O SENHOR DA MORTE - Conto Clássico Fantástico - Flora Annie Steel
O SENHOR DA
MORTE
(Lenda indiana)
Flora Annie Steel
(1847-1929)
Tradução de Paulo Soriano
Há
muito tempo, havia uma estrada em que todos que por ela transitavam encontravam
a morte. Alguns diziam que a morte era causada por uma cobra; outros, atribuíam
a fatalidade a um escorpião. Mas uma coisa era certa: todos os que percorriam
aquela estrada morriam.
Certa
feita, um viajante — um homem muito velho — transitava pela estrada. Extenuado,
sentou-se em uma pedra para descansar. De repente, bem perto de si, viu um
escorpião do tamanho de um galo. Enquanto o homem o olhava, o escorpião
transformou-se numa horrenda serpente. O ancião, maravilhado, decidiu
acompanhar a criatura, que se afastava, para descobrir o que ela realmente seria.
A
cobra rastejou dia e noite e, atrás dela, como uma sombra, seguia o velho homem.
Certa vez, a serpente penetrou numa estalagem e matou vários
viajantes; outra, entrou no palácio do rei e o matou. Em seguida, ele
se arrastou pela tromba d'água até o palácio da rainha e matou a filha mais
nova do rei. Assim seguia o seu caminho e, aonde quer que fosse, ouviam-se
choros e lamentos. E o velho a perseguia, silencioso como uma sombra.
De
repente, a estrada tornou-se um rio largo, profundo e veloz, em cujas margens sentavam-se
alguns viajantes pobres, que ansiavam por fazer a travessia, mas não tinham
dinheiro para pagar a balsa. Então, a serpente se transformou num belo
búfalo, com um colar de latão e chocalhos ao redor do pescoço, e achegou-se à
beira do rio. Quando os pobres viajantes o viram, disseram:
—
Aquele animal vai nadar até os páramos onde vive, atravessando o rio. Subamos
em seu lombo e seguremos a sua cauda, de modo que nós também possamos
atravessá-lo.
Os
viajantes subiram ao dorso do animal e seguraram-no pela cauda. O búfalo nadou
com eles corajosamente. Mas, quando chegou ao meio, começou a escoicear, até
que, afinal, os homens caíram, ou se soltaram, e todos se afogaram.
Quando
o velho, que havia atravessado o rio num barco, chegou ao outro lado, o búfalo
havia desaparecido e em seu lugar havia um lindo boi. Ao ver esta bela
criatura vagando, um camponês, atingido pela cobiça, atraiu-o para sua
casa. O animal parecia muito dócil e deixou-se amarrar, sem reagir,
juntando-se aos demais. Mas, na calada da noite, transformou-se em serpente e
dizimou todo o rebanho. Depois, infiltrando-se sorrateiramente na casa, matou
toda a gente adormecida e partiu. Mas, atrás dele, seguia o ancião,
silencioso como uma sombra.
Logo
eles chegaram a outro rio, onde a cobra assumiu a forma de uma bela jovem,
linda de ser ver e coberta com joias caras. Depois de um tempo, dois soldados,
que eram irmãos, apareceram. Quando se aproximaram, a jovem mulher se pôs a
chorar amargamente.
—
O que foi que houve? — perguntaram os
irmãos. — Por que você, tão jovem e tão bela, senta-se à beira do rio, assim,
sozinha?
Então
a jovem-serpente respondeu:
—Meu
marido me levava para casa quando, tendo descido ao riacho, procurando a balsa,
achou por bem lavar o rosto. Então, escorregou e se afogou. Portanto, eu
já não tenho marido ou parentes!
—Não
tenha medo! — gritou o mais velho dos irmãos, que se enamorou de sua
beleza. — Venha comigo e eu me casarei com você.
—
Sim, mas com uma condição — respondeu a moça. — Você jamais me pedirá para fazer
qualquer trabalho doméstico. E tudo o quanto eu lhe pedir, você me dará.
—
Como um escravo, ser-lhe-ei obediente! — prometeu o jovem.
—
Então, vá imediatamente ao poço e traga-me um copo d'água. Seu irmão ficará comigo
— disse a jovem.
Mas,
quando o irmão mais velho se foi, a jovem-serpente voltou-se para o outro,
dizendo:
—
Fuja comigo, porque eu o amo! Minha promessa a seu irmão foi um ardil para
afastá-lo de nós!
—
Nada disto! — retrucou o jovem. — Você é a esposa prometida de meu irmão, e eu a
considero uma irmã.
Com
isso, a moça ficou furiosa. Chorou e lamentou, até que o irmão mais velho
voltou. Então ela gritou, chorando:
—
Ó marido, eis aqui um vilão! Seu irmão me pediu para fugir com ele,
abandonando-o.
Então,
uma amarga ira dominou o coração do irmão mais velho, que, sentindo-se traído, desembainhou
a espada e desafiou o mais jovem a uma luta.
Os
irmãos pelejaram o dia inteiro. Mas, ao anoitecer, jaziam os dois mortos no
campo.
A jovem recobrou a forma de serpente e, atrás
dela, seguia o velho, silencioso como uma sombra.
Mas,
por fim, ela se transformou num velho de barba branca. Quando aquele, que por
tanto tempo a seguia, viu alguém semelhante a si, tomou coragem e, maneando a
barba branca, perguntou:
—
Quem e o que é você?
Então
o velho sorriu e respondeu:
—Alguns
me chamam de Senhor da Morte[1],
porque eu trago a morte ao mundo.
—Dê-me
a morte — suplicou o outro —, pois eu o segui de longe, silencioso como uma
sombra, e estou cansado!
Mas
o Senhor da Morte balançou a cabeça, dizendo:
—
Não é assim que as coisas são! Eu só dou a morte para aqueles cujos anos
são fartos e você tem sessenta anos de vida pela frente!
Então
o velho de barba branca desapareceu. Mas se ele realmente era o Senhor da Morte
ou um demônio, quem pode dizer?
Fonte: Wide-Awake
Stories, 1884.
[1] Maliku'l-maut
é a variante mulçumana do nome; Kâl, a hindu. A crença é a de que todo
ser vivo tem um “Senhor da Morte” ligado a ele. Ele é representado nas “peças
da paixão”, tão comuns no Dasahrâ e noutros festivais, por um anão corcunda, retinto,
com lábios escarlates, que, preso por uma corrente a um “guardião”, gira em
torno de uma vareta negra. A ideia é que, enquanto essa corrente não estiver solta
ou rompida, a vida que ele deve tirar está segura. A tradição é provavelmente
de origem hindu. (N. de Richard Carnac Temple [1850 – 1931].)
Maliku lembra o Guardião do Umbral, o elemental que pede a senha ao espírito que intenta ir pra dimensoes superiores...
ResponderExcluirRoger.
sim.
ExcluirÉ O ROGER
otima historia parabens
ResponderExcluirMuito bom ,um pouco intrigante
ResponderExcluirHistória muito boa e intrigante 👏👏
ResponderExcluirmuito bom
ResponderExcluirmuito bom
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