O HORROR ALADO - Conto de Terror - Rogério Silvério de Farias
O HORROR ALADO
Rogério Silvério de Farias
Este
relato foi uma amiga minha do Rio de Janeiro, a querida doutora S., quem me
contou, após ouvir de um de seus pacientes uma situação verídica ou
supostamente verídica ocorrida com ele, que vou chamar de Senhor H.
Infelizmente a doutora S. faleceu ano passado, durante um voo de asa delta,
voar de asa delta era seu passatempo predileto.
Como
a doutora S. sabia que eu era um eventual pesquisador de criptologia, resolveu
me repassar este estranho e inacreditável relato um ano antes de morrer, o
relato do avistamento de um criptoide alado!
Quero,
antes disso, fazer uma advertência a toda minha distinta plateia de leitores!
Quero avisar às pessoas nervosas e facilmente impressionáveis que parem
de ler imediatamente estas linhas porque o relato a seguir é um dos mais
assustadores e tenebrosos que já ouvi e ainda agora tenho dúvida – e medo! – de
torná-lo público.
Parem
de ler imediatamente se vocês, caros leitores, não tiverem a inequívoca certeza
de que possuem coragem para um encontro com o fantástico e o sobrenatural.
Seria prudente que pessoas nervosas evitassem continuar a leitura. É bom que
vocês pensem bem antes de continuar a ler o que vou contar, não me
responsabilizo pelas consequências da leitura deste texto, dos prováveis surtos
de medo, ataques de pânico e paranoias atemorizantes que por ventura venham a
surgir em seus psiquismos cutucados pelo mistério do que vou narrar...depois
não reclamem de terem pesadelos horripilantes na calada da noite, de se
retorcerem de medo na cama, suando em bicas diante da mera lembrança de um fato
que abalou o pobre Senhor H. e todos que com ele experimentaram o contato chocante
e indelével com o sobrenatural.
E
aos meus detratores e zombadores que me rotulam de loroteiro, cuidado com os
mistérios da vida e da morte porque a existência humana é fugaz e não teremos
tempo de vida para resolver o Enigma da Existência! Não, senhores, não zombem
de meus relatos, não estou aqui para brincadeiras, pois tenho idoneidade e
também uma reputação draconiana a cuidar com esmero e dedicação de nobre
cavalheiro do Sul que sou. Tudo o que conto aconteceu realmente, porém se é
verdade ou mentira o que contaram para mim, não cabe a minha singularíssima
pessoa julgar, pois acredito nas gentes com quem travo amizade de longa data.
Todavia, se forem leitores corajosos e audaciosos, venham comigo nesta jornada
infernal ao tenebroso mundo do sobrenatural, em busca de uma criatura que voa
nas noites escuras emitindo um grito que faria congelar o sangue do mais cético
e materialista dos homens! Um ente alado que cruza os céus, por rotas
sobrenaturais desconhecidas pelas mentes mais incrédulas, vindas, quiçá, de
espaços exteriores invisíveis nas camadas atmosféricas, reinos aéreos e
insólitos que coexistem com o plano físico.
Queria
salientar, outrossim, que minha amiga S. era, em vida, psiquiatra com um
consultório de muito famoso. Ela, quando me contou o relato, tinha uma carreira
a zelar e por isso pedira-me o anonimato dela e dos envolvidos neste relato
medonho; teve, porquanto, a dosimetria essencial da ética para com seus
pacientes que lhe eram caros como representantes dignos da raça humana e
porquanto merecedores de toda bonomia diante da condição de ignorância a fatos
que fogem ao “natural”, ao “normal”. Também é bom dizer que o fato dela ter me
contado o relato de um paciente, não quer dizer que ele, o paciente, seja um
insano ou um demente alucinado; nem todo mundo que vai ao consultório de um
psiquiatra jaz sob os mantos negros e crudelíssimos da loucura, essa gripe da
alma! O senhor H. não apenas fazia um “check-up” psicológico, mas procurava
tratar de uma fobia que subitamente lhe acometera: medo de viajar de
avião! Ele, esse homem, não teria motivos para inventar este relato que
creio ser verídico na sua essência, já que é um empresário de sucesso, casado e
com filhos, dono de uma rede de imobiliárias em todo o Estado e fora dele
também. Eis, em síntese, o relato aterrorizante contado pelo Senhor H.,
condensado e adaptado de últimas comunicações epistolares que travei com a
finada Doutora S.:
“Doutora
S, eu tinha ido pescar num famoso lago do Sul do Brasil. Estávamos numa pequena
lancha, algo parecido como um “microiate”. Estávamos atrás dos peixes
deliciosos dessa lagoa do sul, era verão, a noite era quente e uma enorme lua
cheia brilhava no céu como se fosse uma bacia gigantesca de águas prateadas,
onde gigantes cósmicos voadores e invisíveis oriundos de estrelas longínquas
fossem para nela se banharem, sendo que o plenilúnio se refletia nas águas
verdes e escuras em tons de assombrações rutilantes!
Tínhamos
levado muita cerveja gelada e muitos cigarros especiais de marijuana
para que pudéssemos conversar com sossego durante toda a noite aprazível, no
convés da lancha. Só entraríamos para a pequena cabine quando fôssemos dormir.
Tínhamos pescado o dia todo e agora apenas curtíamos o nosso descanso merecido,
assando uma tainha deliciosa ali mesmo no convés, em uma pequena churrasqueira
especial para embarcações.
Tudo
estava uma belezinha até que um de meus amigos, que havia sido expulso de uma
ordem iniciática famosa e dado a leituras de tomos de ocultismo e outras obras
de cunho metafísico e espiritual, e cujo apelido era “Poeta”, começou a olhar
para o céu estrelado, filosofando de um jeito estranho:
—
Amigos, olhem lá para o alto do céu. Nós, humanos, somos como que vermes para
os seres que habitam os ares. Há, segundo dizem alguns místicos, cidades
celestiais, reinos aéreos invisíveis sobre a cabeça dos tolos homens.
Contemplem o infinito cósmico, as solidões perturbadoras entre as estrelas, a
lua lânguida, essa prostituta e rainha nua do céu, que aos poetas mais loucos
seduz com sua nudez de prata. Nas estradas do ar e do céu, há rotas fantásticas
por onde, por certo, voam e passeiam seres além de nossa pueril imaginação!
Todos
nós rimos, achando engraçado o que ele dissera (estávamos em cinco e já de
pilequinho!). Só um não riu, um de meus outros camaradas de pescaria, o
Cabeção, que era o mais cético, mal-humorado e ateu de entre nós:
—Vá
para o inferno com essas tolices! A única coisa alada e viva que tem no céu é
passarinho, urubu, muriçoca e pernilongo! Vai me dizer agora que tu acreditas
em seres alados e estranhos que voam pelo céu? Acreditas no Mothman ou
Homem Mariposa, é? Ah, ah, ah!
Todos
riram outra vez. Menos o Poeta que pegou do bolso da jaqueta uma espécie de
ocarina negra e começou a tocar, antes de falar isso:
—
Por entre os espaços siderais, por entre as camadas atmosféricas, existem
gênios, criaturas e silfos, seres que bailam ao sabor das músicas do vento...
O
som da ocarina negra ecoou na lagoa envolta na penumbra, misturando-se ao
marulhar das águas e ao vento vadio da noite de verão. Era um tom melancólico,
uma música lúgubre e infernal evocando coisas medonhas que erravam na noite.
De
repente Cabeção ficou irado, gritou um “idiota!” para o Poeta e deu um tapa na
ocarina, que foi cair nas profundezas da lagoa. Poeta ficou com raiva e os dois
se engalfinharam numa luta corporal ali no convés. Felizmente estávamos ali e
separamos a briga.
Pedi
calma aos dois e ofereci-lhes mais um trago de cerveja gelada. Eles se
acalmaram, sentando-se no chão do convés, taciturnos.
Neste
instante, das sombras da noite, bem do alto, veio um estranho som. Parecia o
piar ou guinchar de um pássaro exótico, mas não era. O som parecia gritar uma
estranha palavra: “Kiérghhhhk!”...
O
grito ou pio horrendo parecia de ira e sarcasmo ao mesmo tempo. De repente
forçamos a vista na penumbra, olhamos todos para a imensa Lua cheia e vimos a
silhueta alada de uma grotesca criatura meio homem, meio mariposa. Tinha, pelos
contornos negros, uma cabeça como a de uma coruja, e as asas eram como as do
mais negro e grande dos morcegos. Tinha o tamanho de um cavalo e aquilo nos deixou
boquiabertos e arrepiados. A silhueta vez uma volta no céu, descendo em espiral
sobre nós! Só vimos o vulto rápido planando ameaçadoramente sobre a gente,
dando depois uma rasante que nos fez gritar de terror.
—
Segurem-se todos! Vamos embora daqui, isto é o cramulhão com as asas do fogo
do inferno! — gritei, dando partida ao motor da lancha e indo em direção à
beira do lago, onde havia uma espécie de ancoradouro natural ou canal estreito
que subia até a margem.
Ainda
olhamos para trás, para o alto do céu, e vimos, junto com as primeiras luzes
vermelhas da alvorada, a criatura alada com olhos chamejantes erguer-se e sumir
por entre os picos enevoados das montanhas adjacentes ao lago.
Fomos
embora quietos, calados. Nunca mais tocamos no assunto, nunca mais. Isto já faz
muito tempo que aconteceu. Depois disso todos esses meus amigos morreram. E o
que é mais curioso: todos morreram em acidentes aéreos, acidentes cujas causas
ficaram meio que inexplicáveis. Teria sido um “Mothman brasileiro”, o que vimos
naquela noite amaldiçoada? Que besta aérea seria aquela? Teria sido vingança
por termos perturbado o voo daquele Horror Alado blasfemo que cavalga os ventos
da noite dos condenados? Ou a ocarina negra de meu amigo teria despertado
magicamente a atenção do estranho ser com asas de mariposa, corpo de homem e
cabeça de coruja, ou ela teria sido evocada dos espaços interestelares ou
atmosféricos pelo nosso misterioso companheiro de pescarias, o Poeta? São
mistérios intrigantes que permanecem até hoje cravados como adagas de fogo do
inexplicável em meu cérebro e memória, mas rezo no silêncio de minhas noites
solitárias para que o Horror Alado, a besta fera com asas infernais,
tenha sido uma alucinação etílica, delírio de bêbados e viciados... E é por
isso que até hoje evito e tenho medo de viajar de avião, doutora S.!”
Não
duvidei da história da doutora S, ouvida de seu paciente o Senhor H., mas fico
a me perguntar se a morte de minha amiga, teria sido castigo por ela ter
contado a mim o que não deveria ser contado pelo seu paciente, o Senhor H.?
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