UMA AUTÓPSIA CRUEL - Narrativa Clássica Verídica - Anônimo do início do séc. XX
UMA
AUTÓPSIA CRUEL
Anônimo do início do séc. XX
Este
caso é recente. Foi um estudante de medicina que assim o descreveu, no Figaro
de Paris.
“Eu
servia como interno em um asilo de doentes mentais.
Um
dia, uma louca faleceu e o chefe de serviço médico lavrou a certidão de óbito,
dando como causa mortis a ruptura de aneurisma, e seu corpo foi
transportado para o necrotério.
Eu ia fazer exame de anatomia e estava receoso
sobre um ponto, que não conhecia bem: as vísceras abdominais.
À
noite, fui sozinho ao necrotério, levando em uma das mãos um candelabro e na
outra meu estojo de dessecação.
Eram
mais ou menos dez horas da noite. A morta estava estendida, nua, sobre uma mesa
de mármore. Tirei os instrumentos do estojo e, depois de ter colocado o
candelabro sobre o peito da morta para ver melhor, dispus-me a descobrir o
fígado, no qual queria estudar as artérias.
Comecei
minha incisão com mão firme. Porém, mal a ponta do bisturi penetrou na carne, a
morta soltou um grande grito.
E
a mulher sentou-se, atirando a vela, que se apagou. No mesmo instante, senti-me
seguro pelo pescoço por uma das mãos da louca. Sua outra mão, úmida e gelada,
segurou-me pelos cabelos e bateu com minha cabeça furiosamente na borda da mesa
de mármore.
Não
tentarei descrever o horror de semelhante luta. Desprevenido, nos primeiros
momentos, eu nem sequer me defendi: as primeiras pancadas atordoaram-me. Tive
que fazer um estorço desesperado para lutar e, quase estrangulado, comecei a
vibrar o bisturi às cegas, urrando de pavor.
De
repente, minha arma encontrou um obstáculo... senti-me livre. Atirado à
distância, bati com a cabeça violentamente e perdi os sentidos. No dia
seguinte, ao amanhecer, fui despertado pelo servente, que vinha abrir a sala e
fazer-lhe a limpeza, e estava admiradíssimo de me encontrar ali.
A
louca estava agora verdadeiramente morta.
Tinha
na mão direita o punhado de cabelos que me arrancara; e, com a outra, num gesto
imobilizado, o escapelo que, na luta, eu lhe cravara no coração”.
Fontes: “Eu Sei Tudo”,
edição de setembro de 1920; “Leitura para Todos”, edição de março de 1914.
Imagem: Vojtěch Hynais
(1854 – 1925).
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