O ESPÍRITO DA MONTANHA - Conto Clássico de Terror - Pu Songling
O ESPÍRITO DA MONTANHA
Pu Songling
(1640 – 1715)
Eis o que Sun Taibai me contou:
“Meu bisavô estudava num mosteiro budista da
Ravina dos Salgueiros, na região das montanhas Nanshan. Voltou ele à sua aldeia
para ali passar dez dias, durante a temporada de colheita de trigo, e depois
retornou ao templo. Ao abrir a porta de seu estúdio, encontrou-o coberto de pó
e a janela cheia de teias de aranha. Mandou um servo cuidar do recinto, mas,
até o cair da noite, o estúdio não estava suficientemente limpo.
“Preparou a cama, passou o ferrolho na porta e
deitou-se. A luz da Lua entrava pela janela. Naquele ambiente, reinava um
silêncio sepulcral. De repente, ouviu o barulho do vento e o rangido de uma das
portas externas do templo. Pensou que, provavelmente, um dos monges
esquecera-se de fechá-la a contento. Em questão de instantes, percebeu que o
som se aproximava cada vez mais, até que, subitamente, a porta exterior se
abriu. Aquilo lhe pareceu muito estranho. Então, escutou o ruído produzido por
passos de botas acercando-se paulatinamente de seu estúdio. Ficou aterrorizado.
De repente, a porta de seu quarto se abriu e, sem acreditar, viu um grande
espírito que se inclinava para ali penetrar. Quando o espectro entrou,
postou-se, de pé, justamente em frente à cama, quase roçando o teto com a
cabeça.
“Sua cara era como uma cabaça ressecada e seus
olhos, que emitiam um brilho ofuscante, percorreram todo o estúdio. Abriu a sua
grande boca, do tamanho de uma pia, deixando ver os dentes, que mediam cerca de
quatro polegadas, ao passo em que movia a língua e emitia um som gutural, que
fez retumbar as quatro paredes do recinto. Meu bisavô estava dominado pelo mais
absoluto terror, mas pensou que, sendo tão pequeno o ambiente, não havia como
escapar dali. Assim, a única coisa que podia fazer era enfrentar o fantasma.
Puxou uma faca que escondia sob o travesseiro e, resoluto, a cravou no ventre
do espírito, produzindo um som semelhante ao triturar de pedras. O espectro
enfureceu-se tanto que estendeu suas afiadas garras para apanhar o meu bisavô,
mas este conseguiu lançar-se para trás. Então, o espírito agarrou a colcha da
cama, lançou-a no chão, e avançou, furioso. Meu bisavô também caiu com ela e
ficou no chão, gritando de pavor.
“Os servos chegaram, correndo, com tochas, mas não
havia como abrir a porta, de modo que entraram pela janela. Quando viram o meu
bisavô no chão, e o estado de devastação do quarto, ficaram totalmente
aterrorizados. Imediatamente, ajudaram-no a deitar-se na cama e este lhes
contou o que havia ocorrido. Então, os servos examinaram o lugar e vislumbraram
a extremidade da grande colcha, que se enganchara na fenda da porta, quando
esta fora fechada. Abrindo a porta para examinar a colcha sob a luz das tochas,
encontraram-na perfurada como uma peneira. Havia buracos em todos os lugares
onde o espírito havia fincado os seus dedos.
“Quando amanheceu, ninguém se atreveu a ficar mais
tempo ali. Então, fizeram as malas e rumaram de volta à aldeia.
“Posteriormente, indagado sobre o acontecimento, um
monge afirmou que nada de extraordinário voltara a ocorrer naquele mosteiro”.
Versão em português de Paulo Soriano.
Comentários
Postar um comentário