SINFONIA - Conto de Ficção Científica e Horror - Félix Días
SINFONIA
Félix Días
Tradução de Paulo Soriano
O
maestro Gaisowitz bateu o atril com a batuta. Depois, ergueu-a. Os cento e
vinte e cinco músicos presentes ergueram a vista. Estavam preparados.
Gaisowitz
iniciou os movimentos e soaram as trompas e tambores. As flautas juntaram o seu
doce timbre e os violinos se uniram aos tímpanos.
Em
poucos segundos, todos os instrumentos participavam da partitura.
O
público ouvia extasiado. Um véu de silêncio cobria as poltronas e não se ouvia,
sequer, uma respiração.
Na
primeira fila, as autoridades. Entre elas, dois diplomatas, representantes de
países em guerra. Ambos sentiam como a paz inundava as suas mentes. Por que
manter esse estúpido conflito? Por que os dois povos não poderiam viver em paz?
Era possível!
Edmon
Gaisowitz estudara Medicina, Física e Música ao mesmo tempo. De alguma forma,
achara como compatibilizar as práticas diárias do conservatório com os duros
estudos universitários. E se formara com boas notas.
Depois
se dedicou ao doutorado em Neurofísica, unindo as suas duas graduações,
enquanto avançava em sua carreira musical. Um ano antes de apresentar a sua
tese, já regia uma orquestra universitária no auditório.
Era
inevitável que terminasse por conciliar todos os seus interesses. Assim como
havia conjugado a Física com a Medicina, acabou por integrar a música aos seus
estudos. “Efeitos das ondas harmônicas e desarmônicas na atividade neurológica”
era o título de sua tese, que recebeu o Cum Laude com aplausos da banca
examinadora.
Edmon
estudou o efeito da música no cérebro de muitas pessoas, tanto doentes quanto
sãos. A musicoterapia passou a ser uma técnica habitual no tratamento de
diversas patologias, não apenas nas cerebrais: descobriu que determinados
adágios estimulavam o sistema imunológico, podendo, até mesmo, subjugar o
câncer. Segundo as suas conclusões, certos ritmos ativavam, por ressonância, as
ondas cerebrais adequadas, e podiam afetar do hipotálamo até determinadas áreas
do córtex cerebral.
Teve
ele uma ideia e, durante vários anos, lutou para levá-la adiante. A primeira
foi compor uma sinfonia especialíssima, aplicando-lhe tanto os seus
conhecimentos musicais quanto os que havia angariado em Neurofísica.
Difícil
mesmo foi, todavia, a segunda etapa. Teve que mover influências entre as
autoridades, escrever cartas a muitos diplomatas, e, mesmo, organizar pequenas
reuniões, nas quais exibiu, apenas, uma parte de sua obra.
Finalmente,
conseguira. A estreia de sua sinfonia contou com a presença de representantes
de países em guerra há muito tempo. Ali estavam os representantes de Israel, Síria,
Egito, Líbano, Arábia, Irã, Turquia... Todos escutavam a música que lhes trazia
uma mensagem de paz, como jamais haviam ouvido.
O
maestro Gaisowiz baixou a batuta. A sinfonia dividia-se em dois movimentos e
estava previsto um pequeno intervalo entre estes.
Os
diplomatas se reuniram numa saleta. Ali esperavam que os tratados fossem
firmados.
Todos
eles estamparam as suas assinaturas.
O
representante de Israel, contudo, tinha as suas dúvidas. Tinha a impressão de
que fora enganado por aquela música. Já que não a ouvia agora, retornavam os
sentimentos de ódio contra aqueles gentios, aquele povo que não era o eleito de
Javé.
De
toda forma, o acordo já estava assinado e seria difícil retroceder.
O
segundo movimento da sinfonia tinha um mote distinto. Nele, não se buscava
tanto a paz, senão influenciar os cérebros de maneira mais direta.
Era
uma música estranha. Às vezes, alegre; outras, triste. Se elevava o espírito,
assim o fazia para logo deprimi-lo. Pareciam-lhes estranhos aqueles vaivéns.
O
representante israelense sentia-se mal, mas não se atrevia a reconhecê-lo.
Aquela música entrava em sua cabeça tremendamente. Era incapaz de fazer
qualquer coisa, até mesmo mover a mão. Tampouco respirar.
O
desenho daqueles compassos fora feito para afetar especificamente os cérebros
de fanáticos violentos. Havia três pessoas assim no salão, todos eles
diplomatas.
A
música voltou a ser alegre, estimulante.
O
maestro baixou a batuta, mas os últimos compassos ainda ressoavam nos ouvidos
do público, malgrado silentes os instrumentos.
Segundos
mais tarde, todos se punham em pé para aplaudir.
Somente
três pessoas permaneciam em seus assentos. Os que os circundavam tardaram
vários minutos (que passaram aplaudindo enfaticamente) até se darem conta de
que eles estavam mortos.
Um
deles era o representante de Israel.
Texto integrante da revista bilíngue (português e espanhol) “Relatos Fantásticos”, vol. II. Para acessá-la na íntegra, clique aqui.
Me lembrou aquele episódio de Pluto...
ResponderExcluir