A DAMA DESMEMBRADA - Narrativa Clássica de Horror - Anônimo do séc. VII ou do séc. VI a.C.


 

A DAMA DESMEMBRADA

Autor desconhecido do séc. VII ou do séc. VI a.C.

 

Naquela época, quando não havia rei em Israel, um levita, que vivia nas proximidades dos montes de Efraim, tomou por concubina uma moça de Belém de Judá.

Porém, a concubina, tendo-lhe cometido adultério, deixou-o e foi para a casa de seu pai, em Belém de Judá, onde, então, permanecia já há quatro meses.

O marido resolveu buscá-la de volta. Com ele, foram o seu servo e um par de jumentos.

Chegando ao seu destino, a concubina o recebeu e o conduziu ao pai. Este, ao reencontrar o levita, alegrou-se.

Em casa, o pai da moça deteve o viajante. Ficou com o levita durante três dias. Comeram, beberam e passaram as noites juntos.

Ocorre que, na manhã do quarto dia, de madrugada, o levita levantou-se para partir.

— Anima-te com um pouco de pão; depois, partireis — disse-lhe o pai da moça.

Sentados, comeram e beberam.

— Peço-te que, alegrando o teu coração, passes mais uma noite aqui — disse o pai da moça ao homem:

Todavia, o homem levantou-se para partir. O sogro, contudo, o convenceu a passar ali mais uma noite.

Na madrugada do dia seguinte, disse-lhe o pai da moça:

— Conforta o teu coração.

E lá detiveram-se até o fim do dia. E, juntos, comeram.

Quando o homem, com o seu servo e a concubina, se levantou para partir, disse-lhe o sogro:

— O dia já declina e a noite já vem chegando. Peço-te que aqui passes a noite e que alegres o teu coração. Amanhã, de madrugada, voltarás para casa.

Mas o homem, não desejando ali passar a noite, levantou-se e partiu. Chegou — com a concubina, servo e montarias — às cercanias de Jebus, quando o dia declinava.

— Paremos nesta cidade dos jebuseus e lá passemos a noite — disse-lhe o servo.

— Não convém que busquemos pousada numa cidade estranha, que não seja dos filhos de Israel. Sigamos a Gibeá — respondeu-lhe o amo. — Vamos e passemos a noite em Gibeá ou em Ramá.

Então prosseguiram.

O Sol se pôs no caminho, perto de Gibeá, que é cidade de Benjamim. Para lá, seguiram. Chegando à cidade, assentaram-se na praça, porque não houve quem lhes oferecesse pernoite.

Sucedeu que um velho homem voltava do trabalho no campo. Era este homem da montanha de Efraim, mas morava em Gibeá, terra dos benjamitas.

Ao ver o viajante na praça da cidade, disse-lhe o ancião:

— Para onde vais? De onde vens?

E ele respondeu:

— Estamos de viajem, seguindo de Belém de Judá até a montanha de Efraim, de onde venho. Fui a Belém de Judá e agora vou à casa do Senhor. Mas ninguém me recebeu em casa. Temos, todavia, palha e forragem para os nossos jumentos. E, também, pão e vinho para mim, para a tua serva, e para o servo teu que nos acompanha. Nada nos falta.

— Que a paz seja convosco — disse-lhe o ancião. — Posso vos proporcionar tudo o quanto precisais. Mas não passeis a noite nesta praça.

E levou-os à sua casa e deu pasto aos jumentos. Tendo lavado os pés, comeram e beberam.

Entretinham-se eles quando alguns homens daquela cidade — filhos de Belial[1] — cercaram a casa e bateram à porta.

— Põe fora o homem que entrou em tua casa, para que façamos sexo com ele! — gritaram os homens.

O dono casa saiu a eles e disse-lhes:

— Não, amigos, não façais semelhante mal. Já que este homem é meu hóspede, não façais tal loucura. Vejais: aqui estão a minha filha virgem e a concubina de meu hóspede. Podereis usá-las conforme a vossa vontade. A este homem, porém, não façais tal loucura.

Mas os homens não quiseram ouvi-lo. Então o levita mandou para fora a própria concubina. Os homens a violaram e dela abusaram a noite inteira. Quando amanheceu, deixaram-na.

Ao romper do dia, a mulher retornou à casa onde estava o seu senhor, em cuja porta caiu. Lá ficou ali até clarear.

Quando o seu senhor se levantou pela manhã, abriu as portas da casa, e saiu para prosseguir o seu caminho, viu que a sua concubina jazia à porta da casa, com as mãos estendidas sobre o limiar da porta.

Disse-lhe ele:

— Levanta-te e vamo-nos embora!

Ela, todavia, nada respondeu.

O marido, então, a pôs sobre o jumento e retornou para a casa.

Lá chegando, o homem apanhou um cutelo e, atirando-se sobre a concubina, matou-a. Em seguida, repartiu-lhe o cadáver, membro por membro, em doze partes. Depois, enviou-lhe os pedaços a todas as regiões de Israel.

E todos os que viram aquilo disseram:

— Desde o dia em que os filhos de Israel saíram do Egito, até o dia de hoje, nunca se viu e nem se fez uma coisa dessas! Ponderai, reflitais e pronunciai-vos sobre isto!

 

Paráfrase em português de Paulo Soriano, a partir de traduções constantes dos seguintes sites: www.bibliacatolica.com.br; www.bibliaonline.com.br.

Fonte: Juízes 19:1-30.



[1] Demônio da mitologia cananita. No contexto, “filhos de Belial” tem o significado de pessoas maliciosas, indecentes e cruéis.

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