O ESPECTRO QUE RECLAMA VINGANÇA - Conto Clássico de Terror - Charles Nodier

 

O ESPECTRO QUE RECLAMA VINGANÇA

Charles Nodier

(1780 – 1844)

Tradução de Paulo Soriano

 

No século XIII, o conde de Belmonte (em Montferrat) concebeu uma violenta paixão pela filha de um dos seus servos. Ela se chamava Abélina. O conde devia desfrutar do Direito de Senhor sobre ela[1]; mas ninguém parecia ter pressa em casá-la, e seu ardor impaciente se ofendia com aquela morosidade.

Certo dia, enquanto caçava, encontrou a jovem Abélina guardando os rebanhos de seu pai. O conde perguntou à jovem por que não lhe davam marido.

— Sois vós a causa disso, meu senhor — ela respondeu. — Os jovens não querem sofrer mais a desonra e a vergonha do direito que vós tendes de passar com as suas mulheres a primeira noite de bodas. E nossos pais já não nos querem casar até que o direito de primeira noite seja abolido.

O senhor de Belmonte ocultou seu despeito e mandou que dissessem ao pai da jovem que queria vê-lo.

O velho Cecco (este era o nome do pai de Abélina) se dirigiu imediatamente ao castelo. A noite chegou e, contra o seu costume, Cecco não voltou para casa. Deram doze horas, Cecco ainda não retornara; estaria morto? No momento em que sua mulher e sua filha começavam a perder toda a esperança, uma sombra de desmesurado tamanho apareceu, sem fazer barulho, no quarto. As duas mulheres, horrorizadas, apenas se atreveram a levantar os olhos.

O fantasma se aproxima e lhes diz:

— Sou a alma de vosso Cecco.

— Oh, meu pai! — exclama Abélina. — Que bárbaro vos tirou a vida?

— O tirano de Belmonte acaba de assassinar-me — respondeu o fantasma —, e tu és a causa inocente de minha morte. Eu me dirigia — pois tu me trouxeste a ordem — ao castelo do monstro. Oxalá nunca houvesse encontrado a entrada. Mas não podia escapar das cruéis mãos do suserano. Enquanto me introduzia num recinto um pouco escuro, pus o pé em um alçapão, que afundou. Caí em um poço profundo, cheio de ferros afiados, onde logo a vida me abandonou. Cruzei as portas da terrível eternidade. Estou esperando a minha sentença. Serei julgado por minhas obras, mas conto com a clemência inefável de meu Deus, e minha consciência está limpa. Se tu queres a teu pai, se choras por sua morte — oh, filha minha! —, pensa em vingar-me, em libertar a tua pátria. E tu, esposa muito amada, seca as tuas lágrimas e fica em paz. Os dias aprazíveis se aproximam, a tirania vai cair...

Então a sombra, cheia de luz, resplandeceu e desapareceu em meio a uma nuvem. O único rastro que ficou de sua aparição foi a marca da mão que se havia apoiado no respaldo de uma cadeira.

A profecia do espectro se cumpriu: pouco tempo depois, os camponeses de Belmonte se revoltaram, mataram seu senhor, destruíram a cidadela e fundaram livremente a pequena cidade de Nice de la Paille[2].

 



[1] Ou seja, o Direito da Primeira Noite, instituição que teria vingado na Idade Média, e que conferia ao senhor feudal o poder de desvirginar a noiva vassala na sua noite de núpcias. (Nota do editor.)

[2] Ou seja, Nizza Monferrato, uma cidade italiana de Asti, na região do Piemonte. Considera-se a data de sua fundação o ano de 1225. Reza uma antiga lenda que a fundação de Nizza decorreu de uma rebelião de camponeses contra os senhores do lugar, em razão do exercício do Direito da Primeira Noite sobre as moças recém-casadas. (Nota do editor.)

 

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