APARIÇÕES E LOBISOMENS DE PIERRE-PLATE - Conto Clássico de Terror - Casimir Puichaud

 

APARIÇÕES E LOBISOMENS DE PIERRE-PLATE

Casimir Puichaud

(1853 – 19...?)

Tradução de Paulo Soriano

 

Condenado por Satanás a assumir a forma de animal e a percorrer sete cidades na noite da transformação, o lobisomem, cujo nome não devemos pronunciar, assumindo a forma horripilante, zomba dos homens e dos perigos aos quais todo mundo sucumbiria, volta para casa ao amanhecer, a menos que lhe ocorra um acidente fatal.  

Ao mínimo golpe de projétil ou arma benzida, o lobisomem retorna à sua verdadeira forma. Um novo ataque põe fim à sua existência. Citamos alguns que morreram miseravelmente em suas viagens aventureiras, e jazem privados de bênçãos e orações póstumas ao pé dos grandes carvalhos de Poitevin, guardiões fiéis do mistério das coisas que aconteceram sob suas negras sombras.

Conta a tradição que algumas pessoas de Moncoutant (Deux-Sèvres), que nos longínquos dias da juventude tinham o costume de frequentar as amigos, certa noite deixaram uma delas, situada em La Touche, dividida em dois grupos. O primeiro tomou o caminho mais direto. A dona da casa teve a curiosidade de perguntar ao outro grupo, composto por dois companheiros inseparáveis ​​e joviais, que direção eles iriam tomar para chegar à aldeia, que dali distava quinhentos passos.

— Vamos passar pelo Pierre-Plate — responderam.

Este nome, de origem céltica, sugere que outrora existiu naquele local um monumento megalítico, um dólmen desaparecido desde tempos imemoriais.

—Meus filhos — observou a anfitriã —, não passem pelo Pierre-Plate. Lá ocorrem aparições estranhas e todas as noites acontecem coisas assustadoras. Vocês vão se arrepender.

A juventude é um perigo e sempre corre para onde está o perigo. Isso explica por que os dois camaradas alimentavam o irresistível desejo de passar justamente pelo temível lugar.  Então, partiram.

A terra estava coberta de neve e o tempo estava claro.  À meia-noite, bateu no relógio da cidade. Chegando ao prado chamado Cormier, onde tomaram um trilha, por causa da estrada profunda e intransitável que se estendia por dois metros, viram um espetáculo que os prendeu no lugar e que permaneceu sempre vívida em suas mentes: o de um fantasma percorrendo a campina, a gemer.

—Acho que é a vaca da Colas — disse um dos companheiros.

— Não creio — respondeu o outro. —  Ninguém deixa ao relento o gado num tempo destes.

O fantasma continuou o seu trajeto, rumo à sebe da velha estrada, como se para cortar caminho, gemendo tão miseravelmente que os rapazes ficaram arrepiados. Sem sombra de dúvida, a aparição era um lobisomem. Viram-no montado sobre sebe seca, que rangeu alto.

— Vamos! — disse um dos heróis da história. — Vamos sacar nossa faca e correr na direção da besta. Não seremos objeto de zombaria amanhã. Vamos!

Aos gritos repetidos de: "Vamos matá-la, vamos matá-la!”, corajosamente avançaram.

Eles estavam quase a tocando a besta, com as armas ansiosas para afundar em na carne da aparição, quando esta sumiu com um estrondo de madeira quebrada, afundando na lama da cavidade da estrada.

—Vamos matá-la, vamos matá-la! — repetiram, descendo a ladeira. Quando chegaram embaixo, ouviram uma súplica:

—Não me machuquem, meus filhinhos.

O lobisomem era apenas um velho bêbado que voltava, ofegante, para casa. Ele havia escolhido um ponto meio lacunoso na sebe para galgá-lo, tentara ultrapassá-lo, mas, sem forças, terminara montando na cerca.  À medida que o perigo se aproximava, ele tentava escapar; sob seus esforços desesperados, a sebe cedeu. Ele estava preso em meio metro de neve e terra encharcada.

 A outra história é a de um homem que, a caminho de Pierre-Plate, testemunhou um acontecimento inexplicável, da qual não gostava que se falasse.

Certa noite, o homem passou por Pierre-Plate, acompanhado de seu cão, um animal valente, a quem nada jamais amedrontou.

A poucos passos deles, grande corpo caiu da toca, desaparecendo imediatamente ao tocar o chão. O cão passou por cima dele, latindo. Quando estava prestes a cair, retirou-se precipitadamente à retaguarda de seu dono, externando um terror profundo, insensível aos mais vigorosos encorajamentos e às mais enérgicas excitações.

No dia seguinte, a testemunha da cena, ao perceber este fenômeno surpreendente, voltou ao lugar, mas nada viu, e proibiu seus filhos de passarem pelo Pierre-Plate. Estes, apesar da proibição, foram ao lugar, e não viram nada.

Conta-se também que um jovem da região, indo ver sua namorada no final do dia, foi seguido por um cãozinho, ao qual que tentou várias vezes afugentar. O cão se afastava e voltava. Impaciente, bateu nele com tanta força com o bastão que lhe quebrou uma pata.

A pobre fera disse-lhe:

—Infeliz, você me causou um grande mal! Não conte a ninguém o que aconteceu.

O jovem ficou estupefato ao ouvir essas palavras saírem da boca de um animal, e mais perplexo ficou ao vê-lo assumir a forma de sua noiva. Assim, teve que carregá-la para casa, com a perna quebrada. O poder do amor! Ela o perdoou por sua brutalidade, o que, no entanto, a tornou coxa para sempre. Eles se casaram.

Certa noite, alguns jovens agarraram uma ovelha que haviam visto correr pelo pátio várias vezes e a arrastaram para casa.

—Você vai falar, lobisomem! — disseram.

A ovelha permaneceu em silêncio. Então, colocaram seu focinho na fogueira. Instantaneamente, sua pele caiu e desapareceu, revelando uma jovem de perfeita beleza completamente nua. Aquela radiante visão desmaiou imediatamente.

Caso alguém devolva um lobisomem à sua forma original, jamais deverá pronunciar o nome da pessoa transfigurada. Se o fizer, será acompanhado pela má sorte.

Entre Moncoutant e Courlay, no vau do Guérinière, existia, paralela à estrada, uma estreita passarela de pedra para pedestres. Certa noite, quando se aproximava do lugar, um servo viu, à sua frente, bloqueando a passagem, um animal que pensou ser um lobo.

Como passar era preciso, e o riacho era largo demais para que intentasse transpô-lo, o servo tomou a passarela. Corajoso e forte como era, o que ele teria a temer de um lobo vulgar, acanhado diante de quem não tinha medo? Assim, o homem avançou pronto para a luta, com a sua faca — benzida no Domingo de Ramos — em punho. O animal recuou. Mas, assim que o homem passou por ele, a fera arremessou-se contra o homem, e tão repentinamente que este não teve como usar sua arma.

Um furioso combate se seguiu, em que cada um dos adversários decuplicava sua força, impelido pela energia que assoma quando a vida está em jogo. Os lutadores caíram na lama. Um gritava; o outro mordia e uivava de ódio. E rasgaram-se um ao outro, sem trégua ou misericórdia, por um longo quarto de hora. Finalmente, o homem levou a melhor. Apertou o lobo com tanta força pela garganta que o animal gemeu, quase estrangulado.

Então o lobo, que era um lobisomem, falou:

— Tenha misericórdia de mim. Você não irá se arrepender.

O vencedor afrouxou os seus dedos de aço, que se esforçavam no pescoço da fera e a deixou ir. Então pegou sua faca e continuou seu caminho.

Na encruzilhada de la Forge, a besta caiu sobre o homem, sem que ele soubesse de onde veio. Travou-se uma nova luta, tão feroz quanto a anterior, e na qual o homem triunfou novamente.

Ele retomou o caminho com largas passadas, com os olhos fixos nas fogueiras, muito próximas, de Moncoutant. O lobisomem, pela terceira vez, tentou detê-lo. Mas o homem estava pronto para um novo confronto: a sua faca mergulhou no corpo do possesso, e estava pronta a mergulhar novamente. Ó prodígio! A fera havia se transformado em homem o seu adversário nele reconheceu um de seus vizinhos.

— Você me venceu — disse ele.  —É o destino, eu lhe perdoo. Lembre-se de que, se você contar o que aconteceu, logo estará morto.

O homem, que derrotara o lobisomem voltou para casa, com as roupas rasgadas, cobertas de lama, as mãos e o rosto sangrando. Havendo-se deitado, teve um sono foi agitado, e, durante toda a noite, delirou.

No dia seguinte, ele cometeu o erro de pronunciar o nome de quem o atacou. A partir de então, perdeu o apetite e não dormiu mais. Sua corada face desbotava um pouco mais a cada dia.

O homem, que era tão exuberante de saúde, tão transbordante de vida, morreu de consunção um ano depois.

 

Fonte: “La Tradition en Poitou et Charentes. Art populaire, ethnographie, folklore, hagiographie, histoire”; apud “La France Pittoresque”.

 


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