O ENCANTO - Conto Clássico Fantástico - Anônimo Chinês


 

O ENCANTO

Autor chinês desconhecido da era Tang

(Entre os séculos VII e X d.C.)

 

Cheniang, filha do Sr. Chang Yi, tinha um primo chamado Wan Chu, a quem amava desde criança. Seu pai o havia prometido como marido, mas, chegado o momento, e pondo de lado a promessa feita, concedeu a mão da sua filha única a uma outra pessoa, um homem muito rico.

Dividida entre o amor apaixonado que sentia por Wan Chu e o afeto filial que lhe ordenava obediência ao pai, Cheniang não fazia mais que chorar, sem decidir-se por um ou por outro, até que Wan Chu, desesperado, decidiu abandonar a aldeia.

Quando já estava em seu barco, remando rio acima, ouviu uma voz que, da margem, o chamava:

—Sou eu! Sou eu, Chenniang, quem te chama!

Wan Chu voltou à margem e Chenmiang disse:

—Meu pai descumpriu a promessa que me fizera. Foi muito injusto conosco. Eu não suporto a ideia da separação e não poderia viver com outro homem sabendo que estás triste e sozinho no mundo. Decidi fugir contigo, deixando para trás a ira do meu pai, as lágrimas de minha mãe e a reprovação dos vizinhos da aldeia. Leva-me contigo, Wan Chu. Eu te suplico!

Wu Chu não desejava outra coisa.

Juntos, remaram rio acima até chegarem à cidade. Ali passaram cinco anos de felicidade e tiveram dois filhos, mas uma nuvem negra ocultava o sol da felicidade, porque Cheniang se sentia infeliz, pensando em seus velhos pais, e culpada por tê-los abandonado.

—Gostaria de voltar a vê-los, disse Cheniang.

Wan Chu respondeu:

—Depois de cinco anos, já não estarão zangados contigo. Com certeza, ficarão felizes em rever-te. E, também, é justo que conheçam os seus netos.

Então, viajaram. A corrente arrastava o barco rio abaixo. Ao chegar à sua aldeia natal, Wan Chu disse à sua esposa:

—Não sabemos o que podemos encontrar depois de tanto tempo. Fica tu na barca com as crianças, enquanto eu, sozinho, procuro os teus pais.

—Bem pensado — respondeu Cheniang.

Wang Wu encontrou seus sogros sentados à porta de casa e ajoelhou-se diante deles, pedindo perdão por tudo que acontecera.

Chang Yi lhe perguntou, estranhando:

—De que estás falando? Nossa filha jamais nos abandonou. Mais que isto, há cinco anos que está em coma, inconsciente. Não fala, não se move...

—Mas — replicou Wang Wu —, faz justamente cinco anos que Chenniang fugiu comigo para a cidade e, desde então, sempre desejou voltar a vê-los. Ela está no barco, esperando notícias.

—Impossível — insistiu Chang Yi. — Cheniang está aqui. Faz cinco anos que não fala ou se levanta da cama. Entra e verás.

Wan Chu entrou na casa e se encontrou com uma Cheniang que, por ter ouvido a sua voz, havia-se levantado, vestido e penteado com esmero. Agora, sorria-lhe.

Seus pais a contemplaram, surpresos. Wan Chu, confuso, correu à beira do rio. A Cheniang da casa o seguiu e seus pais foram atrás dela.

Entrementes, a Cheniang da barca, preocupada com a demora do marido, avançava pela senda que levava à aldeia.

As duas se encontraram na metade do caminho. Olharam-se longamente. Reconheceram-se. Sorriram-se e se fundiram num estreito abraço... Do amplexo saiu apenas uma Cheniang, mais bela que nunca.

Todos se regozijaram do ocorrido, mas, para evitar falatórios, decidiram mantê-lo em segredo

Uma janela da casa dos Chang permaneceu entreaberta para sempre e Cheniang e seu marido voltaram à cidade com seus filhos, onde juntos viveram mais quarenta anos plenamente felizes.

 

Versão em português de Paulo Soriano.

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