BOPOLÛCHÎ E O LADRÃO - Conto Clássico de Horror - Flora Annie Steel


 

BOPOLÛCHÎ E O LADRÃO

(Lenda Indiana)

Flora Annie Steel

(1847 – 1929)

Tradução de Paulo Soriano

 

Certa feita, algumas jovens mulheres foram buscar água no poço da aldeia. Enquanto enchiam seus jarros, ficaram a conversar sobre seus noivados e casamentos.

— Em breve, o meu tio chegará com os meus presentes de noivado; decerto, ele trará as melhores roupas que podemos imaginar! — disse uma delas.

— E, sei eu, o meu também está vindo, trazendo os doces mais deliciosos que podemos imaginar! — disse a segunda.

— Ah! O meu tio estará aqui em breve, com as joias mais raras do mundo! — exclamou a terceira.

Mas Bopolûchî — a mais bela das jovens — parecia triste, pois era órfã e não tinha ninguém para obter-lhe um casamento. No entanto, sendo ela era orgulhosa demais para permanecer em silêncio, disse, alegremente, às demais garotas:

— O meu tio também está chegando, trazendo-me vestidos finos, comida fina e joias raras.

Um mascate, que mercava doces perfumes e cosméticos, da mais variada espécie, para as mulheres do campo, estando sentado perto do poço, ouviu o que Bopolûchî dizia. Muito impressionado com sua beleza e espírito, ele decidiu casar-se com ela, e no dia seguinte, disfarçado de fazendeiro abastado, ele veio à casa da jovem mulher, carregado muitas bandejas repletas de finos vestidos, joias e iguarias. Na verdade, ele não era um verdadeiro mascate, senão um riquíssimo e perverso ladrão.

Bopolûchî mal podia acreditar no que via, pois tudo transcorria exatamente conforme ela havia imaginado. E o ladrão disse-lhe que era irmão de seu pai, que estava fora do mundo há anos, mas que havia voltado para arranjar o casamento da garota com um de seus filhos.

Ao ouvir aquilo, Bopolûchî prontamente acreditou em tudo que lhe era dito e ficou muito feliz. Então, reuniu as poucas coisas que possuía e partiu, felicíssima, com o ladrão.

No entanto, enquanto seguiam pela estrada, um corvo, no alto de um galho, grasnou:

 

Bopolûchî, é uma pena!

Perdeste o juízo, linda menina?

Não é um tio quem a favorece,

Mas um ladrão que a engana!

 

—Tio —disse Bopolûchî —, aquele corvo grasna de forma tão engraçada. O que está dizendo?

— Ora — respondeu o larápio —, todos os corvos, neste país, grasnam assim!

Um pouco mais adiante, encontraram um pavão; assim que avistou a linda donzela, a ave se pôs a cantar:

 

Bopolûchî, é uma pena!

Perdeste o juízo, linda menina?

Não é um tio quem a favorece,

Mas um ladrão que a engana!

 

—Tio —disse a menina —, aquele pavão canta tão engraçado. O que está dizendo?

— Ora — respondeu o larápio —, todos os pavões, neste país, cantam assim!

Pouco a pouco, um chacal se esgueirou pela estrada; assim que viu a pobre e bonita Bopolûchî começou a uivar:

 

Bopolûchî, é uma pena!

Perdeste o juízo, linda menina?

Não é um tio quem a favorece,

Mas um ladrão que a engana!

 

 

—Tio —disse a donzela —, aquele chacal uiva tão engraçado. O que ele está dizendo?

— Ora — disse o retornou o ladrão —, todos os chacais uivam assim neste país!

A pobre e bela Bopolûchî seguiu em sua viagem a casa do ladrão. Quando chegou, o larápio disse-lhe quem de fato era e que pretendia casar-se com ela. A garota chorou amargamente, mas o ladrão não teve piedade, e a deixou sob os cuidados de sua velha — oh, sempre tão velha! — mãe, enquanto saía para fazer os preparativos para a festa de casamento.

Bopolûchî tinha um cabelo tão bonito que chegava até os tornozelos, mas a mãe idosa não tinha um fio de cabelo em sua velha cabeça.

— Filha — disse a muito velha, sempre tão velha mãe, enquanto colocava o vestido de noiva em Bopolûchî —, como você conseguiu um cabelo tão bonito?

— Bem —respondeu Bopolûchî —, a minha mãe o fez crescer batendo em minha cabeça com um pilão de descascar arroz. A cada golpe do pilão, o meu cabelo crescia cada vez mais. Garanto-lhe que é um expediente que nunca falha.

— Talvez isto fizesse meu cabelo crescer! — disse, avidamente, a velha mulher.

— Talvez sim! — respondeu, astuciosamente, Bopolûchî.

Então a velha — a sempre muito velha mãe — colocou a cabeça no pilão, e Bopolûchî bateu com tanta vontade que a velha senhora prontamente morreu.

Bopolûchî, em seguida, vestiu o cadáver com os paramentos escarlates de noiva, sentou-o na baixa cadeira nupcial, puxou cuidadosamente o véu sobre o rosto da defunta e colocou-lhe à frente a roca, para que, quando o ladrão chegasse em casa, pensasse que se tratava da noiva. Depois, a jovem vestiu as roupas da velha mãe e, tomando a antiga trouxa, fugiu de casa o mais rápido possível.

No caminho para casa, ela encontrou o ladrão, que voltava com uma pedra de moinho roubada — destinada a moer o milho para a festa de casamento — na cabeça. A garota, terrivelmente assustada, se escondeu atrás da cerca viva, para não ser vista. Mas o ladrão, não a tendo reconhecido no vestido da velha mãe, pensou que fosse uma estranha da aldeia vizinha. Para não notada, esgueirou-se ela por trás de uma cerca viva. Assim, Bopolûchî pôde chegar em casa em segurança.

Entrementes, o ladrão, chegando à casa, viu a figura, vestida de roupa escarlate, sentada cadeira nupcial, fiando. É evidente que supôs que pensou que era Bopolûchî que ali estava. Então, chamou-a para ajudá-lo a descer com a mó, mas a mulher não respondeu. Tornou a chamar, mas a mulher permaneceu muda. O ladrão, pois, ficou deveras furioso e jogou-lhe a mó sobre a cabeça. A figura tombou, e... não era Bopolûchî! Era a sua mãe, a sua sempre tão velha mãe! O ladrão chorou e flagelou o peito, pensando que havia matado a bela Bopolûchî. Contudo, quando descobriu que a noiva havia fugido, encheu-se de fúria, mais do que nunca determinado a trazer de volta, custasse o que custasse, a jovem mulher!




 

 

Certa de que o ladrão a arrastaria de volta, Bopolûchî, todas as noites, implorava por refúgio na casa de alguma amiga, deixando a sua própria cama na casinha, onde morava, completamente vazia. Contudo, depois de mais ou menos um mês, ela tinha esgotado o refúgio das amigas, e sentia-se constrangida em pedir-lhes, novamente, outro abrigo. Nestas circunstâncias, decidiu enfrentar a amarga situação, dormindo em sua própria casa, acontecesse o que houvesse de acontecer. Contudo, precavida, mantinha consigo, na cama, uma foice.

Ora, bem no meio da noite, quatro homens entraram sorrateiramente em seu quarto. Agarrando, cada um, uma perna da cama, ergueram-na e puseram-se em movimento. O chefe do ladrão estava entre eles, e segurava, sobre a cabeça, uma das pernas. Bopolûchî estava muito bem desperta, mas fingia-se profundamente adormecida.

Chegaram a um local deserto e selvagem, onde os ladrões relaxaram as suas precauções. Ela, então, sacou a foice e, num piscar de olhos, cortou as cabeças dos dois ladrões que sustentavam os pés da cama. E, virando-se rapidamente, decapitou o ladrão que seguia à frente. Mas o seu raptor fugiu, tomado de um temor terrível. O malfeitor subiu como um gato selvagem em uma árvore próxima antes que ela o pudesse alcançar.

— Desça — gritou a valente Bopolûchî, brandindo a foice —e lute!

Mas o ladrão não desceu.

Bopolûchî juntou todos os gravetos que pudera encontrar, empilhou-os em volta da árvore e ateou-lhes fogo. Claro que a árvore também foi devorada pelas chamas e o ladrão, meio sufocado pela fumaça, pulou fora, mas caiu morto.

Depois do incidente, a moça voltou à casa do ladrão e levou todo o ouro, prata, joias e roupas que lá estavam escondidos. Bopolûchî retornou para a aldeia tão rica que poderia casar-se com quem quisesse!

E assim concluíram-se as aventuras de Bopolûchî!

 

Fonte: Tales of the Punjab (1894), London & New York: Macmillan and Co., 1894.


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