A SEPULTURA - Conto Clássico de Horror - Orville R. Emerson


 

A SEPULTURA

Orville R. Emerson

(1894 – 1945)

Tradução de João de Harlequin

 

O final desta história chamou a minha atenção pela primeira vez quando meu amigo do exército, Fromwiller, voltou de sua viagem ao Monte Kemmel[1] com uma história realmente muito estranha e extremamente difícil de acreditar.

Devido à minha curiosidade exagerada, acreditei o suficiente para voltar ao monte com “From” para ver se descobriríamos mais alguma coisa. E depois de cavar um pouco no local onde a história dele começou, chegamos a um antigo abrigo que havia desabado, ou pelo menos onde todas as entradas haviam sido soterradas, lá encontramos, escrito em papel de correspondência alemã uma história terrível...

Encontramos o diário no dia de Natal, em 1918, durante a viagem no carro do coronel até a vila de Watou na província belga de Flandres, onde estava o nosso regimento. Claro, você já ouviu falar do Monte Kemmel, mais de uma vez ele apareceu em reportagens de jornais quando trocou de lado durante alguns dos combates mais ferozes da guerra. E quando os alemães foram finalmente expulsos desta posição estratégica, em outubro de 1918, iniciou-se uma retirada que não terminou até que se tornou uma corrida para ver quem conseguia entrar primeiro na Alemanha.

O avanço das vitoriosas tropas britânicas e francesas foi tão rápido que não tiveram tempo de enterrar seus mortos, imagino o quão terrível foi para os habitantes da região em dezembro daquele ano, puderam ver os cadáveres em decomposição dos insepultos, espalhados por toda a região no topo do monte.

Era um lugar de visões fantasmagóricas e odores repugnantes. E foi aí que encontramos este manuscrito.

Com a ajuda do capelão de uma igreja local, traduzimos a história que se segue:

 

“Por duas semanas fui enterrado vivo! Por duas semanas não vi a luz do dia, nem ouvi o som da voz de outra pessoa. Ao menos que eu encontre algo para fazer, além desta eterna escavação, vou enlouquecer. Então vou escrever.”

“Enquanto durarem minhas velas, passarei parte do tempo todos os dias registrando minhas experiências.”

“Não que eu precise fazer isso para me lembrar delas. Deus sabe que quando eu sair a primeira coisa que farei será tentar esquecê-las! Mas se eu não conseguir sair?...”

“Eu sou um tenente do Exército Imperial Alemão. Duas semanas atrás, meu regimento estava defendendo o Monte Kemmel em Flandres. Estávamos cercados por três lados e submetidos a um terrível fogo de artilharia, mas, devido a posição importante, recebemos ordens do alto comando para assegurar o monte até o último homem. Nossos engenheiros, no entanto, tornaram as coisas muito confortáveis. Numerosos abrigos subterrâneos foram construídos, e neles estávamos relativamente a salvo de bombardeios.”

“Muitos deles foram conectados por passagens, de modo que havia uma pequena cidade subterrânea regular, e a maioria da guarnição nunca deixou a proteção dos abrigos. Mas mesmo nessas condições, nossas baixas foram pesadas. Os vigias tinham que ser mantidos acima do solo e, de vez em quando, um ataque direto de um dos enormes canhões ferroviários destruía até mesmo alguns dos abrigos.”

“Há pouco mais de duas semanas – não tenho certeza, pois perdi a conta do número exato de dias – o bombardeio usual aumentou cem vezes. Com cerca de vinte de meus outros companheiros, eu estava dormindo em um dos abrigos mais rasos. O tremendo aumento no bombardeio me despertou assustado, o meu primeiro impulso foi ir imediatamente para um abrigo mais profundo, que estava conectado ao que eu estava anteriormente por uma passagem subterrânea. Era um abrigo menor, construído a alguns metros mais abaixo do que o anterior. Ele era usado como uma espécie de despensa e ninguém deveria dormir lá. Mas parecia a mim mais seguro e, sozinho, eu me arrastei para dentro dele. Milhares de vezes desejei ter trazido outro homem comigo. Mas minhas chances de fazer isso logo se foram...”

“Eu mal havia entrado no abrigo menor quando houve uma tremenda explosão atrás de mim. O chão tremeu como se uma mina tivesse explodido abaixo de nós. Se esse foi realmente o caso, ou se algum projétil explosivo de calibre extragrande havia atingido o abrigo atrás de mim, eu nunca vou saber.”

“Depois que o choque da explosão havia passado, voltei à passagem. Na metade do caminho, descobri que as vigas acima haviam caído, permitindo que a terra assentasse, e meu caminho estava efetivamente bloqueado.”

“Então, voltei para o abrigo e esperei sozinho por várias horas de bombardeios terríveis. A única outra entrada para o abrigo em que eu estava era a entrada principal da trincheira acima, e todos aqueles que estiveram acima do solo haviam entrado em abrigos muito antes disso. Portanto, não podia esperar que alguém entrasse enquanto o bombardeio continuasse, e quando finalmente cessasse, certamente haveria um ataque.”

“Como eu não queria ser morto por uma granada lançada na entrada, permaneci acordado para sair aos primeiros sinais de cessação do bombardeio e juntar-me aos camaradas que ainda restassem na colina.”

 “Após cerca de seis horas de intenso bombardeio, todo o som acima do solo pareceu diminuir. Cinco minutos se passaram, depois dez; certamente o ataque estava chegando. Corri para a escada que levava à entrada. Quando estava a alguns passos da porta, houve um clarão ofuscante e uma explosão ensurdecedora.”

“Eu me senti caindo. Então a escuridão engoliu tudo.”

 “Quanto tempo fiquei inconsciente no abrigo? Eu nunca soube. Mas depois do que pareceu um longo tempo, logo fiquei consciente de uma dor aguda no braço esquerdo. Eu não conseguia movê-lo. Abri meus olhos e encontrei apenas escuridão. Senti dor e rigidez por todo o corpo.”

 “Devagar, levantei-me, risquei um fósforo, encontrei uma vela, acendi e consultei o relógio. Tinha parado. Eu não sabia quanto tempo havia permanecido ali inconsciente. Todo o barulho do bombardeio havia cessado.

“Fiquei parado e escutei por algum tempo, mas não consegui ouvir nenhum som de qualquer tipo.”

“Meu olhar caiu na escada que levava a entrada. Comecei em alarme. O final do abrigo, onde ficava a entrada, estava totalmente soterrada.”

 “Eu me aproximei e olhei mais de perto. A entrada estava completamente cheia de terra na parte inferior e nenhuma luz de qualquer tipo podia ser vista de cima. Fui até a passagem para a despensa, embora lembrasse que havia desabado. Examinei atentamente as vigas caídas. Entre duas delas pude sentir um leve movimento de ar. Aqui estava uma abertura para o mundo exterior.”

 “Tentei mover as madeiras, o melhor que pude com um braço, apenas para precipitar uma pequena avalanche de terra que encheu a rachadura. Rapidamente cavei a terra até sentir novamente o movimento de ar. Este pode ser o único lugar onde eu poderia obter ar fresco.”

“Eu estava convencido de que seria necessário um trabalho árduo para abrir qualquer uma das passagens e comecei a sentir fome. Felizmente, os oficiais mantinham suas rações armazenadas neste abrigo, havia comida, um bom suprimento de enlatados e pão duro. Encontrei também um barril de água e cerca de uma dezena de garrafas de vinho, que achei muito bom. Depois de aliviar meu apetite e terminar uma das garrafas de vinho, senti sono e, embora meu braço esquerdo me doesse consideravelmente, logo adormeci.”

 “O tempo que me permiti para escrever acabou, então vou parar por hoje. Depois de realizar minha tarefa diária de cavar amanhã, voltarei a escrever. Já sinto minha mente mais saudável. Certamente a ajuda virá em breve. De qualquer forma, dentro de mais duas semanas terei me libertado. Já estou na metade da escada. E minhas rações vão durar muito tempo. Eu as dividi para que assim seja.”

“Ontem não tive vontade de escrever depois de terminar minha escavação. Meu braço doía intensamente. Acho que usei demais.”

 “Mais hoje eu fui mais cuidadoso, por isso me sinto melhor. Estou preocupado de novo. Hoje, por duas vezes, grandes pilhas de terra desabaram onde as vigas acima estavam soltas, caindo na passagem tanta terra quanto posso remover em um dia. Mais dois dias antes que eu possa contar em sair sozinho.”

“As rações terão que ser estendidas um pouco mais. A quantidade diária já é bem pequena. Mas vou continuar com minha conta.”

 “A partir do momento que fiquei consciente, acionei meu relógio e, desde então, tenho contado os dias. No segundo dia fiz um balanço da comida, água, lenha, fósforos, velas... Encontrei um suprimento abundante para pelo menos duas semanas, eu não esperava ficar mais do que alguns dias em minha prisão.”

“Ou o inimigo ou nós ocuparemos a colina, disse a mim mesmo, porque é uma posição muito importante. E quem agora detém a colina será compelido a cavar fundo para conservá-la.”

“Então, para mim, era apenas uma questão de alguns dias até que a entrada ou a passagem fossem desobstruídas, e minhas únicas dúvidas eram se seria um amigo ou inimigo que me descobriria. Meu braço estava melhor, embora eu não pudesse forçá-lo muito, então passei o dia lendo um jornal velho que encontrei entre os suprimentos de comida e esperando a ajuda chegar. Que idiota eu fui! Se eu tivesse trabalhado desde o início, estaria apenas alguns dias mais perto da libertação.”

“No terceiro dia fiquei incomodado com a água, que começou a pingar do telhado e a infiltrar-se pelas laterais do abrigo. Amaldiçoei aquela água barrenta, então, como muitas vezes amaldiçoei tais incômodos antes, pode ser que eu ainda abençoe esta água e ela salve minha vida.”

“Ela certamente tornou as coisas desconfortáveis, tive de passar o dia movendo meu beliche, suprimentos de comida, água e velas para o corredor. Por um espaço de cerca de três metros, estava desobstruído e, sendo um pouco mais alto que o abrigo, era mais seco e confortável. Além disso, descobri que o ar era muito melhor aqui, mais fresco. Praticamente todo o meu suprimento de ar fresco entrava pela fenda entre as madeiras e pensei que talvez os ratos não me incomodassem tanto a noite. Mais uma vez passei o resto do dia simplesmente esperando ajuda.”

“Foi no quarto dia que realmente comecei a me sentir inquieto. De repente, ficou gravado em minha mente que eu não tinha ouvido o som de um conflito, desde o projétil fatal que explodiu a entrada. Qual era o significado do silêncio? Por que não ouvi sons de luta? Estava quieto como um túmulo...”

“Que morte horrível de se morrer! Enterrado vivo! Um pânico terrível tomou conta de mim. Mas minha vontade e razão se reafirmaram. Com o tempo, devo ser capaz de me desenterrar por meus próprios esforços. Levaria tempo, mas poderia ser feito.”

“Então, embora eu não pudesse usar meu braço esquerdo, passei o resto daquele dia e todos os dois dias seguintes cavando a terra da entrada e carregando-a de volta para o canto mais distante do abrigo.”

“No sétimo dia, após recobrar a consciência, eu estava cansado e rígido devido aos meus esforços indesejados dos três dias anteriores. A essa altura, eu podia ver que era uma questão de semanas – duas ou três pelo menos – antes que eu pudesse ter esperança de me libertar. Eu poderia ser resgatado em uma data anterior, mas, sem ajuda externa, provavelmente levaria mais três semanas de trabalho para que eu pudesse cavar um caminho para sair.”

 “A terra já havia cedido do topo, onde as vigas se separam, e eu só pude consertar o dano no telhado da escada de maneira grosseira com um braço. Mas meu braço esquerdo estava muito melhor. Com um dia de descanso, eu seria capaz de usá-lo muito bem. Além do mais. Devo conservar minha energia. Assim, passei o sétimo dia descansando e orando por minha rápida libertação de uma sepultura viva.”

“Também redistribui minha alimentação com base em mais três semanas. Isso tornava as porções diárias bem pequenas, especialmente porque a escavação era um trabalho extenuante. Havia um grande estoque de velas, de modo que eu tinha bastante luz para qualquer trabalho. Mas o abastecimento de água me incomodava. Quase metade do pequeno barril se foi na primeira semana. Decidi beber apenas uma vez por dia.”

“Os seis dias seguintes foram todos os dias de trabalho febril, alimentação leve e bebida ainda mais leve. Mas apesar de todos os meus esforços, apenas um quarto do barril sobrou ao final de duas semanas. E o horror da situação cresceu em mim. Minha imaginação não ficaria quieta. Eu imaginava para mim mesmo as agonias que viriam, quando eu teria ainda menos comida e água do que agora. Minha mente corria sem parar – até morrer de fome – até a descoberta

de meu corpo cadavérico por aqueles que eventualmente abririam o abrigo, até mesmo para suas tentativas de reconstruir a história do meu fim.”

“E acrescentando ao desconforto físico, estavam os malditos vermes, infestando o abrigo e minha pessoa. Fazia um mês que eu não lavava o meu rosto. Os ratos ficaram tão ousados que tive que deixar uma vela acesa a noite toda para me proteger durante o sono. Em parte para aliviar minha mente. Quando comecei a escrever minhas experiências. A princípio servia com um alívio, mas agora, enquanto o leio, o terror crescente deste lugar horrível me domina. Eu pararia de escrever, mas algum impulso me impele a escrever todos os dias.”

“Três semanas se passaram desde que fui enterrado nesta sepultura viva.”

 “Hoje bebi a última gota de água do barril. Há uma poça de água estagnada na porta do abrigo – suja, viscosa e verde oliva com fezes de ratos – sempre ali, alimentada por pingos do telhado. Ainda não consigo bebê-la.”

“Hoje dividi meu suprimento de comida para mais uma semana. Deus sabe que as porções já eram pequenas o suficiente! Mas houve tantos desmoronamentos recentemente que nunca consigo terminar de limpar a entrada em mais uma semana.”

“Às vezes penso que nunca vou limpá-la... Mas devo! Nunca vou suportar morrer aqui. Devo querer escapar, e escaparei!”

“O capitão não costumava dizer que a vontade de vencer era metade da vitória? Não descansarei mais. Cada hora de vigília deve ser gasta na remoção da terra traiçoeira.”

“Até minha escrita deve cessar.”

“Oh Deus! Estou com medo, com medo! Preciso escrever para aliviar minha mente. Ontem à noite fui dormir às nove no meu relógio. Ao meio-dia, acordei no escuro cavando de forma frenética com as mãos nuas nas laterais do abrigo. Depois de algum trabalho finalmente encontrei uma vela e acendi. O chão inteiro estava enlameado. Meus suprimentos de comida estavam esparramados por todos os lados. A caixa de velas havia sido derramada. Minhas unhas estavam quebradas e ensanguentadas por arranhar o chão.”

“Percebi que estava fora de mim. E então veio o medo – medo sombrio e furioso – medo da insanidade. Há dias que bebo a água estagnada do chão. Só não sei a quanto tempo.”

“Só me resta uma refeição, mas devo guardá-la.”

“Eu comi hoje, há três dias estou sem comer.”

 “Hoje peguei um dos ratos que infestam o local. Ele era grande também. Deu-me uma mordida terrível na mão, mas eu o matei. Eu me sinto melhor hoje. Tive alguns pesadelos ultimamente, mas eles não me incomodam agora.”

“Aquele rato foi duro, no entanto. Acho que terminarei essa escavação e voltarei ao meu regimento em um ou dois dias.”

“Céus! Tenha misericórdia! Devo estar fora de mim metade do tempo agora.”

 “Não tenho absolutamente nenhuma lembrança de ter escrito este último registro. Me sinto febril e fraco.”

 “Se eu tivesse forças, acho que poderia terminar de limpar a entrada em um ou dois dias. Mas só posso trabalhar por um curto período de tempo.”

“Estou começando a perder as esperanças.”

“Feitiços selvagens recaem sobre mim com mais frequência agora. Acordo cansado de esforços dos quais não consigo me lembrar.”

 “Ossos de ratos roídos estão espalhados, mas não me lembro de comê-los. Em meus momentos de lucidez, pareço não conseguir pegá-los, pois eles são muito cautelosos e eu muito fraco.”

 “Tenho algum alívio mastigando as velas, mas não me atrevo a comer todas elas. Tenho medo do escuro, tenho medo dos ratos, mas o pior medo de todos é o medo hediondo de mim mesmo.”

“Minha mente está quebrando. Devo escapar logo ou serei um pouco melhor que um animal selvagem. Oh, Deus! Envie ajuda! Estou ficando louco!”

“Terror, desespero, desespero... Este é o fim?”

 “Tive uma ideia brilhante. O descanso traz de volta a força. Quanto mais uma pessoa descansa, mais forte ela deve ficar. Já estou descansando a muito tempo. Semanas ou meses, não sei qual. Então eu devo ser muito forte. Minha febre me deixou. Então ouça! Resta apenas um pouco de terra no caminho da entrada. Vou sair e rastejar por ela. Assim como uma toupeira. Direto para a luz do sol. Eu me sinto muito mais forte do que uma toupeira. Então este é o fim de meu pequeno conto. Uma história triste, mas com um final feliz. Luz do sol! Um final muito feliz.”

 

E esse foi o fim do manuscrito. Resta a mim apenas contar a estranha história de Fromwiller, a qual me trouxe até aqui.

No começo eu não acreditei, mas agora eu acredito. Vou contá-la exatamente como Fromwiller havia me narrado, e você pode acreditar ou não.

 “Logo depois que fui alojado numa hospedaria em Watou”, disse Fromwiller ,“decidi sair e ver o Monte Kemmel. Eu tinha ouvido falar que as coisas eram horríveis naquele lugar, mas eu realmente não estava preparado para as condições que encontrei. Eu tinha visto mortos insepultos perto de Roulers[2] e no Argonne[3], mas já se passaram dois meses desde a luta no Monte Kemmel e ainda havia muitos mortos insepultos. Também havia outra coisa que eu nunca tinha visto, que era vida enterrada.”

 “Ao subir ao ponto mais alto do morro, fui atraído por um movimento de terra solta na beira de um enorme buraco de granada. A terra parecia estar caindo de um centro comum, como se a sujeira abaixo estivesse sendo removida. Enquanto eu observava, de repente fiquei horrorizado ao ver um longo e magro braço emergir do chão.”

 “Desapareceu, arrastando consigo um pouco de terra. Houve um movimento de terra sobre uma área maior, e o braço reapareceu, juntamente com a cabeça, e os ombros de um homem. Ele se levantou do chão, ao que parecia, sacudiu a sujeira de seu corpo como um cachorro gigante, e ficou ereto. Eu nunca quero ver outra criatura assim!”

“Dificilmente uma tira de roupa era visível e, o pouco que havia estava tão rasgado e sujo que era impossível dizer que aquilo um dia foi um uniforme de soldado. A pele estava esticada sobre os ossos, e havia um olhar vago sobre os olhos protuberantes. Parecia um cadáver que jazia na sepultura há muito tempo.”


 


 

“Esta aparição olhava diretamente para mim, mas parecia não me vê, pois a luz incomodava seus sensíveis olhos. Eu falei, e uma expressão de medo surgiu em seu rosto. Ele estava todo sujo de terra.”

 “Eu dei um passo em direção a ele, e sem querer sacudir um pedaço de arame farpado que estava preso em minhas botas. Rápido como um raio ele se virou e começou a correr de mim.”

 “Por um segundo, fiquei muito surpreso para me mover. Então comecei a segui-lo. Correu em linha reta, sem olhar nem para a direita e nem para a esquerda. Diretamente à sua frente havia uma trincheira profunda e larga. Ele estava correndo direto para ela. De repente, ocorreu-me que ele não a viu.”

“Eu gritei, mas pareceu aterrorizá-lo ainda mais, e com uma última estocada ele entrou na trincheira e caiu. Ouvi seu corpo cair com um estrondo na água rasa.”

“Eu segui e olhei para dentro da trincheira. Lá estava ele com a cabeça inclinada para trás em tal posição que tive a certeza de que seu pescoço estava quebrado. Ele estava meio dentro e meio fora da água, e, enquanto eu olhava para ele, mal podia acreditar no que tinha visto. Certamente ele parecia estar morto há tanto tempo, quanto alguns dos outros cadáveres, espalhados pela encosta. Eu me virei e o deixei como estava.”

 “Enterrado em vida, deixei-o insepulto quando morto.”



[1] Durante a Primeira Guerra Mundial, foi o local de uma das batalhas mais ferozes da guerra. Devido à sua importância estratégica, foi travada ferozmente na Quarta Batalha de Ypres.

[2] O Entroncamento ferroviário de Roulers era parte vital do sistema de abastecimento do Quarto Exército Alemão.

[3] A Floresta de Argonne foi palco de movimentações militares que culminaram em sangrentas batalhas durante a Primeira Guerra Mundial.

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