VINGANÇA ATROZ - Conto Clássico de Suspense - Geroge G. Magnus
VINGANÇA ATROZ
George G. Magnus
(18??
- antes de 1930)
—
Querem, pois que eu lhes conte como se me puseram brancos os cabelos em uma só
noite? Bem; aproximem suas cadeiras do fogão... Esse whisky é
suficiente, amigo; pouca soda.
Não
me agrada falar desse assunto, mas vou contar o que se passou comigo porque
estou notando em vocês, desde há algum tempo, um desapego crescente pelas
brincadeiras pesadas.
Esse
terrível acontecimento foi motivado por uma brincadeira pesada. Isso aconteceu
quando eu estava empregado como aprendiz em uma conhecida casa construtora; e
ainda que passem quarenta anos, poderei recordar todos os detalhes com tanta claridade,
como se o fato tivesse acontecido ontem.
Éramos
três: Jenkins, Thompson e eu. De vez em quando, fazíamos uma brincadeira
pesada. A última tinha sido a que havíamos feito com um jovem engenheiro
chamado Logan, que, por causa de sua insuportável arrogância, era cordialmente
detestado por todos.
Uma
das coisas que dizia frequentemente era que ninguém jamais havia conseguido
assustá-lo. Meus companheiros e eu resolvemos que já era ocasião de alguém
fazê-lo; de modo que uma noite, depois de ele estar deitado, envolvemo-nos em
lençóis, untamos de fósforo a cara e as mãos e entramos silenciosamente mente
em seu dormitório. Acordamo-lo com uns gemidos fantásticos, sobrenaturais; e
quando o homem se encontrou com nossas caras reluzentes e nossas roupagens
brancas, pôs-se a tremer e a gritar desesperadamente. Seus gritos eram, na
verdade, tão fortes que tivemos que nos apressar em revelar-lhe nossa
identidade para acalmá-lo.
Jurou
então, com um juramento bárbaro, que tomaria sua vingança, como efetivamente o
fez. Mas, nessa ocasião, fizemos pouco caso de suas ameaças; e como as
consequências da nossa visita, à meia noite, se divulgaram por toda a parte,
Logan acabou por se encontrar incomodado entre nós e teve que nos deixar.
Seis
meses depois desta partida, Jenkins, Thompson e eu fomos passar a noite em um
café-concerto das imediações.
Regressávamos
dali, um tanto "chumbados ", pouco depois das onze horas, quando
fomos atacados por um bando de homens que nos derrubaram e cloroformizaram. Ao
recobrar os sentidos, encontrei-me atado a uma cadeira, em um sótão pequeno e malcheiroso,
iluminado apenas por um cabo de vela posto sobre um pequeno barril. Meus
companheiros estavam amarrados como eu, um de cada lado, mas notei que suas
cadeiras eram mais pesadas que a minha. Eu lia o mais completo estupor nos
olhos deles, e eles deviam estar lendo o mesmo nos meus.
Onde
estávamos? Quem seria o nosso carcereiro? Quais os seus intuitos? Estas
perguntas eu fazia a mim mesmo continuamente, porque, como estávamos
amordaçados, não pudemos comunicar mutuamente os nossos pensamentos. Em
seguida, o silencio mortal foi interrompido por um rumor de passos sobre nossas
cabeças. Os passos se aproximavam cada vez mais; abriu-se a porta e alguém
começou a descer furtivamente pela escada.
Era
Logan.
—Parece
que estão surpreendidos em me ver aqui — disse, mostrando-nos os dentes.
—Talvez acreditassem que eu já me havia esquecido de vocês, hein? Não. Não me
esqueci de vocês, nem da minha prometida vingança. Vocês não imaginam,
certamente, o que lhes espera. Preparei tudo com tanto cuidado!
E
o bandido riu, zombeteiramente, enquanto nós estremecíamos sob o desalmado
inflexo do seu olhar de fogo.
—Ah!
Agora é a minha vez! — prosseguiu Logan com sua voz sarcástica. — Vocês três
parecem contentes. Mas não podem ter uma ideia exata do meu pequeno plano. Permitam-me
que lhes explique a coisa. Trata-se de pôr em prova os seus valores. Veem esta
vela? — perguntou-nos, apontando em direção ao barril que estava no meio do sótão.
— Bem; de que creem vocês que está cheio? Não podem adivinhar? Pois bem; vou fazer-lhes
ver.
O
bandido se aproximou do barril e, com grandes precauções, tirou dele, da
superfície, usando um pedaço de papel à guisa de colher, um pouco da substância
reluzente que continha, espalhou essa substância no chão, diante de nós,
formando um montezinho, e pôs-lhe perto a chama de um fósforo acesso. Vimos uma
fulguração brilhante e uma nuvem de fumaça.
Era
pólvora!
—
Percebem, agora? — disse com um sorriso de maldade. —Quando a vela se consumir
de todo, e o pavio acesso cair sobre a pólvora... Mas... não se assustem dessa
forma... a vela não se consumiu ainda. Durará uns bons trinta minutos; um pouco
mais, talvez. Suponho que não vão começar a tremer antes da explosão. Bem;
creio que vão ter muito em que pensar durante essa meia hora e será melhor que
eu os deixe.
Ao
fechar a porta, uma corrente de ar agitou a chama da vela e, em toda minha vida,
não me esquecerei da terrível tortura que sofri, enquanto via a língua de fogo
inclinar-se ora para um lado, ora para outro.
Como
podem supor, não demorei muito tempo em pôr à prova a resistência das minhas ligaduras;
mas tive que reconhecer que estava muito bem amarrado e que era impossível
mover-me uma polegada. Contudo, depois de um violento esforço, consegui
desembaraçar um tanto as pernas, e, apoiando os pés sobre o chão, consegui
virar a cadeira e caí de costas.
Com
grande alegria, vi que podia arrastar-me sobre os joelhos, com a cadeira em
cima de mim, como um caracol com a sua concha; e, desta maneira, comecei a
andar em direção à vela. Cheguei, enfim, a uns dois pés do barril e,
endireitando-me e estirando-me o mais que pude, olhei para dentro dele.
Restavam ainda umas três polegadas da vela. Três polegadas de sebo entre nós e
a eternidade! Imediatamente, uma ideia atravessou o meu cérebro e comecei a me
arrastar o mais depressa que as ligaduras me permitiram.
Ao
chegar aonde queria, ao cabo de dois anos de viagem, segundo me pareceu, pus-me
a bater com a testa na torneira da bica e, com imenso júbilo, vi que saía dela
um jorro d’água.
Fiz
girar a chave o mais que pude e o volume do jorro tornava-se cada vez maior. Em
poucos momentos o solo ficou inundado. Então dirigi um olhar aos meus
companheiros e vi um raio de esperança em seus olhos injetados de sangue.
A
água ia subindo lentamente, polegada por polegada, e a vela se consumia linha
por linha. A carreira estava emparelhada e esta circunstância fazia mais terrível
ainda a coisa; mas, pouco a pouco, foi-se-nos impondo o convencimento de que íamos
perder. À água ainda faltavam umas quinze polegadas e da vela não restava mais
do que uma meia polegada. Estas distâncias relativas iam-se encurtando cada vez
mais. Eu poderia perceber o tique-taque do meu coração, que dominava o rumor da
água. Suava literalmente a jorros por todos os poros. Vi que os olhos de
Thompson se fechavam e que a cabeça lhe caia para a frente. Jenkins não tirava
um momento os seus olhos da chama, completamente fascinado. Havíamos abandonado
já toda a esperança, e esperávamos...
A
chama começou a vacilar. Vivi um século nos momentos que se seguiram a isto.
Perguntava a mim mesmo se se chegaria a saber quem havíamos sido, pelos restos
dispersos e chamuscados que encontrariam dos nossos corpos e como os jornais explicariam
a catástrofe. Curiosos pensamentos para um homem no limiar de eternidade!
De
repente, uma explosão deslumbrante dominou tudo...
***
Ao
recobrar a consciência, notei que as cordas haviam sido cortadas e que a
mordaça não me tapava mais a boca. Lançando um olhar ofuscado em redor, notei
um homem que se aproxima, com uma vela na mão.
—O
que significa isto? — perguntou-me. — De onde vêm vocês? Se a fumaça que saía pelas
frestas não tivesse chamado a atenção, teriam morrido afogados.
—
Onde estou? — perguntei por minha vez, com voz rouca.
—No
sótão da casa da Sra. Joanna, que aluga quartos a cavalheiros. Encontrei a
pobre mulher atada a uma cadeira e amordaçada como vocês. O que significa isto?
Com
voz cansada, contei tudo o que sabia.
—
E vocês acreditavam que iam voar em pedaços, não é? — exclamou o homem dando uma
gargalhada. — Criam que este barril estava cheio de pólvora? Que peça colossal!
Venha ver um pouco.
O
homem me ajudou a levantar-me, e, tremendo dos pés à cabeça, fui com passo
cambaleante para perto do barril. Observei que a tampa estava negra de pólvora
queimada e que pouco abaixo havia uma segunda tampa de metal...
Por
algum tempo, o silêncio reinou no sótão e interrompeu-o, por fim, uma horrível
gargalhada.
Voltamo-nos,
os dois instantaneamente. Detrás de nós, com os olhos dilatados e fixos no
barril, estava Jinkins.
—
Louco! — sussurrou o nosso salvador.
***
Não;
nunca mais tornei a ver Logan, que desapareceu da casa da senhora Joanna desde
essa mesma noite. Mas, dois anos depois, o pobre Thompson deu com o rastro dele
e... matou-o.
Tradução de autor
desconhecido.
Fonte: “A Cigarra”/SP,
edição de janeiro de 1937.
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