O PRIOR E O SINO DE PRATA - Narrativa Clássica Sobrenatural - Victor Hugo
O PRIOR E O SINO
DE PRATA
Victor Hugo
(1802 – 1885)
Tradução de Paulo Soriano
A
visão das ruínas era tentadora. Para lá, conduziram-me.
Eu
bem sabia que as de Velmich eram umas das ruínas menos estimadas e visitadas do
Reno.
Para
os viajantes, é difícil — e, diz-se, até mesmo perigoso —aproximar-se dela. Para
os camponeses, os escombros estão repletos de espectros e histórias
assustadoras. Estariam infestados por chamas vivas que, durante o dia, se
esconderiam em abóbodas subterrâneas inacessíveis, e que só se tornariam
visíveis à noite, no cume da grande torre redonda.
Esta
grande torre é, em si, apenas a extensão — que se eleva por sobre o solo — de
um imenso poço, hoje aterrado, mas que, no passado, perpassava toda a montanha
e descia abaixo do nível do Reno.
Neste
poço, um senhor de Velmich, chamado Falkenstein — nome fatal nas lendas —, que
viveu no século XIV, mandava atirar, sem o perdão da confissão, quem quer que ele
quisesse, fosse apenas um transeunte ou, mesmo, um vassalo seu. São todas essas
almas perdidas que agora habitam o castelo.
Havia,
outrora, no campanário de Velmich, um sino de prata, dado e abençoado por
Winfried, bispo de Mainz, no ano de 760. Aquela fora uma era memorável: Constantino VI fizera-se imperador de Roma em
Constantinopla; o rei pagão Marsílio dominara quatro reinos na Espanha; Clotário
reinou na França, sendo, depois, por três vezes, excomungado por São Zacarias,
nonagésimo quarto papa[1].
Aquele sino só era tocado para orações de quarenta horas, quando um senhor de
Velmich estava gravemente doente ou em perigo de morte.
Falkenstein,
que não acreditava em Deus — e nem mesmo no Diabo —, precisava de dinheiro e
cobiçava aquele belíssimo sino.
Então,
fez com que fosse tirado do campanário e levado à torre mor de seu castelo. O
prior de Velmich, transtornado, dirigiu-se ao suserano, de casula e estola,
precedido por dois coroinhas carregando a cruz, para requestar a devolução do
sino.
Falkenstein
gargalhou e gritou:
—
Quereis o sino? Bem, vós o tereis e estareis para sempre com ele.
Dito
isto, mandou atirar o sacerdote no poço da torre, com o sino de prata amarrado
ao pescoço.
Depois,
por ordem do castelão, os sessenta metros do poço foram preenchidos com grandes
pedras, soterrando o padre e o sino.
Alguns
dias depois, Falkenstein adoeceu repentinamente. Então, quando a noite chegou,
o astrólogo e o médico, que zelavam o castelão, ouviram, aterrorizados, o toque
do sino de prata, vindo das profundezas da terra.
No dia seguinte, Falkenstein estava morto.
Desde
então, todos os anos, exatamente na hora da morte de Falkenstein, na noite de
18 de janeiro —que é a festa da Cadeira de São Pedro em Roma —, ouve-se
claramente o toque do sino de prata, ecoando das entranhas da montanha.
Um ótimo pequeno conto! 😁
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