UMA MENSAGEM SEM FIO - Conto Clássico Sobrenatural - Ambrose Bierce
UMA MENSAGEM SEM
FIO
Ambrose Bierce
(1942 – 1914?)
Tradução de Paulo Soriano
No
verão de 1896, o Sr. William Holt, um rico industrial de Chicago, passava uma
temporada numa pequena cidade na região central do estado de Nova York, de cujo
nome este escritor não se recorda. O Sr. Holt havia tido “problemas com a
esposa”, de quem se separara há um ano. Se o problema fora algo mais sério do
que “incompatibilidade de gênios”, ele, provavelmente, é a única pessoa que
saberia dizer, eis que não nutria o hábito de fazer confidências. No entanto,
ele relatou o incidente aqui registado a pelo menos uma pessoa, mas sem exigir
um compromisso de sigilo. Hoje ele mora na Europa.
Certa
noite, Holt havia saído da casa de um irmão, a quem visitava, para um passeio
no campo. Pode-se presumir — seja qual for o valor da suposição em relação ao
que se diz ter ocorrido — que a sua mente estava ocupada com reflexões sobre
sua infelicidade conjugal e as angustiantes mudanças que elas provocaram em sua
vida.
Quaisquer
que possam ter sido os seus pensamentos, estes o dominavam de tal forma que Holt
não percebeu nem a passagem do tempo, nem para onde os seus passos o conduziam.
Sabia apenas que havia ultrapassado os limites da cidade e agora percorria uma
região solitária, seguindo por uma estrada que em nada se parecia com aquela
pela qual ele havia deixado a cidade. Em resumo, ele havia-se perdido.
Percebendo
a infeliz situação em que se metera, ele sorriu. A região central do estado de Nova York não é perigosa, e nela
ninguém permanece perdido por muito tempo. Dando meia volta, retornou pelo
caminho por onde viera. Não havia andado muito quando observou que a paisagem se
tornava mais nítida, mais reluzente. Tudo estava impregnado de um suave fulgor vermelho,
que fazia com que a sua sombra se projetasse à sua frente, alongando-se sobre a
estrada.
—
A Lua está nascendo — disse a si mesmo.
Então
ele se lembrou de que era época de Lua nova, e se aquele globo enganoso
estivesse num de seus estágios de visibilidade, já deveria ter-se posto há
muito tempo. Ele parou e olhou em volta, procurando a fonte da luz que rapidamente
se ampliava. A fazê-lo, sua sombra girou e se estendeu, diante dele, ao longo
da estrada, tal como estava quando ele permanecera
voltado para o lado contrário. A luz ainda se propagava de um foco às suas
costas. Isto lhe pareceu surpreendente e incompreensível. Girou nos calcanhares
várias vezes, fixando o olhar, sucessivamente, em cada ponto do horizonte. A sombra estava sempre à sua frente e a luz —
“um rubro fulgor imóvel e terrível” — sempre às suas costas.
Holt
ficou surpreso — “estupefato” é a palavra que ele usou ao contar a sua história
—, mas pareceu conservar uma certa curiosidade sensata. Para avaliar a
intensidade da luz, cuja causa e natureza ele não conseguia determinar, Holt
tomou seu relógio e tentou distinguir os números no mostrador. Eles eram
claramente visíveis, e os ponteiros indicavam que eram onze horas e vinte e
cinco minutos. Naquele instante, a luminosidade misteriosa, de repente, emitiu
um resplendor intenso, quase ofuscante, que clareou todo o firmamento, apagando
as estrelas, e lançou a monstruosa sombra de Holt contra a paisagem. Em meio
àquela luminosidade sobrenatural, ele viu, perto de si, mas aparentemente suspensa
no ar, a uma altura considerável, a figura de sua esposa, de camisola, segurando
no colo a figura de seu filho. Os olhos da mulher estavam fixos nos dele com uma
expressão que Holt, mais tarde, declarou-se incapaz de explicar ou descrever, malgrado
estivesse certo de que “não era deste mundo”.
O
clarão foi apenas momentâneo, seguido pela negra escuridão, na qual,
entretanto, a aparição ainda se mostrava branca e imóvel; em seguida, numa
gradação imperceptível, desbotou e desapareceu, como uma imagem cintilante que
persiste na retina depois que os olhos se fecham. Uma peculiaridade da
aparição, dificilmente notada na ocasião, mas depois rememorada, era que ela
exibia somente a metade superior da figura da mulher: nada se via da cintura
para baixo.
A
repentina escuridão não era absoluta, pois, gradualmente, todos os objetos que
o rodeavam se tornaram novamente visíveis.
Ao
amanhecer, Holt se viu entrando na cidade por um caminho oposto àquele em que a
deixara. Ele logo chegou à casa de seu irmão, que mal o reconheceu. Tinha os
olhos desvairados, abatidos e acinzentados, como os de um rato. De uma maneira
algo incoerente, ele relatou sua experiência noturna.
—
Vá para a cama, meu pobre companheiro — disse o irmão —, e espere. Depois
falaremos sobre isto.
Uma
hora depois, chegou o telegrama predestinado. A casa de Holt, situada num dos
subúrbios de Chicago, havia sido destruída por um incêndio. Cercada pelas
chamas, que impediam uma fuga, sua esposa aparecera numa das janelas superiores,
com o filho nos braços. Ali permaneceu parada, imóvel, aparentemente atordoada.
Assim que os bombeiros chegaram com uma escada, o chão cedeu e ela não mais foi
vista.
No
momento em que este horror atingia o seu ponto culminante, eram onze horas e
vinte e cinco minutos no horário padrão.
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