega e surda. Somente um mês depois, graças à eficácia das
caldas, essa dupla enfermidade começou a desaparecer. Só daí a um mês, tiveram
a coragem de dar-lhe a notícia, para a qual aquelas diversas visões a haviam
preparado.
Permanecera
nas caldas, para se restabelecer de todo, por mais um mês. Finalmente, após
três meses de ausência, voltou a Basileia.
Como
eu igualmente concluíra o meu tratamento – pois o que me levara às caldas fora
reumatismo, de que já me achava aliviado –, pedi-lhe licença para acompanhá-la,
o que ela aceitou com gratidão, pois em mim encontrava alguém com quem podia
conversar acerca de seu marido, que eu mal entrevera no momento da partida, mas
que, enfim, vira.
Deixamos
Louesche e, na noite do quinto dia, estávamos de volta a Basileia.
Nada
foi mais triste e mais doloroso do que a volta dessa pobre viúva para sua casa.
Como os dois jovens cônjuges não tinham família, morto o marido, haviam fechado
a loja: o comércio cessara como fenece o movimento de um pêndulo quando acaba
a corda. Chamou-se o médico que havia assistido o enfermo, as diversas pessoas
que tinham estado presentes nos seus últimos momentos e, com as suas
informações, pôde a pobre mulher recompor essa agonia, reconstruir essa morte
já esquecida pelos corações indiferentes.
Perguntou-lhes,
enfim, pelos cabelos que seu marido lhe havia legado.
O
médico recordou-se de tê-los mandado raspar, o barbeiro de ter cumprido a
ordem. De nada mais se lembravam: os cabelos não haviam sido guardados. Estavam
perdidos.
A
viúva ficou desesperada: esse único desejo do moribundo, de que levasse no
braço uma pulseira de seus cabelos, era, pois, impossível de realizar.
Muitas
noites se passaram, noites profundamente tristes, durante as quais a viúva,
sozinha em sua deserta casa, mais parecia uma sombra do que um ente vivo.
Assim
que deitava, ou, antes, assim que adormecia, sentia o seu braço direito cair entorpecido,
e acordava no momento em que esse torpor se estendia até o coração.
Ele
começava no punho, no lugar exato em que deveria estar a pulseira de cabelos, e
onde sentia uma pressão igual à de um bracelete de ferro muito apertado. E do
punho, como dissemos, o entorpecimento ia-se estendendo até o coração.
Era
evidente que o morto manifestava seu descontentamento por suas últimas vontades
terem sido tão mal executadas.
A
viúva compreendeu que esses pesares vinham de além-túmulo. Resolveu mandar
abrir a cova e, se a cabeça de seu marido não houvesse sido de todo raspada,
procurar nela cabelo o suficiente para realizar aquele derradeiro desejo.
Portanto,
sem dizer a ninguém os seus projetos, mandou chamar o coveiro.
Todavia,
o coveiro que havia enterrado o marido estava morto e o seu sucessor, que
assumira a função há apenas quinze dias, não sabia o lugar da sepultura.
Esperando
uma revelação – ela, que pela duplicação da aparição do cavalo, do cavaleiro,
pela pressão do bracelete, tinha o direito de acreditar em prodígios –,
dirigiu-se sozinha ao cemitério, sentou-se em um cômoro coberto da relva verde
e vivaz, como costuma crescer sobre os túmulos, e aí invocou algum novo sinal que
a guiasse nas suas buscas.
Um
funéreo quadro estava pintado na parede desse cemitério. Os seus olhos
fitaram-se na Morte, nessa figura ao mesmo tempo sarcástica e terrível.
Pareceu-lhe, então, que a morte levantava o braço descarnado e, com o ossudo
dedo, apontava-lhe um túmulo entre as derradeiras sepulturas.
Para
ela dirigiu-se a viúva e, quando lá chegou, pareceu-lhe ver com nitidez a Morte
deixar cair o braço, e voltar à sua primitiva posição.
Marcou
então com um sinal a sepultura, foi procurar o coveiro e trouxe-o ao lugar designado,
dizendo-lhe:
–
Cava. É aqui.
Eu
assisti a essa operação. Queria acompanhar essa maravilhosa aventura até o fim.
O
coveiro obedeceu.
Ao
atingir o caixão, ele ergueu a tampa. A princípio, hesitara. Mas a viúva lhe
dissera, com firmeza:
–
Abre. É o caixão do meu marido.
Ele
obedeceu, pois essa mulher sabia inspirar em quem a ouvia a confiança que ela
tinha em si mesma.
Apareceu,
então, uma coisa milagrosa, e que eu vi com os meus próprios olhos. Não só o
cadáver era o do seu marido, não só esse cadáver, afora a palidez, estava tal
qual fora ele enquanto vivo, como até, depois que haviam sido raspados – isto
é, desde o dia de sua morte –, os cabelos tinham crescido tanto que saíam como
raízes por todas as fendas do caixão.
Então
a mísera mulher inclinou-se para aquele cadáver que parecia apenas adormecido,
beijou-lhe a testa, cortou uma mecha desses compridos cabelos, tão
prodigiosamente crescidos na cabeça de um defunto, e mandou fazer um bracelete.
Desde
então, o entorpecimento noturno cessou. E sempre que estava na iminência de
sofrer um grande perigo, a viúva sentia uma suave pressão, um apertar amigo que
lhe dizia que tomasse cuidado...
Nota do editor:
Nota do Editor: Esta
narrativa integra o livro “Os mil e um fantasmas” (“Les mille et un Fantômes”),
escrito por Dumas com a colaboração de Paul Bocage e Paul L. Jacobs (de quem
publicamos o conto “A
mão do Lobisomem”), e publicado originalmente em 1849. Por motivos
editoriais, suprimimos parte do capítulo inicial. Atualizamos a ortografia.
Também fizemos adaptações textuais e correções de erros tipográficos.
Texto publicado,
originalmente, no periódico carioca O
Brasil entre 09 e 10 de outubro de 1849.
Tradução de autor
desconhecido.
Título original: “Le
Bracelet de Cheveux”.
esse quero ler hoje a noite, rss rss o título do conto é fodástico heim, vou ler.Frio sepulcral aqui no sul, vem logo verão! Assinado, Roger.
ResponderExcluirNossa! O Alexandre Dumas sabe escrever uma boa história!A tradução foi ótima.
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