TE AGUARDO EM TUA SEPULTURA - Conto de Terror - Maycon Guedes
TE AGUARDO EM
TUA SEPULTURA
Maycon Guedes
Não
sei quanto tempo mais eu tenho, mas preciso registrar isso. Ela tenta me
impedir de várias formas; sussurrando palavras aleatórias em meu ouvido, e
assim, me atrapalha enquanto escrevo; Ela pode, sutilmente, empurrar minha mão,
fazendo da minha escrita um garrancho; Ela pode, também, apagar a vela que
ilumina as folhas em que eu escrevo e, mesmo que eu volte a acender, alguns
segundos depois, Ela vem e apaga novamente. Não posso morrer sem antes deixar
tudo registrado, e de alguma forma, fazer com que minha irmã leia o que
escrevi, os horrores que passei, e alertá-la do perigo que a espera. Espero
poder concluir esta carta, tentarei ser o mais breve possível. Acredito não ter
muito tempo.
Ontem
eu acordei com a luz do Sol ardendo em meu rosto; um jeito horrível de
despertar, era como se o Sol viesse ao meu encontro, dentro do meu quarto,
pronto para me devorar. Minha janela estava sem cortina, e às duas da tarde, o
horário em que acordei, o Sol ardia e minha cabeça doía muito; uma ressaca
horrível! Nem lembro como cheguei em casa, mas lembro das dores que me assolam
há alguns dias. Disse para mim mesmo que nunca mais beberia assim novamente
—disse isso tantas outras vezes. A dor em meu tornozelo direito aumentara; foi
preciso massagear e fazer alguns movimentos com o pé — ainda na cama — para
depois de alguns minutos, eu finalmente conseguir me levantar. De onde vem essa
dor? Perto das oito da noite a dor no tornozelo diminuíra bastante: um alívio!
Mas, eu sentia uma sensação estranha, e não era culpa da ressaca; era uma
sensação fúnebre, melancólica, gélida; até mesmo em meu olfato, pois o cheiro
das coisas, que eu estava acostumado a sentir, parecia ter um odor diferente. O
aroma do coentro que eu tanto adoro, por exemplo, invadia minhas narinas com um
leve cheiro de vela de cemitério. Mais tarde, me preparei para dormir, e a
partir daí, tudo piorou! Foi uma madrugada horrível, mas não tão horrível
quanto o que eu encontrei ao acordar.
Esta
noite tive um pesadelo desesperador. Sonhei que um grande rato negro, do
tamanho de uma panela de pressão, com sua cabeça duas vezes maior, estava em
minha cama enquanto eu dormia, próximo aos meus pés, e ele me fixava com seu
olhar macabro. Seus olhos pareciam duas pequenas bolas de fogo, que iluminavam
sua face demoníaca na escuridão, deixando aparente seus grandes dentes sedentos
por carne humana. Impulsivamente ele abocanhou minha perna e começou a roer; eu
não podia me mover, enquanto ele cravava os dentes em minha carne, ligeiro —
imagine uma enxada cavando na terra dura — era essa imagem que eu via, seus
dentes como enxada, arrancando pedaços de mim, cavando sem parar. O sangue
escorria no lençol, e eu sentia seus dentes potentes batendo em meu osso, fortemente,
e os olhos infernais da criatura pareciam brilhar cada vez mais; um brilho de
prazer; e por um instante, eu juro ter visto aquele rato maldito sorrir, e sem
desviar os olhos de mim, cravava os dentes em meu osso. A dor foi tanta que me
fez acordar.
O
pior parecia ter acabado, mas, assim que tomei consciência de que tudo não
passava de um sonho, eu vi... vi aquela imagem que me causou um arrepio tão
forte, mas tão forte que minha nuca começou a formigar, e o arrepio foi
descendo por toda minha espinha dorsal, como água que desliza pelo interior da
mangueira. Lá estava Ela, agachada e pousada em cima dos meus pés, com seu
rosto escondido por longos cabelos grisalhos. Era uma mulher vestindo camisola
branca, a responsável pelas dores que eu sentia, a mulher que passou as últimas
noites pisando em mim. Ela não fazia movimento algum, e meus pés não aguentavam
mais todo aquele peso. Eu não podia me mover e, de repente, senti duas mãos
geladas e úmidas saindo de trás do meu travesseiro, deslizando pela minha
cabeça até chegar em minhas mandíbulas, se firmando com força, uma de cada
lado, impossibilitando minha cabeça de fazer algum movimento. E então, eu pude
ver aquela mulher se levantar bem devagar, ainda em cima dos meus pés, e eu,
sem poder me mover, observei ela vindo em minha direção, pisando agora em
minhas coxas, passando pela minha barriga com aquele pé frio e sujo,
lentamente. Quando ela chegou mais perto, pude notar sua camisola encardida;
uma sujeira que parecia terra molhada. Ela agachou e sentou em meu peito; ficou
me observando por alguns segundos. Foi aí que um forte vento, surgido do nada,
elevou seus cabelos, deixando sua face à mostra; era um rosto velho, enrugado,
com olhos negros e opacos, e ela tinha algodão no nariz. Sua boca se aproximou
de minha face e começou a espumar, uma espuma úmida e branca, e logo uma
espécie de gelatina densa e amarelada saía daquela boca decrépita, despejando
aquele excremento fétido em meu rosto. Finalmente pude me mover e, de súbito,
me levantei, e ela desapareceu instantaneamente.
Eu
não podia voltar a dormir; eram quase três da manhã. Saí de casa mancando, por
causa da dor que eu sentia. Havia uma carta em minha caixa de correio; devia
estar ali há alguns dias. Estranhei quando vi que era de minha irmã. Já faz
algum tempo que não nos comunicamos. Comecei a ler e tudo fez sentido. Na carta
dizia que, nossa tia Melissa faleceu, há cinco dias. Eu sabia que, mesmo com as
deformidades no rosto daquela mulher que estava em minha cama, ela me parecia
familiar. Era ela! O ser que me pisoteava durante a noite; era minha tia
Melissa; a velha voltou para se vingar de todos os nossos maus-tratos. A
deixamos sozinha para que morresse logo, pois ninguém aguentava passar um
minuto sequer ao lado da velha. Isso não é tudo, fizemos com ela coisas que eu
me envergonharia de contar a alguém.
Eu
ia responder a carta de minha irmã, que vive na cidade vizinha, mas antes, vim
até a casa de meu irmão, que não fica muito longe da minha, para dar-lhe a
notícia. Chegando aqui, entrei pela janela da cozinha depois de chamar e bater
na porta sem resposta. O motivo da minha invasão foi perceber que seu rádio
estava ligado, na madrugada, tocando jazz em alto volume, impedindo que ele
ouvisse meus gritos. Dentro da casa, chamei por ele, até que entrei em seu
quarto e vi uma cena tão assustadora quanto a que eu vi minutos atrás. Meu
irmão estava estirado na cama, com seu pescoço estranhamente deformado, como
uma peça de roupa que, depois de lavada, fora torcida por mãos fortes; em seus
tornozelos havia uma mancha negra e espessa, e seu rosto demonstrava muito
pavor; olhos arregalados, boca aberta, como se, mesmo depois de morto, ainda
tentasse gritar; uma visão horrível. Tentei correr para fora dali, mas não
podia, eu mal conseguia me mexer quando chegava perto da porta; era como em um
filme que eu tinha assistido anos atrás, onde as pessoas, misteriosamente, não
conseguiam sair de dentro de uma casa. O rádio que tocava jazz, agora chiava, e
me causava arrepios. Fui desligá-lo, quando uma voz gutural saindo do aparelho
me disse: te aguardo em tua sepultura!
Terei
o mesmo destino de meu irmão? Poderei escapar? Preciso avisar minha irmã. Tudo
se apagou e eu fiquei na escuridão, sem energia. E aqui estou, no quarto, com o
corpo de meu irmão à luz de velas. Estou tentando escrever, e espero que alguém
encontre esta carta, e possa entregar para minha irmã o mais depressa possível.
Meu irmão parece me encarar enquanto escrevo, parece estar vivo e rosnando
baixinho, querendo rir da minha cara. Sinto que ele vai vir para cima de mim.
Ele me encara com aqueles grandes olhos que refletem a chama da vela. Estou
convicto de que ele já faz parte das trevas, juntamente da tia Melissa, que
tenta me atormentar enquanto escrevo; maldita! Não posso vê-la, mas posso
senti-la bem próxima. Agora tenho certeza de que meu irmão está se tornando uma
criatura maligna; enquanto eu escrevia, eu percebia alguns pequenos movimentos
que ele fazia na cama, e seu olhar parece estar cada vez mais fixado em mim;
sinto que ele vai se levantar, eu sinto, e tenho muito medo; minhas mãos tremem
muito, estou desesperado; ele me assusta mais que a velha; que rosto maléfico!
Por que não para de me encarar? Sinto que ele está prestes a me atacar. Não sei
como terminará esta noite, não sei se estarei vivo, mas se você encontrou esta
carta, por favor, entregue a...
❤��
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