O HIPNOTIZADOR DE RATOS - Conto Clássico Sobrenatural - Prosper Mérimée


 

O HIPNOTIZADOR DE RATOS

Prosper Mérimée

(1803 – 1870)

Tradução de autor anônimo do início do séc. XX

 

 

Há muitos anos, a população de Hamelin foi atormentada por uma inumerável multidão de ratos que vinha do Norte, em bandos tão cerrados que a terra estava toda coberta deles. Um carroceiro não ousaria, com a sua carroça e os seus cavalos, passar por um caminho por onde esses animais desfilassem. Tudo era rapidamente devorado por eles; e, numa granja, esses ratos tinham menos trabalho de comer uma tonelada de trigo que eu de beber um copo de vinho... Ratoeiras, armadilhas, venenos eram inúteis. Mandaram vir de Bremen um navio carregado com mil e cem gatos; mas de nada isso serviu. Por mil que se matavam, dez mil surgiam, e mais esfaimados que os primeiros. Numa palavra, se não se achasse um remédio para esse flagelo, nem um grão de trigo restaria em Hamelin e todos os habitantes morreriam de fome.

Eis, porém, que numa certa sexta-feira, se apresenta diante do burgo- mestre da cidade um homem alto, trigueiro, de grandes olhos, boca fendida até as orelhas, trajando um gibão vermelho, com um chapéu pontudo, calções guarnecidos de fitas, meias compridas cor de cinza, e sapatos de fivela cor de fogo. Trazia a tiracolo um saquinho de couro. Parece-me que estou ainda a vê-lo.

Ofereceu-se ao burgomestre para, mediante a paga de cem ducados, livrar a cidade do flagelo que a assolava.

O leitor bem pode imaginar que o burgomestre e os burgueses logo consentiram em aceitar o negócio.

Imediatamente o estrangeiro tirou de seu saquinho uma flauta de bronze; e tendo-se posto no meio da praça do mercado, de costas, note bem o leitor, para a igreja que ali havia, começou a tocar uma ária tão estranha e tal como jamais um flautista alemão houvera tocado!

Eis que, ouvindo essa ária, de todo os celeiros, de todos os buracos de parede, dos forros das habitações e dos tetos, ratos e ratazanas, às centenas e aos milhares, acorreram a ele. Sempre tocando a flauta, o estrangeiro encaminhou-se para o rio Weser; e, ali, tendo tirado os seus sapatos, entrou n'água, seguido de todos os ratos de Hamelin, que, desse modo, morreram todos afogados.

 



Mas, quando o estrangeiro se apresentou na Intendência, para receber a recompensa, o burgomestre e os burgueses, imaginando que poderiam regatear com o homem, que não tinha advogados, não tiveram pejo de oferecer cinco ducados, em vez dos cem que lhes haviam prometido. O estrangeiro protestou; e eles o mandaram andar. O homem ameaçou-os de os fazer pagar mais caro, se não cumprissem o contrato ao pé da letra. Os burgueses deram grandes gargalhadas diante dessa ameaça o puseram de porta fora, chamando-o de bom sedutor de ratos — injúria que os garotos da cidade repetiram, acompanhando o estrangeiro pelas ruas até a porta Nova.

Na sexta-feira seguinte, na hora meio-dia, o estrangeiro reapareceu na praça do mercado, mas, dessa vez com um chapéu cor de púrpura, de aba reviradas de uma maneira bizarra. Tirou de seu saquinho uma flauta muito diferente da primeira; e, desde que começou a tocá-la, todos os garotos da cidade, de 6 até 15 anos, o seguiram e saíram da cidade com ele.

 



Os habitantes de Hamelin seguiram atrás, até a montanha de Koppenberp, junto de uma caverna que está agora tapada. O tocador de flauta entrou na caverna e todos os garotos com ele. Durante algum tempo, ouviu-se o som da flauta. Depois, foi diminuindo, foi diminuindo, até que não se ouviu mais

Os garotos desapareceram e, desde então, não se ouviu mais falar deles!

 

Fonte: “Vamos Ler”, edição de 5 de maio de 1938.

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